A escritora Ayelet Waldman (Crédito: Jeff Vespa/WireImage)
Raquel Carneiro
Em 2005, a escritora israelense Ayelet Waldman se tornou alvo de uma controvérsia que repercutiu até em comentários raivosos, pedindo que ela perdesse a guarda de seus filhos. O drama foi motivado por um artigo seu publicado no jornal americano The New York Times, no qual ela fazia um relato honesto do nascimento de sua filha e do sentimento de culpa que sentia ao ver outras mães abandonando o romance e a vida sexual com os maridos após a maternidade. A escritora, na contramão, se dizia muito feliz com o parceiro, e que sua paixão por ele ainda era mais forte que o amor por suas crianças.
“O mundo inteiro caiu em cima de mim”, diz a autora ao blog VEJA Meus Livros. “O que eu apontei era que esse foco nos filhos atrapalha a saúde do relacionamento do casal e das crianças também. Os filhos precisam se sentir amados, mas também precisam sentir que seus pais amam um ao outro e que sua casa é segura.”
O tema família, recorrente na obra de Ayelet, ganhou novos contornos e a maternidade acabou de lado em seu último livro, Amor e Memória (Casa da Palavra), o qual ela divulga na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na mesa Amar, Verbo Transitivo, nesta sexta-feira, às 19h30. Na obra, suas raízes judaicas e o drama do holocausto são o foco no romance que acompanha diferentes histórias e relacionamentos ao longo de décadas, desde a Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje. Uma narrativa interessante, que mistura paixão e humor, em meio a um cenário de devastação e tristeza.
Nos seus livros, a família é o tema central do enredo. Por que você se interessou por esse assunto? Eu me tornei uma escritora depois que fui mãe. Antes de ter filhos eu era uma advogada criminal. Eu amava meu trabalho, nem me importava com a longa jornada — era muito ambiciosa. Foi então que nasceu meu primeiro filho e passei a me questionar se eu tinha feito as escolhas certas. Eu continuava ambiciosa e amando meu trabalho, mas ficar nele 12 horas por dia não parecia ser a coisa certa. Fiquei dividida. Abandonei meu emprego e tentei ser uma mãe que ficava em casa, mas isso não era sucesso pra mim. Decidi então escrever como um jeito de não ficar maluca trancada em casa com uma criança. Parecia lógico escrever sobre o que se passava na minha cabeça naquele tempo, foi por isso que foquei na minha vida como mãe.
Em algum momento pensou que seria simplório olhar o mundo apenas a partir de um ponto de vista? Sim, muitas vezes me perguntei se aquele não era um jeito míope de ver o mundo, mas eu me confortava pensando em muitos dos meus heróis literários. Philip Roth, um dos meus autores favoritos, por exemplo, tem escrito o mesmo livro repetidamente. Então percebi que a maternidade como um tópico não merecia menos atenção do que assuntos sexuais ou as angústias de homens judeus, por exemplo.
Seu último livro, Amor e Memória, o foco familiar muda um pouco. Por que isso?Neste livro, a maternidade não é um assunto principal. Não tenho certeza o porquê disso. Meus filhos são mais velhos, é verdade. Talvez eu tenha desenhado esses abismos por tempo suficiente. O livro é sobre várias coisas, incluindo relações humanas e familiares. Eu não me imagino escrevendo uma história que não seja sobre pessoas e seus sentimentos e atitudes em relação às outras.
A senhora já falou sobre a extrema devoção das mães aos filhos. Acredita que uma geração mimada está sendo criada? Com certeza. Muitas das nossas crianças são hoje menos capazes de cuidar de si mesmas e menos resistentes às adversidades. Elas são tão exaltadas pelos pais que desenvolveram um medo exagerado do fracasso e ficam receosas em correr riscos. E, pelo menos nos Estados Unidos, protegemos tanto nossos filhos das classes médias e altas, que esquecemos que crianças pobres ainda são crianças. Nós os encarceramos como adultos, negamos a eles até a educação à qual têm direito. A dicotomia é de perder o fôlego.
A senhora tem quatro filhos. Acredita que está fazendo um bom trabalho na criação deles? A única coisa que posso dizer com segurança é que, como mãe, eu falho todo dia. Mas eu tento. Eu faço o meu melhor. Talvez eu não seja uma mãe excelente, mas eu acho que sou boa o bastante.
No Brasil, é possível ver uma pequena competição entre mães, cada uma tentando ser melhor que a outra. O que acha disso? Eu acho que essa cultura é tóxica. É a expressão das nossas inseguranças e do medo de que nossas crianças não vão ser bem-sucedidas em um mundo competitivo. Nos tornamos mães ansiosas e medrosas e, inevitavelmente, passamos isso para nossas crianças.
Também existe aqui, assim como em outros países, um alto índice de divórcios. O que pensa sobre isso? Nos EUA, as taxas de divórcio estão caindo nos estados politicamente liberais. Os estados “vermelhos”, caracterizados por intolerância e fundamentalismo religioso, possuem taxas mais altas. Sociólogos teorizam que a cultura evangélica seria a responsável pela alta taxa de divórcios. Isso parece uma contradição, já que a religião deveria ser o oposto do divórcio. Existem igrejas que proíbem o casal de morar junto antes de casar, isso encoraja as pessoas a se casarem cedo. Alguns também falham no ensino do controle de natalidade, focando na “abstinência como única educação”. São situações que levam as pessoas a se casarem mais cedo. Esses casamentos são insustentáveis. Não duram. Quando as pessoas esperam para se casar, elas fazem melhores escolhas.
Recentemente os Estados Unidos aprovaram o casamento gay em todos os estados. Qual sua opinião sobre o assunto? Apoio totalmente o casamento gay. O que é casamento, afinal? É o modo como duas pessoas afirmam para sua comunidade que elas se amam, que pretendem ser uma família. Como sociedade, temos travado essa decisão e nos achamos no direito de honrar e reconhecer esses compromissos. Isso não faz sentido se for limitado aos heterossexuais. Se compromisso é um beneficio, não deve ser um benefício para todos?
Em 2005, a senhora se tornou tema de uma controvérsia depois que o The New York Times publicou seu artigo, no qual dizia amar mais seu marido do que seus filhos. Como recebeu os comentários sobre isso naquela época? E agora? Acho que o mundo inteiro caiu em cima de mim. O que eu apontei era que esse foco nos filhos atrapalha a saúde do relacionamento do casal. Não apenas do casal, mas das crianças também. Os filhos precisam se sentir amados, mas também precisam sentir que seus pais amam um ao outro, que sua casa é estável e segura. E acho que meu ensaio provocou um curso de correção. Acredito que hoje as pessoas reconheceram que uma mãe não precisa se sacrificar pela felicidade de seus filhos, na verdade os filhos ficam melhores se elas não o fizerem.
Qual a opinião de seus filhos sobre o assunto atualmente? Hoje meus filhos têm 12, 14, 18 e 20 anos. É um alívio para eles que a mãe e o pai sejam felizes juntos. Apesar de que, desde que eles se tornaram adolescentes, ficaram muito ocupados apontando todos os nossos erros (risos).