Os respectivos votos dos ministros Joaquim Barbosa (relator) e Ricardo Lewandowski nos permitem fazer uma afirmação peremptória, agora com o concurso de dois ministros que estudaram a fundo o assunto: aquilo a que se chamou “mensalão” — e que poderia se chamar “Roubalhão”, “Safadolhão”, “Sem-vergonhicelhão” — existiu. Existiu e foi “o mais ousado e escandaloso esquema de corrupção e desvio de dinheiro público descoberto no Brasil”, como o classificou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Um dos pilares do esquema se evidencia de maneira escandalosa nos dois votos: o uso de dinheiro público para financiar as atividades criminosas de um grupo. O dinheiro do fundo Visanet que foi parar na Agência DNA e dali nas mãos dos ditos mensaleiros era público, do Banco do Brasil. Para reter grana que pertencia ao banco, outra agência, a SMP&B forjou notas para justificar a tal “bonificação de volume”. Por essa razão, os dois ministros condenaram, até agora, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do banco, por peculato (duas vezes), corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Marcos Valério e seus sócios, Ramon Rollerbach e Cristiano Paes, quase pelos mesmos crimes: nesse caso, a corrupção é ativa.
A dinheirama do Banco do Brasil era apenas parte do esquema, como é sabido. Ela é a evidência da ousadia do grupo. Marcos Valério era apenas o operador do dinheiro, uma espécie de distribuidor. E por que ele era necessário? Justamente para conferir uma certa aparência de legalidade aos crimes, para, em suma, “lavar” o dinheiro; MAS ATENÇÃO PARA O QUE VEM AGORA.
Para quem Valério trabalhava? Que obtivesse benefícios pessoais na sua atividade, isso é óbvio. Também nesse ramo não se trabalha de graça. Mas ele não era só um empresário espertalhão que se meteu com empresas do governo para tomar uns trocos. Não! Ele era um dos protagonistas de um esquema de pagamentos a políticos e partidos. A isso, Roberto Jefferson deu um nome-fantasia: “Mensalão”. Poderia se chamar, sei lá, “Coisa do Molusco”. E seu caráter seria o mesmo.
Pensem cá comigo: será mesmo possível condenar Pizzolato, Valério e seus sócios por aqueles crimes e inocentar o tal núcleo político? Afinal, aquela gente toda atuava para quem? Não era, reitero, em benefício apenas de um esquema privado. O voto, até agora, tratou da origem de parte do dinheiro de um esquema político. Haverá algum voto divergente no que concerne a esses réus, nesse episódio? Estou curioso para ouvir. Vai se demonstrar o quê? Que o capilé milionário não era público? Vai-se tentar provar que Pizzolato não o liberou? Que os serviços da DNA realmente existiram? Vão jogar no lixo as auditorias do Banco do Brasil demonstrando que os repasses foram irregulares?
A situação de Valério, dos sócios e de Pizzolato é muito difícil. E é uma inteira sandice — ou picaretagem — sustentar que eles possam ser condenados, mas com a absolvição do tal núcleo político. Não vejo como os nove outros ministros possam operar uma mágica. O grupo julgado nesse item 3 deve se preparar, acho eu, para passar um tempinho na cadeia.
Texto publicado originalmente às 4h09
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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