Entrevista: David Mindell
O professor responsável pelas comemorações dos 150 anos do MIT diz que a universidade é referência da pesquisa tecnológica porque está apta a encarar grandes desafios atuais, sejam na área de economia, saúde ou meio ambiente
Nathalia Goulart
Massachusetts Institute of Technology (MIT) completa 150 anos de sua fundação (Divulgação)
Tecnologia e ciência parecem aos homens do século XXI áreas do conhecimento indissociáveis. Não eram aos homens do século XIX. Desafiando o modelo clássico de então, William Barton Rogers, um professor de filosofia natural e química, propôs, em 1861, a criação do que viria a ser o Massachusetts Institute of Technology, ou MIT. A proposta era aproximar a ciência clássica das chamadas "artes práticas", como a engenharia, para adicionar boa dose de pragmatismo à primeira e conhecimentos enraizados à segunda e, dessa forma, formar homens – e também mulheres, uma inovação para a época – que pudessem encarar os problemas do mundo e dar-lhes solução. "Essa combinação está presente na filosofia do instituto: Mens et manus, que, em latim, quer dizer mente e mãos. Ou seja, teoria e prática juntas", diz David Mindell, diretor do programa de ciência, tecnologia e sociedade do MIT e coordenador das comemorações dos 150 anos do instituto.
Desde sua fundação, a universidade se expandiu em todos os sentidos. Além do curso de engenharia clássica, oferece sua variante aeroespacial, e também antropologia, economia, música, biologia e ciência da computação, entre outros. Por suas salas e laboratórios, passam mentes brilhantes responsáveis por invenções e descobertas revolucionárias, caso do engenheiro Tim Berners-Lee, considerado o "pai" da internet, além de 76 ganhadores do Prêmio Nobel. A pele artificial, a tecnologia GPS e até a sopa Campbell nasceram ali. Os 150 anos não afastaram a universidade de sua missão original. Por isso, Mindell aposta que propostas para enfrentar desafios prementes como o aquecimento global e a crise econômica deverão sair da instituição estabelecida na Nova Inglaterra, no nordeste americano. "O MIT se caracteriza por uma filosofia: fazer com que seus estudantes olhem para os problemas do mundo real e busquem soluções", diz. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu ao site de VEJA.
Donna Coveney/Divulgação
David Mindell, professor do MIT
Há 150 anos, o conceito de tecnologia ainda era incipiente. Como se deu a fundação do MIT para atuar em uma área quase inexplorada? Em 1861, a educação superior ainda era baseada no modelo clássico de universidade, onde aprendia-se latim e grego e talvez um pouco de ciência, o que significa que engenharia e tecnologia não tinham espaço. A ideia revolucionária de William Barton Rogers, fundador do MIT, foi pensar que a ciência e as chamadas artes práticas, como a engenharia, deveriam dialogar e que tinham muito o que dizer uma a outra. Essa combinação está presente na filosofia do instituto: Mens et manus, que, em latim, quer dizer mente e mãos. Ou seja, teoria e prática juntas.
Quais foram os momentos cruciais do instituto desde a criação? Em primeiro lugar, sua fundação, apenas dois dias antes do início da Guerra da Secessão (1861-1865). Mais de um século depois, a II Guerra Mundial (1939-1945), que fez com que o MIT se transformasse e reorganizasse a maneira como as pesquisas eram conduzidas. Isso porque a guerra se tornou tecnológica, coisa que não havia acontecido até então. De certa forma, a posterior explosão da eletrônica e da computação foi semeada durante aquele período, e o MIT fez parte dessa história. Outro momento importante foi a reavaliação do papel da mulher na ciência e da maneira como ela havia sido discriminada nesse campo: foi crucial não só para a ciência, mas para o país e o mundo. Por fim, acredito que o momento que estamos vivendo agora é transformador, com desafios na economia, meio ambiente, saúde... Tudo isso representa um grande desafio a ser superado.
De que forma o conhecimento produzido no MIT pode ajudar a superar esses desafios? Certamente, inventos que sairão da universidade poderão ajudar. Mas fundamental será o treinamento rigoroso e sólido que oferecemos nas mais diferentes áreas. Nosso melhor produto são nossos alunos, principalmente da pós-graduação, que saem daqui e vão para as mais diferentes partes do mundo para realizar trabalhos impressionantes. O MIT se caracteriza por uma filosofia: fazer com que seus estudantes olhem para os problemas do mundo real e busquem soluções. Essa mentalidade irá resolver problemas como a crise econômica e o aquecimento global.
