sábado 12 2013

João e Maria - Chico Buarque e Nara Leão



“Serra Pelada mostra um Brasil bruto”

Entrevista – Heitor Dhalia

Diretor conta como foram os cinco anos até a conclusão do longa e afirma que pretende filmar história sobre o cangaço

Flávia Ribeiro, do Rio de Janeiro
Cena do filme 'Serra Pelada'
Cena do filme 'Serra Pelada' (Divulgação)
O pernambucano Heitor Dhalia, 43 anos, passou a adolescência lendo e ouvindo sobre Serra Pelada. Diretor de O Cheiro do Ralo, que participou da seleção oficial de Sundance, de À Deriva, que fez parte da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, e da produção hollywoodiana 12 Horas, Dhalia elegeu o garimpo que o impressionou no passado como tema de seu filme mais ambicioso. Nesta entrevista, ele conta que Serra Pelada é mais do que um filme sobre o garimpo. “Eu quis contar a história de como dois amigos de caráter e personalidades diferentes reagem ao ouro, à ganância e a um ambiente hostil”, diz.
Por que você resolveu fazer um filme sobre a Serra Pelada?
Eu sempre brinco que a ideia veio meio do nada. De repente, me peguei pensando: ‘Ninguém fez um filme sobre Serra Pelada’. Lá houve a maior concentração de trabalho braçal desde a construção das pirâmides do Egito, era um Eldorado na Amazônia, uma terra sem lei, por que ninguém fez? Quando comecei a fazer o filme, descobri o porquê (risos). Mas, além disso, eu tinha 10 anos quando Serra Pelada começou. Durante a minha adolescência, acompanhei nos jornais aquele formigueiro humano, fiquei impressionado com aquelas imagens. Achei que era uma oportunidade de retratar um Brasil que está deixando de existir, um Brasil profundo. É uma história muito significativa para não ser retratada no cinema.
Você disse que descobriu o porquê. O que foi mais difícil?
Foi uma jornada para fazer o garimpo voltar à vida. Foi um longo caminho. Você tem que equilibrar uma linha de filme de ação, uma linha de filme dramático e ainda ressuscitar o garimpo na tela de uma forma que as pessoas acreditem. Tínhamos dois mil figurantes no filme. Foram cinco anos, dois deles em produção, mais quase um ano de pós-produção. Antes, um ano de pesquisa, houve todo um trabalho de arte, a escolha da lente certa, de como filmar, como equalizar. Muita preparação. Tínhamos que saber o que é uma bateia, que escadas usavam, que roupas. Entrevistamos todos os fotojornalistas que passaram por lá, o geólogo que documentou Serra Pelada para o governo do início ao fim. Coletamos cerca de cinco mil fotos, houve um trabalho de garimpo enorme. Entrevistamos garimpeiros também, de diferentes épocas, escutei várias histórias, várias lendas. Os olhos de muitos garimpeiros daquele tempo ainda brilham quando falam em ouro. E fomos até lá várias vezes.
O que você encontrou lá?
Lá é um lago contaminado com mercúrio e embaixo há uma mina explorada por uma firma canadense. Ainda há muito ouro lá, e muitos garimpeiros. Existe ali uma vila com seis mil pessoas.
Você entrevistou algum garimpeiro que enriqueceu e continua rico?  
Não, isso eu não encontrei. Pode até ser que exista, mas não achei. Você experimentava a riqueza, mas não ficava rico de verdade. Todo mundo acabou liso. O cara queria experimentar o que era ser rico, ficar com chacrete, fechar bar, fretar avião, comprar um monte de carros. Queria torrar. Teve um, Marlon, que era dono de um barranco. Achou dois mil quilos de ouro, ficou super-rico, passou por vários episódios trágicos e acabou acusado de uma chacina. Era cada história...
Desde o início era num faroeste caboclo que você pensava?
Um faroeste amazônico. Porque aquela era uma terra sem lei, e faroeste é uma fronteira onde a lei não existe. Só que no faroeste americano, embora as leis não existam, busca-se uma civilização. Aqui foi diferente. É uma fronteira também, mas diferente. Não é deserto, é floresta. Não tem lei, é governado pelo caos. E não se busca uma civilização. É um Brasil bruto, quente, suado, com sabor de Brasil amazônico.
Só que o filme é também a história de uma amizade. Foi na relação entre Juliano e Joaquim que você manteve o foco?
Isso era meu ponto principal, ter uma história de dentro para fora. O garimpo é um set. O que importa são as pessoas dentro desse set. Eu quis contar a história de como dois amigos de caráter e personalidades diferentes reagem ao ouro, à ganância e a um ambiente hostil. Dois amigos e seus valores e sentimentos pessoais. Um de temperamento sanguíneo: Juliano, viril, bruno, físico, masculino, em sintonia com o personagem. E outro, Júlio, que é o coração do filme.
Sophie Charlotte, que tem uma beleza delicada, virou uma prostituta de garimpo. Ela foi sua escolha desde sempre?
Eu tinha três pessoas que concordavam com essa escolha, eu e mais dois. O resto, todo mundo estava meio em dúvida. Mas a Sophie foi de uma entrega incrível. Uma atriz corajosa, que encarou sem medo. Que fez a personagem pertencer àquele lugar. Ela era a ‘pepita do garimpo’. Tínhamos o professor, o grandão e a ‘onça’. Ela era a ‘onça’, destilada no jambu, um tempero paraense que amortece a boca.
Você gravou o filme 12 Horas nos Estados Unidos. Como foi sua experiência hollywoodiana? Mais difícil ou mais fácil do que essa?
Foram dificuldades diferentes.  Aqui, pela própria ambição do projeto. Foi muito difícil levantar esse filme do chão. Só que a gente tinha total liberdade criativa. Lá (nos Estados Unidos), tive todos os recursos, mas não tive liberdade. Lidei com um produtor old school. Sabe o cara do Barton Fink (filme dos irmãos Coen sobre um autor teatral que vai trabalhar em Hollywood nos anos 40)? Era aquele cara, old school. Foi muito bom, depois desse tempo lá fora, voltar para esse filme. Brasil na veia. E Brasil popular, Brasil povo. Na roupa, na música, em tudo. Um Brasil muito genuíno. Brasil profundo. Um Brasil que está acabando. Mesmo no Pará, já não é como era. Você vê a globalização chegando mais forte. Mas ainda encontra esse Brasil. Eu encontrei a guitarrada, o carimbó, o brega.
Qual o próximo projeto?
Tenho uma possibilidade de fazer outro filme nos Estados Unidos. E vou fazer um filme sobre cangaço.

