sábado 11 2015
Do mensalão à Lava Jato: os propinodutos com verba publicitária
Histórico petista é pródigo no uso de agências para lavar dinheiro de esquemas de corrupção. Agora é a vez André Vargas parar na cadeia por isso
Por: Laryssa Borges, de Brasília, e Felipe Frazão
Quase dez anos depois de o Ministério Público Federal ter detectado que agências de publicidade do empresário Marcos Valério eram responsáveis por operacionalizar o propinoduto utilizado para abastecer o mensalão, publicitários e empresas de propaganda são novamente colocados no centro de um gigantesco escândalo de corrupção - desta vez, o bilionário esquema de lavagem de dinheiro desvendado pela Operação Lava Jato da Polícia Federal. Na 11ª etapa da operação, deflagrada nesta sexta-feira, a investigação mapeou no esquema digitais semelhantes às utilizadas pelo grupo de Valério pouco antes de 2005 e chegaram à conclusão de que a agência Borghi/Lowe, do empresário Ricardo Hoffman, utilizava contratos de prestação de serviços com o Ministério da Saúde e com a Caixa Econômica Federal para irrigar os cofres de políticos corruptos por meio do pagamento de propina. Preso pela PF, o ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR), aquele que defendeu com o punho em riste os colegas mensaleiros diante do ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa, foi um dos principais beneficiários deste propinoduto.
O histórico petista é pródigo no uso de agências de publicidade para lavar dinheiro sujo obtido por meio de esquemas de corrupção. Ainda que não seja exclusividade do partido - o mesmo modus operandiserviu ao escândalo do valerioduto mineiro, que desviou dinheiro de contratos de patrocínio de eventos esportivos -, é inegável que desde os tempos do mensalão houve uma espécie de profissionalização do uso de contratos de propaganda e marketing para branquear dinheiro de caixa dois ou simplesmente camuflar a movimentação de dinheiro da roubalheira petista. Os contratos de publicidade, assim como os acordos de consultoria hoje alegados pelo ex-ministro mensaleiro José Dirceu para justificar os 29,2 milhões de reais que recebeu de empreiteiras investigadas na Lava Jato, servem com eficiência a esquemas criminosos porque é difícil medir os serviços ou verificar in loco os custos de cada produção publicitária.
Em 2005, em depoimento na CPI dos Correios, que investigava o escândalo do mensalão, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro do ex-presidente Lula nas eleições de 2002, admitiu que recebeu 10,5 milhões de reais de Marcos Valério em depósitos em um paraíso fiscal no exterior. A revelação evidenciou que os tentáculos do então desconhecido Valério haviam abastecido o caixa da campanha petista na disputa que levou Lula ao Palácio do Planalto. Mais tarde se descobriria que a atuação de serviços publicitários como camuflagem para atuações criminosas do PT não se restringiu ao episódio Duda Mendonça.
O uso de contratos de publicidade para fins ilícitos se deu, por exemplo, no escândalo do mensalão, quando o então presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu propina de 50.000 reais para providenciar "tratamento privilegiado" a Marcos Valério em uma licitação da qual sairia vitoriosa a agência de publicidade SMP&B, de propriedade do empresário mineiro. Menos de duas semanas depois de Cunha ter recebido a propina, a agência venceu licitação na Casa, mesmo já tendo sido desclassificada da concorrência anterior por insuficiência técnica. A empresa acabou subcontratando 99,9% dos serviços.
Ainda entre as tramas de corrupção envolvendo a atuação de mensaleiros e contratos de propaganda, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que o então diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach atuaram desvio de mais de 70 milhões de reais do BB por meio do fundo Visanet, responsável pela promoção de cartões de crédito da bandeira Visa, e de um montante que as agências de publicidade eram obrigadas a devolver à instituição financeira. O chamado núcleo publicitário do mensalão embolsou 2,9 milhões de reais em bônus de volume, uma gratificação paga pelos veículos de comunicação, enquanto 73,8 milhões de reais foram pagos pelo banco público à agência de publicidade DNA, de Valério, sem que houvesse comprovação de qualquer serviço prestado. Parte dos pagamentos foi justificada com notas fiscais frias. Foram emitidas nada menos que 80.000 delas.