O MIT é hoje umas das cinco melhores universidade do mundo. Recursos financeiros certamente são parte importante da receita desse sucesso. O que mais faz do instituto um centro de excelência? Dinheiro é apenas consequência, ele vem depois e não antes da excelência. O ingrediente fundamental é a cultura da nossa instituição, regida pelo princípio da teoria aliada à prática, ou seja, uma cultura voltada para a solução de problemas. Outro fator importante é a mobilidade. Nossos alunos estão sempre transitando entre as indústrias, os governos e a universidade. As barreiras entre o MIT e o mundo exterior são quase invisíveis. Mesmo dentro do instituto, as pessoas estão sempre indo e voltando, procurando assuntos em diferentes campos de pesquisa, sempre atentas aos problemas que precisam ser resolvidos. A excelência está disponível a todos e, uma vez dentro do MIT, o aluno busca isso. Por isso, afirmo que não é só o dinheiro que faz uma grande universidade. Afinal, o MIT não começou com tanto dinheiro assim e não teve muito dinheiro durante boa parte de sua história.
O que fez essa situação mudar? Parte da evolução deve ser creditada aos investimentos do governo federal. Outra porção, à nossa excelência. É muito comum que pessoas ligadas ao governo venham aqui atrás de uma pós-graduação e depois retornem a seus postos. Da mesma forma, nossos professores são convidados a fazer parte de diferentes governos, em diferentes esferas. Eles se vão por um período determinado e depois retornam e seguem dando aulas. Assim ganhamos prestígio, que é importante e atrai investimento.
Qual o segredo para selecionar os melhores candidatos e atrair os melhores professores? Mais uma vez, a excelência. Se temos profissionais e estudantes excelentes, outros jovens e profissionais com potencial para a excelência vão querer estar aqui. Não há dúvidas de que excelência atrai excelência. Permanecer no MIT pode ser uma tarefa difícil para muitos estudantes – e mesmo para muitos professores, porque todos aqui trabalham sob um regime bastante exigente o tempo todo. Acredito que o processo de seleção também contribua, mas não é o fundamenta porque ele varia, principalmente para os alunos de pós-graduação. Nem todos entram aqui exatamente da mesma forma. É verdade que cometemos muitos erros e nem todos sobrevivem aqui. Como professor, vejo estudantes desistirem no primeiro ano. Mas aqueles que sobrevivem realmente desenvolvem seu potencial.
É possível descrever o perfil de um estudante do MIT? Não existe um perfil padrão. Os alunos procuram o MIT por razões tão diversas que é difícil determinar um denominador comum. Como recebemos alunos de graduação até o doutorado, temos jovens de 17 anos que nunca saíram de casa e, ao mesmo tempo, lidamos com senhores que já foram ministros em alguma área de algum governo em alguma parte do mundo.
Muitas universidades brasileiras olham as parcerias entre empresas e universidade com desconfiança, como se isso fosse uma espécie de desvirtuamento. Como esse assunto é tratado dentro do MIT? Essas parcerias são muito importantes. É claro que a universidade precisa estar atenta para que não seja pautada apenas pelo interesse empresarial, principalmente porque a indústria pensa no curto prazo e quer respostas em dois ou três anos, enquanto, na universidade, os resultados demoram 30 ou 40 anos para aparecer. No entanto, essa colaboração pode ser muito valiosa e dar certo. No MIT, a parceria com a indústria é uma tradição.
Como essa cooperação funciona? De forma geral, as indústrias fornecem desafios muito interessantes e oferecem acesso a recursos físicos para pesquisa. Além disso, é uma oportunidade de lançar para fora do campus universitário, para o mundo real, uma ideia ou uma teoria. Geralmente a parceria traz dinheiro para a universidade e, em contrapartida, a universidade oferece profissionais altamente capacitados. Muitas empresas mantêm uma relação com o MIT simplesmente porque querem conhecer os nossos estudantes e escolher os melhores profissionais do mercado.
Qual a importância dessas parcerias? Elas são muito importantes porque a tecnologia acontece mesmo é nas indústrias. Se pensarmos em físicos teóricos, eles estão nas universidades. Mas quando pensamos em tecnologia e engenharia, as universidades representam uma pequena parte dessa engrenagem. Google, Amazon e General Motors: existe muita coisa acontecendo lá. E os professores de engenharia precisam estar onde as coisas acontecem. Por isso as parcerias são tão importantes. A indústria tem muito a aprender com a universidade, mas o inverso também é verdadeiro.
Como o senhor vê a ascensão de países como Índia e China frente à predominância tecnológica dos EUA? Muitos de nossos estudantes vêm desses países. Mantemos contato com o que está acontecendo por lá. Eles são certamente uma fonte potencial de parceria e de competição. Mas nosso modelo de universidade sempre foi aberto, e isso é uma das razões do nosso sucesso. Então, espero que esses países sigam evoluindo.
Como estimular o interesse das crianças por ciência e tecnologia? Esse é um problema que estamos tentando resolver – nós e muita gente. Uma das maneiras de fazer isso é deixar a universidade aberta para qualquer interessado. Um trunfo do MIT é que aqui a engenharia e a tecnologia são vistas por um prisma criativo, muito mais do que uma simples sequência de números. Quanto mais a imagem da ciência e da criatividade estiverem ligadas, mais as crianças terão interesse por ela.