Em discurso na ONU, Malala diz que não será silenciada por ameaças

Paquistão

Paquistanesa comemorou seus 16 anos com apelo pela educação infantil

"Educação é a única solução", disse a jovem Malala Yousafzai na ONU
"Educação é a única solução", disse a jovem Malala Yousafzai na ONU (Brendan McDermid/Reuters)
Em seu primeiro discurso público desde que foi baleada pelos talibãs e no dia de seu aniversário de 16 anos, a adolescente paquistanesa Malala Yousafzai disse na Organização das Nações Unidas (ONU), nesta sexta-feira, que não será silenciada por ameaças terroristas. Malala, que virou um símbolo da luta pelos direitos da educação de meninas no Paquistão, também fez um apelo por educação gratuita e obrigatória para todas as crianças do mundo.
"Eles pensaram que a bala iria nos silenciar, mas eles falharam", disse Malala na Assembleia de Jovens da ONU em seu aniversário de 16 anos, em um discurso no qual pediu mais esforços globais para permitir que as crianças tenham acesso a escolas. 
"Os terroristas pensaram que eles mudariam meus objetivos e interromperiam minhas ambições, mas nada mudou na vida, com exceção disto: fraqueza, medo e falta de esperança morreram. Força, coragem e fervor nasceram", completou, em um discurso muito aplaudido. Gordon Brown, ex-primeiro-ministro britânico e enviado especial da ONU para a educação, elogiou Malala como "a garota mais corajosa do mundo" ao apresentá-la à Assembleia de Jovens da ONU.
Usando um véu rosa, Malala disse aos cerca de 1.000 estudantes do mundo inteiro que participavam da Assembleia em Nova York que a educação é a única forma de melhorar condições de vida. "Vamos pegar nossos livros e canetas, eles são as nossas armas mais poderosas. Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo. Educação é a única solução", disse a jovem.
Ataque - A jovem defensora da educação para meninas foi atingida na cabeça por um tiro de talibãs enquanto seguia para a escola, em um ônibus, perto de sua casa no Vale do Swat no dia 12 de outubro de 2012. Ela recebeu tratamento médico na Grã-Bretanha, onde mora atualmente. O ataque chamou a atenção do mundo para a campanha de Malala a favor de mais oportunidades de estudo para as mulheres.
Malala apresentou ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, uma petição assinada por quatro milhões de pessoas. O documento, em apoio a 57 milhões de crianças sem condições de ir à escola, pede a líderes globais para angariar fundos para novos professores, escolas e livros e o fim do trabalho e tráfico infantil.
(Com agências France-Presse e Reuters)

TOQUINHO - AQUARELA ( legendado ).