O mercado de publicidade tem uma prática que virou terreno fértil para desvio de recursos de estatais: o chamado "bônus por volume". Ele nada mais é do que um tipo de comissão que as produtoras e empresas de comunicação pagam de volta para as agências como uma espécie de recompensa por serem escolhidas para prestar os serviços de marketing ou publicidade. Um especialista exemplifica que, na Caixa Econômica Federal, 90% da verba para campanha publicitária costumam ser gastos com mídia e outros 10% com produção. Ocorre que cada empresa de mídia ou de produção devolve à agência de 10% a 15% do que recebeu. O problema é que, no caso dos contratos investigados pela Operação Lava Jato, já se sabe que o chefe da Borghe/Lowe em Brasília redirecionava as comissões para as empresas de irmãos do ex-deputado federal André Vargas (ex-PT-PR).
Caixa – Agência Borghi – Produtoras – irmãos Vargas
A agência Borghi/Lowe subcontratava produtoras que deveriam devolver 10% do volume global do quanto faturaram, o chamado bônus por volume, para a Borghi. No caso, em vez de retribuir para a agência, Hoffmann mandava pagar para as empresas dos irmãos do ex-deputado federal André Vargas (ex-PT-PR), que emitiam notas frias simulando serviços. A PF identificou a operação como um crime de lavagem de dinheiro. As produtoras serviram para intermediar pagamentos ao então deputado. Por meio de suas empresas, o ex-deputado emitia notas frias, ou seja, de serviços que não foram prestados. As empresas dos irmãos Vargas não tinham sede nem funcionários, segundo a PF. "Essas empresas não existem fisicamente e recebem um percentual equivalente a 10% do contrato firmado com a empresa principal. Então, tudo nos leva a crer que seja um percentual a ser desviado para o agente público", disse o delegado Igor Romário de Paula, da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado.
Escândalo do Visanet
O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por terem atuado no desvio de mais de 70 milhões de reais do Banco do Brasil por meio do fundo Visanet, responsável pela promoção de cartões de crédito da bandeira Visa, e do pagamento de bônus de volume. Em outubro de 2014, Valério e seus antigos sócios foram condenados pela 7ª Vara Cível de Brasília a pagarem cerca de 4 milhões de reais ao BB e ao fundo Visanet por terem procurado a Justiça "por má-fé" e tentarem cobrar pelo pagamento de serviços de publicidade não prestados. Em sua defesa, o Banco do Brasil havia argumentado que o Tribunal de Contas da União (TCU) constatara uma série de irregularidades praticadas pela agência de publicidade DNA durante a execução do contrato, o que teria resultado na apropriação indevida de 18,5 milhões de reais.
Duda Mendonça e a eleição de 2002
Em depoimento à CPI dos Correios em agosto de 2005, o publicitário Duda Mendonça admitiu ter recebido dinheiro do PT em um paraíso fiscal depois de intermediação do publicitário Marcos Valério. Os recursos diziam respeito à campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva em 2002: 11,9 milhões de reais foram providenciados por Valério, sendo 10,5 milhões de reais pagos no exterior, e 3,6 milhões de reais pelo então tesoureiro do partido Delúbio Soares. Duda Mendonça foi denunciado pelos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) o absolveu no julgamento do mensalão.
Propina a João Paulo Cunha
Em 2003, quando ocupava a presidência da Câmara dos Deputados, o petista João Paulo Cunha recebeu propina de 50.000 reais do publicitário Marcos Valério para direcionar uma licitação no Congresso em favor da empresa SMP&B. De acordo com a acusação do Ministério Público, Cunha utilizou seu cargo como deputado federal e presidente da Câmara para favorecer a SMP&B e para subcontratar de forma fraudulenta um jornalista que já prestava serviços a ele. Menos de 1% dos 10,7 milhões de reais gastos pela Câmara foram destinados a cobrir serviços efetivamente prestados pela agência de publicidade de Valério e parte dos valores foi gasta em subcontratações. Cunha acabou condenado pelo episódio e também por ter simulado a origem dos recursos, enviando a esposa para sacar o dinheiro em uma agência do Banco Rural em Brasília.
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