Jovem Malala vence prêmio europeu de Direitos Humanos

Direitos Humanos

Aos 16, ela é favorita ao Nobel da Paz, cujo vencedor será anunciado na sexta

Malala Yousafzai, paquistanesa que foi baleada na cabeça pelo Talibã por defender a educação das meninas, fala na abertura da Biblioteca de Birmingham, no centro de Inglaterra
Malala Yousafzai, paquistanesa que foi baleada na cabeça pelo Talibã por defender a educação das meninas, fala na abertura da Biblioteca de Birmingham, no centro de Inglaterra (Christopher Furlong/Getty Images)
A jovem Malala Yousafzai, de 16 anos, baleada na cabeça pelo Talibã em 2012 por defender o direito à educação para meninas no Paquistão, venceu nesta quinta-feira o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, concedido pelo Parlamento Europeu. A premiação é considerada o principal troféu europeu de direitos humanos. Malala é a grande favorita para ser laureada, nesta sexta-feira, com o Nobel da Paz.
O prêmio europeu, atribuído anualmente em memória do físico e dissidente soviético Andrei Sakharov, concede ao vencedor uma premiação no valor de 50.000 euros (cerca de 150.000 reais). Os líderes dos grupos políticos da paralemento votaram unanimamente em Malala. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, disse que estava satisfeito e que a vencedora é uma "menina que demonstrou ter mais coragem do que muitos adultos". "Malala tem coragem de levantar a voz pelos direitos das meninas e, além disso, encoraja as pessoas a seguirem seu exemplo, apesar de viver em mundo dominado pelos homens", acrescentou. A paquistanesa tornou-se a mais jovem vencedora da tradicional premiação. O prêmio Sakharov 2013 será entregue em novembro, em Estrasburgo, na França, em uma sessão do Parlamento Europeu. 
Malala foi alvo de reconhecimento internacional e de ameaças de morte quando passou a denunciar atrocidades do Talibã há quatro anos em um blog na rede britânica BBC. Hoje ela vive na Grã-Bretanha. Em entrevista concedida nesta semana à BBC, afirmou que deseja entrar para a política para mudar seu país - e expressou seu apoio ao diálogo com os talibãs, embora tenha declarado que isso era um tema do governo. Ela vivia numa região do Paquistão, perto da fronteira com o Afeganistão, onde militantes islâmicos costumam incendeiar escolas femininas e aterrorizar a população. Os pais de Malala seguem valores conservadores, comuns na região, mas repudiam a “talibanização” e encorajaram a filha a estudar (o pai era diretor da escola em que ela estudava).
Apesar das ameaças, Malala reiterou seu desejo de voltar ao Paquistão. Ela foi levada para a Grã-Bretanha após o atentado e lá frequenta a escola. "O mal de nossa sociedade e de nosso país", declarou, em referência ao Paquistão, "é que sempre esperam que venha outra pessoa para consertar as coisas". Malala admitiu que a Grã-Bretanha causou em sua família uma grande impressão, "especialmente em minha mãe, porque nunca havíamos visto mulheres tão livres: vão a qualquer mercado, sozinhas, sem homens, sem os irmãos ou os pais".


(Com agência EFE)

‘A educação é o caminho para acabar com o terrorismo’, diz Malala

Entrevista

veja.com

Tatiana Gianini
Paquistanesa Malala Yousafzai fala durante uma conferência, no Dia Internacional da Menina promovido pela Onu, em Washington nos Estados Unidos
Paquistanesa Malala Yousafzai fala durante uma conferência, no Dia Internacional da Menina promovido pela Onu, em Washington nos Estados Unidos (Gary Cameron/Reuters)
Aos 16 anos, a paquistanesa Malala Yousafzai tornou-se a maior voz mundial em defesa da educação feminina. Nos meses em que o Talibã dominou a região em que vivia no Paquistão, entre 2007 e 2009, as escolas para meninas receberam ordem de fechar as portas. As que não obedeceram foram dinamitadas. Por contar das suas privações em um blog e falar contra a opressão sofrida pelas mulheres em seu país, ela se tornou alvo do grupo extremista. Em outubro do ano passado, um membro do Talibã disparou contra Malala no ônibus em que a menina voltava da escola. Ela foi submetida a uma cirurgia na cabeça e agora vive em Birmingham, na Inglaterra, com a família.

Leia trecho do livro 'Eu Sou Malala'


Símbolo da resistência contra o radicalismo ignorante, Malala acaba de lançar um livro em que conta a sua história, Eu Sou Malala, a ser publicado no Brasil neste mês pela Companhia das Letras. Dos Estados Unidos, onde se reuniu com o presidente Barack Obama na Casa Branca, nesta sexta-feira, Malala falou a VEJA por telefone. Na conversa, dá aula ao Talibã, que, segundo ela, teme o poder que teriam as mulheres se estudassem e se desenvolvessem. “O Talibã criou um sistema próprio de leis, que não tem nada a ver com o Islã. O Islã nos diz que a educação e o conhecimento são direitos de todas as pessoas. Então, eu acho que o Talibã não leu o Corão da forma apropriada. Eles precisam sentar e ler o texto novamente, com calma.”

Confira abaixo a entrevista de Malala Yousafzai:

Por que o Talibã tem medo de você? O Talibã tem medo porque sabe que, se as mulheres tiverem acesso à educação, serão capazes de exercer um papel ainda maior do que o que elas já têm na sociedade. Em geral, são as mulheres que cuidam das famílias. São elas que administram a casa, cuidam dos filhos. Com a educação apropriada, elas poderão ter ainda mais oportunidades. Isso assusta o Talibã. É uma visão muito ruim, porque o mundo precisa de igualdade. Se as mulheres, que são metade da população mundial, não tiverem acesso à educação, o mundo não se desenvolverá. O Talibã também desenvolveu um sistema próprio de leis, que não tem nada a ver com o Islã. O Islã nos diz que a educação e o conhecimento são direitos de todas as pessoas. Então, eu acho que o Talibã não leu o Corão da forma apropriada. Eles precisam sentar e ler o texto novamente, com calma. O profeta Maomé nos ensina sobre igualdade, sofre fraternidade, sobre o amor ao próximo. O Talibã se esquece de tudo isso e só se lembra da jihad (guerra santa). Nós, meninas, temos nossa própria jihad pela qual lutar. Temos que lutar pelos nossos direitos e pela educação.

Já se passou mais de um ano desde o ataque que você sofreu. Você tem pesadelos com o Talibã? Não, eu me sinto muito bem. Também não me vejo como a menina que foi atacada pelo Talibã. Eu me sinto normal. Acho que é da natureza humana. Deus é muito bondoso conosco quando se trata de esquecer as coisas ruins. Devemos agradecer a Deus por isso todos os dias.

Você foi recebida pelo presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca. Como foi o encontro? Eu gostei bastante. O presidente Obama me recebeu com sua mulher, Michelle Obama, e sua filha mais velha, Malia. Nós conversamos sobre a situação da educação no Paquistão e também sobre a importância de motivar as crianças nos Estados Unidos a frequentar a escola. Nossa conversa se estendeu e eu pude falar de assuntos que hoje estão em discussão em meu país, como os drones. Eu disse a ele que sei que é verdade que, nos ataques com drones, os responsáveis pelo terrorismo são os alvos, como é o caso dos líderes do Talibã, mas que pessoas inocentes também são mortas nessas ações. É verdade que os drones estão matando o terrorismo, mas também estão contribuindo para aumentar o ódio em países como Paquistão e Afeganistão, o que acaba criando mais e mais militantes do Talibã. Obama me ouviu. Eu também disse a ele para investir parte do dinheiro que o país gasta em países como Afeganistão e Paquistão em educação e paz, e não só em armas e exército. Isso resultaria em um desenvolvimento muito maior para esses países.

Você disse que quer ser Primeira Ministra do Paquistão. O que você faria nesse cargo? Decidi que quero ser política porque a verdadeira política pode salvar todo um país. Na maior parte das vezes, os políticos são desonestos e não fazem nada bom. Em vez de ficar sentada criticando o trabalho deles, quero seguir esse caminho para fazer diferente. Quero guiar o meu país pelo caminho certo. Vou transformar a educação na maior prioridade do Paquistão. Há muito para fazer nessa área. Quero transformar o Paquistão em um país desenvolvido. Mostrarei às pessoas um Paquistão de paisagens maravilhosas, de pessoas incríveis, de recursos fantásticos.

No Paquistão, muitas meninas da sua idade já estão casadas e com filhos. Você aceitaria um casamento arranjado? De forma alguma. Sou totalmente contra casamentos forçados porque eles destroem o futuro das meninas. Na minha escola no Paquistão, havia uma menina que abandonou os estudos muito cedo, acho que ela tinha 11 anos na época. Dois ou três anos depois, ela me ligou. Ela me disse que já estava casada e tinha dois filhos. Imagine só, ela tem a mesma idade que eu e já tem dois filhos! Não quero que as pessoas sejam forçadas a se casar tão jovens.

Hoje você vive na Inglaterra. É melhor ser menina na Inglaterra ou no Paquistão? Na Inglaterra, as mulheres têm a oportunidade de descobrir quais são seus talentos. Toda mulher pode decidir o que quer fazer da vida e pode efetivamente realizar seus sonhos. No Paquistão, somos limitadas. Não temos a chance de identificar nossos talentos nem descobrir nossas habilidades. Só podemos ter filhos e cuidar de nossa família. É cozinhar o dia todo, limpar banheiros. Esse é nosso trabalho a vida inteira. A mulher não tem a chance de se conhecer. No meu país, quando eu saía da escola, eu não podia nem conversar com meus amigos na saída. O difícil é que isso envolve também regras culturais, que são difíceis de mudar de uma hora para outra, mas não impossíveis. Foram os homens que criaram as culturas e as tradições, então podemos fazer algo a respeito.

Você não tem medo de voltar ao Paquistão e ser assassinada pelo Talibã? O Talibã tentou me matar e fracassou. Agora estou certa de que as pessoas não querem me matar. Eles entenderam que minha causa é a educação. Mesmo se eu for baleada, a minha causa não deve mudar com a minha morte. Essa causa nunca vai morrer. Além disso, as pessoas não precisam temer a morte. Eu vi a morte na minha frente e agora já não tenho mais medo dela.

O Talibã diz que está disposto a iniciar diálogos de paz com o resto do mundo. As potências ocidentais devem se sentar para negociar com o grupo? Penso que o dinheiro que todos esses países gastam com armas e exército deveria ser gasto em educação. Para mim, a educação é o caminho para acabar com o terrorismo e com outros males do mundo, como a pobreza.

O que você acha dos madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão? Nas escolas tradicionais, aprendemos sobre ciência, matemática, inglês, literatura, poesia e urdu (idioma local). Também aprendemos sobre religião, mas nos madraçais você aprende só sobre o Islã. Se você estuda a sua vida inteira em um madraçal, a única coisa que você sabe é dar sermões. Você não pode passar a vida inteira lendo o Corão, você precisa cuidar de sua família, trabalhar. Enfim, ter uma vida normal. É bom aprender lendo o Corão. Todos temos uma religião, mas a vida não se resume a isso.

Além de estudar, as mulheres no Paquistão não deveriam ser livres para andar na rua sozinhas sem precisar da companhia de um homem? Sempre me pergunto: se um homem pode andar sozinho na rua, por que uma mulher não pode fazer o mesmo? Eu quero que as mulheres tenham as mesmas oportunidades. Na Inglaterra, eu posso ir à rua sem ter um homem comigo, até a minha mãe pode ir sozinha. No Paquistão, as pessoas dizem coisas ruins para mulheres que andam sozinhas. Precisamos de uma transformação. Nossa batalha está só começando.

Sua luta teria sido possível sem o apoio incondicional de seu pai (o pai de Malala fundou a escola em que a filha estudava no Paquistão, a Khushal School and College)?Aprendi muito com o meu pai. Acho que eu poderia defender essa causa mesmo sem ele, mas não tão jovem. Talvez com 20, 30 anos. Mas o meu pai foi um exemplo para mim e eu fui educada. Eu aprendi pouco, mas pelo menos aprendi. Sou muito grata a ele por isso.

Você tem apenas 16 anos. As garotas da sua idade têm outras preocupações, como garotos. Você já se apaixonou? Não, eu nunca tive tempo para pensar nisso. Tenho uma agenda tão agitada que acho que nunca tive a chance de pensar em garotos (risos).

Leandro Karnal - O mal primordial: o orgulho nosso de cada dia - cpfl cu...



Origem da vida na Terra pode estar no espaço

Espaço

Estudo mostra que moléculas essenciais para o surgimento da vida podem ter se formado na superfície de cometas e chegado à Terra por meio deles

Juliana Santos
Cometa
Cometas e meteoritos podem ter 'adubado' o planeta para o surgimento da vida (Thinkstock)
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e da Universidade do Havaí em Manoa sugere que moléculas complexas, que deram origem à vida, podem ter chegado à Terra através de cometas ou meteoritos. Os resultados serão publicados no periódico The Astrophysical Journal no dia 10 de março.

Conheça a pesquisa

ONDE FOI DIVULGADA: periódico The Astrophysical Journal 
QUEM FEZ: R. I. Kaiser, A. M. Stockton, Y. S. Kim, E. C. Jensen e R. A. Mathies
INSTITUIÇÃO: Universidade da Califórnia em Berkeley e Universidade do Havaí em Manoa
RESULTADO: Moléculas orgânicas complexas, como dipeptídeos, que são essenciais para o surgimento da vida, podem ter ser originado na superfície de cometas e meteoritos e ter sido trazidos para a Terra por eles.
O experimento mostrou que as condições do espaço eram capazes de criar dipeptídeos (par de aminoácidos interligados), essenciais para a formação de proteínas, enzimas e moléculas mais complexas, que são necessárias à vida.
Apesar de os cientistas já terem descoberto moléculas orgânicas mais simples, como aminoácidos, em meteoritos que caíram na Terra, até hoje não foram encontradas estruturas mais complexas. Por essa razão, a teoria mais aceita é a de que a "química da vida" teria se originado nos oceanos primitivos do planeta.
Experimento – Em uma câmara de vácuo, com temperatura de dez graus kelvin (-263ºC) acima do zero absoluto (menor temperatura possível, equivalente a -273,15 ° Celsius), os pesquisadores reproduziram a camada de gelo que recobre a superfície dos cometas, incluindo dióxido de carbono, amônia e hidrocarbonetos como metano, etano e propano (compostos de carbono e hidrogênio). Quanto atingidos por elétrons de alta carga energética, para simular os raios cósmicos no espaço, os compostos químicos reagiram e formaram compostos orgânicos complexos.
Os resíduos formados foram analisados em laboratório por um instrumento ultrassensível de detecção de moléculas orgânicas no sistema solar, que encontrou nove aminoácidos diferentes e dois dipeptídeos. Para os autores, essas moléculas poderiam ter chegado à Terra por meteoritos e cometas, originando a vida como conhecemos hoje.

Opinião do especialista

Douglas Galante
Pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia da Universidade de São Paulo

"Esse trabalho é de uma área conhecida como Astroquímica, que estuda a formação de moléculas no meio espacial, seja em nuvens de gás, seja em fase sólida, como o gelo de cometas ou na superfície de grãos de poeira, abundantes no meio interestelar. É um estudo interessante e muito cuidadoso, porém, como tudo em ciência, é baseado em outros trabalhos anteriores.
"De fato, nós sabemos que por ano caem na Terra toneladas de material (pequenos meteoros, cometas, poeira) vindo do espaço. A água de nosso planeta, em grande parte, foi trazida para cá assim. Na formação do planeta, bilhões de anos atrás, talvez esse processo tenha sido o responsável por trazer, além da água, o material orgânico necessário para que a vida surgisse. Por isso, é importante que saibamos quais as reações e quais moléculas podem acontecer nos cometas, pois isso servirá de base para dizermos se esse processo seria capaz de 'adubar' nosso planeta para que a vida tenha surgido.
"Os peptídeos em geral, incluindo os dipeptídeos, são necessários para a formação de moléculas com função biológica, como as enzimas e proteínas. Em alguns casos, já foi mostrado que dipeptídeos podem servir de base para formar açúcares e também para o DNA. Por si só eles não são capazes de gerar uma célula, mas certamente são essenciais para formar algo parecido com a vida como conhecemos. É mais uma parte de um grande quebra-cabeça que ainda estamos montando".

Pesquisadores encontram fragmento de cometa que atingiu a Terra há 28 milhões de anos

Astronomia

Queda do cometa no sudoeste do Egito devastou a região e transformou o solo do deserto em vidro

cometa
A onda de fogo causada pelo impacto do cometa atingiu em cheio o deserto egípcio. O calor foi tanto que a areia virou vidro (Terry Bakker)
Há 28 milhões de anos, um cometa adentrou a atmosfera terrestre, acima da região que viria a ser conhecida como Egito. Ao entrar em contato com o ar, o cometa explodiu, espalhando uma enorme onda de fogo que destruiu todas as formas de vida em seu caminho. O calor produzido foi tão alto que transformou o solo do deserto em vidro. Nesta quinta-feira, pesquisadores da Universidade de Witts, na África do Sul, anunciaram em uma palestra que identificaram um pedaço do cometa responsável por toda essa destruição.
CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Unique chemistry of a diamond-bearing pebble from the Libyan Desert Glass strewnfield, SW Egypt: Evidence for a shocked comet fragment

Onde foi divulgada: periódico Earth and Planetary Science Letters

Quem fez: David Block, entre outros pesquisadores

Instituição: Universidade de Wits, na África do Sul; entre outras

Dados de amostragem: Um pedaço de rocha negra, encontrado no deserto egípcio

Resultado: Análises dos isótopos de carbono encontrados no fragmento reveleram que ele tinha origem extraterrestre. Segundo os cientistas, a rocha faria parte de um cometa que atingiu a Terra há 28 milhões de anos
O pequeno pedaço de rocha preta é a primeira prova material encontrada por cientistas de um cometa que atingiu a Terra. Formados em regiões distantes do Sistema Solar, a partir de gelo e poeira, eles normalmente se desintegram quando entram em contato com a atmosfera. “Os cometas são bolas de neve sujas de poeira que sempre passam pelos nossos céus, mas nunca havíamos encontrado o material de que eles são feitos na superfície terrestre", afirma David Block, pesquisador da Universidade de Wits e um dos responsáveis pela descoberta.
Em seu estudo, os pesquisadores realizaram uma análise das propriedades químicas e físicas de uma pequena e brilhante rocha negra que havia sido encontrada por geólogos no sudoeste do Egito. Dura e angular, a pedra foi nomeada pelos cientistas de Hipátia, em homenagem à mais antiga filósofa, astrônoma e matemática de que se tem notícia: Hipátia de Alexandria.
A análise dos pesquisadores mostrou que ela era composta principalmente por carbono, com diamantes microscópicos espalhados ao longo de sua massa. "Os diamantes são produzidos a partir do carbono. Normalmente eles se formam no fundo da terra, onde a pressão é muito alta, mas também podem ser gerados a partir de um impacto muito forte", afirma Jan Kramers, pesquisador da Universidade de Joanesburgo.
As análises dos isótopos encontrados na rocha mostraram que o material deveria ter origem extraterrestre, possivelmente fazendo parte do núcleo de um cometa. A pesquisa descrevendo a análise será publicada em novembro na revista Earth and Planetary Science Letters.
Um dos fragmentos de vidro produzidos pelo impacto do cometa foi parar em um broche utilizado pelo faraó Tutancamon
Joias e segredos — Um dos fatores que levou os cientistas a relacionar o pedaço de rocha extraterrestre com o cometa que atingiu o Egito há 28 milhões de anos foi o local onde a pedra estava, no meio de uma área de 6.000 quilômetros quadrados no deserto do Saara. Nesse lugar são encontrados, desde os tempos antigos,  pequenos fragmentos de vidro amarelado.
Segundo os pesquisadores, esses fragmentos foram produzidos justamente pelo impacto do cometa, quando o calor de até 2.000 graus Célsius transformou a areia que cobria o solo em vidro. Um desses pedaços — polido — foi parar em um pingente utilizado por Tutankhamon há mais de 3.000 anos.
Os cientistas afirmam que é extremamente raro encontrar material de cometas na superfície da Terra. Os únicos fragmentos descobertos até agora eram microscópicos, achados em meio à poeira flutuando na alta atmosfera ou no gelo antártico. A Hipátia só não teve o mesmo destino porque seu impacto com a Terra teria resultado na formação de um material mais resistente às intempéries.
A descoberta de material presente em cometas é de alto interesse científico, pois esses astros foram formados em regiões distantes, no início do Sistema Solar. “Os cometas contêm os segredos para desvendarmos a própria formação do Sistema Solar e esta descoberta fornece uma oportunidade sem precedentes de estudos", disse Block. “A NASA e a Agência Espacial Europeia gastam bilhões de dólares coletando algumas microgramas de material de cometa no espaço e trazendo-o de volta à Terra. Agora, nós temos uma possibilidade nova de estudar esse material, sem gastar tanto dinheiro para coletá-lo", diz Kramers.

A ciência do beijo

Entrevista

Em seu novo livro, 'The Science of Kissing', a cientista e jornalista Sheril Kirshenbaum explica por que o beijo faz todo sentido do ponto de vista biológico e por que os seres humanos gostam tanto de beijar

Aretha Yarak
Burt Lancaster e Deborah Kerr em A Um Passo da Eternidade
Burt Lancaster e Deborah Kerr em 'A Um Passo da Eternidade': sentidos aguçados (Reprodução)
"O beijo ativa todos os nossos sentidos - como o olfato, o paladar e o tato - para que forneçam pistas sobre a compatibilidade e o potencial a longo prazo do parceiro"
"Embora o beijo possa transmitir bactérias e vírus, é algo relativamente seguro. Existe um número muito maior de germes que podem ser transmitidos por um aperto de mão"
"Ninguém nunca me beijou como você", diz a esposa infeliz vivida por Deborah Kerr ao amante interpretado por Burt Lancaster, na célebre cena de A Um Passo da Eternidade. O arrebatamento ganha contornos dramáticos no filme de Fred Zinnemann. Já na vida real, é o resultado genuíno de uma complexa cadeia de reações biológicas cujo propósito, justamente, é nortear a decisão de investir ou não num relacionamento. "O beijo ativa todos os nossos sentidos para que forneçam pistas sobre a compatibilidade e o potencial a longo prazo do parceiro", diz ao site de VEJA a pesquisadora Sheril Kirshenbaum. Em seu novo livro, The Science of Kissing("A Ciência do Beijo", sem previsão de lançamento no Brasil), Sheril explica a origem e a evolução do beijo, por que faz bem à saúde e como pode decidir com quem vamos passar o resto da vida. Leia trechos da entrevista.
Divulgação
A capa do livro 'The Science of Kiss', de Sheril Kirshenbaum
A capa do livro 'The Science of Kiss', de Sheril Kirshenbaum
Qual a origem do beijo? O registro mais antigo do beijo vem da Índia. São textos em sânscrito de 3.500 atrás. No entanto, considerando tantos comportamentos similares no reino animal, especialmente entre primatas, pode-se supor que os humanos, de alguma maneira, sempre se beijaram.
Por que beijamos? O beijo ativa todos os nossos sentidos - como o olfato, o paladar e o tato - para que forneçam pistas sobre a compatibilidade e o potencial a longo prazo do parceiro. Nosso corpo e cérebro nos ajudam a decidir se devemos investir no relacionamento. Ao mesmo tempo, as terminações nervosas existentes nos lábios fazem da experiência algo extremamente agradável. E é função dos hormônios e dos neurotransmissores promoverem o vínculo e a proximidade entre as duas pessoas.

O beijo é uma evolução biológica? Como fica a influência cultural? O ato de beijar é um exemplo maravilhoso de comportamento que combina inclinações naturais e aprendizado. Nós temos um instinto biológico muito forte que nos impulsiona a beijar outra pessoa, mas isso é também um comportamento aprendido e moldado pela cultura e pela própria experiência pessoal. Em regiões onde não existe a tradição de beijar, da maneira como a entendemos hoje, há comportamentos que podem ser considerados similares, tais como lamber, esfregar e até mesmo assoprar, sempre com o mesmo propósito.

Quais são os mecanismos químicos e biológicos envolvidos no ato de beijar? Quando o beijo “combina”, nossas bochechas ficam avermelhadas, nossa pulsação acelera, a respiração fica irregular e as pupilas dilatam  - o que pode explicar por que fechamos os olhos. Beijar libera ainda o “hormônio do amor”, a ocitocina, que trabalha para manter a conexão entre duas pessoas. Portanto, beijar pode ajudar a manter o amor em relacionamentos longos. Também é associado ao beijo o aumento de dopamina, neurotransmissor responsável pelo desejo. Enquanto isso, a serotonina causa pensamentos obsessivos sobre o parceiro. Esse é o mesmo neurotransmissor envolvido em pessoas com TOC. Isso é apenas o começo. É interessante observar como esses hormônios e neurotransmissores são responsáveis por vários dos sintomas que nós associamos à paixão.
Como o cérebro reage ao beijo? Um beijo bom envia uma cascata de sinais para o cérebro, que nos fazem sentir bem, reforçando o comportamento, o que nos faz ter vontade de continuar o que estamos fazendo.

Beijar vicia? A dopamina é um neurotransmissor que atinge seu pico durante o beijo. É um tipo de droga natural, associada à recompensa, que nos faz sentir uma onda de euforia e desejo. Ela estimula os mesmo centros de prazer no cérebro que as drogas, nos fazendo querer mais e mais, como um vício.

Beijar é perigoso? Embora o beijo possa transmitir bactérias e vírus, é algo relativamente seguro. Existe um número muito maior de germes que podem ser transmitidos por um aperto de mão.

Qual o maior engano sobre o beijo? Provavelmente o ditado que diz que "um beijo é apenas um beijo". Na verdade, há muito mais coisas envolvidas.

O que faz um beijo ser memorável? De acordo com John Bohannon, psicólogo da Universidade de Butler, o primeiro beijo pode deixar uma memória muito viva. Ele descobriu que a maioria das pessoas consegue se lembrar detalhadamente da experiência. Isso pode ter alguma relação com os altos níveis de excitação dos nossos sentidos para reunir informações importantes sobre a atividade e a outra pessoa. É um momento muito poderoso e nos ajuda a decidir o que fazer em seguida.

Quais as diferenças biológicas de um beijo romântico e de um social? Os dois tipos de beijo transmitem uma sensação de confiança. Estamos deixando outra pessoa invadir nosso “espaço pessoal”. Entretanto, um beijo social evoluiu historicamente como um tipo de saudação, provavelmente por causa do jeito como nossos ancestrais usavam o nariz para agradecer ou demonstrar reconhecimento. Isso, em certo ponto, provavelmente passou a ser acompanhado de um selinho.
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A pesquisadora Sheril Kirshenbaum
Qual a diferença na maneira que homens e mulheres encaram o beijo? Existe uma grande diferença entre os gêneros em relação à atitude e às preferências do beijo. Mulheres tendem a descrever o beijo como uma maneira de medir o relacionamento e de descobrir os sinais que o beijo pode dar sobre o futuro. Homens com frequencia descrevem o beijo como um meio de alcançar um determinado fim, esperando por mais contato físico. Felizmente, beijar é prazeroso para ambos os sexos.

Quais os benefícios do beijo para a saúde? Uma vez que o beijo é um meio tão significativo para criar vínculos entre as pessoas, ele é benéfico para a mente e também para o corpo. Vínculos fortes estão ligados a melhores relacionamentos, uma melhor sensação de bem estar, atitudes mais otimistas, baixa pressão sanguínea e menos estresse.
Por que algumas culturas não adotaram o beijo na boca? Enquanto eu produzia meu livro, li alguns relatos de viajantes do século XIX sobre culturas que tradicionalmente não beijavam do como fazemos. Um beijo na boca deve ter parecido bem estranho a estas populações. Entretanto, se ampliarmos a definição de beijo, como Charles Darwin fez, incluindo gestos como assopros no rosto e lambidas, reparamos que há uma similaridade de comportamentos e uma biologia envolvida aparentemente universal.

O que é o amor?


Esqueça todo o romantismo, Shakespeare e Vinícius de Moraes. O amor pode até bater lá pelas bandas do coração, mas ele é resultado de complexas reações químicas que acontecem no cérebro — e nada mais são do que resultado do processo evolutivo humano. Para economizar a gastança de energia e tempo usados no processo da corte, fomos selecionados para concentrar nossa atenção em uma só pessoa — e, assim, criar com sucesso nossos descendentes. Nesse processo estão envolvidos, basicamente, três neurotransmissores: a dopamina, a norepinefrina e a serotonina, todos produzidos por áreas ligadas ao sistema de recompensa e prazer do cérebro. As mãos tremem e o coração e a respiração aceleram quando o ser amado está por perto? Não acuse o cupido. Estão em ação a dopamina e a norepinefrina, substânctias que levam à alegria excessiva, à falta de sono e o sentimento de que o amado é único, e de que é quase impossível compará-lo com alguém. Já aquela compulsão e obsessão pelo parceiro são causadas por baixos níveis de serotonina.

O que as mulheres procuram?

Inanna, rainha da antiga Suméria (antiga civilização, existiu entre 5.300 e 2.300 anos atrás), afirmava que seu parceiro era um homem destemido e notável. O objeto de amor de Inanna pode ser considerado o resumo do que as mulheres procuram: a capacidade do sucesso. Em outras palavras, não é que uma mulher esteja literalmente atrás do dinheiro, do saldo gordo em conta bancária. O que ela quer, na verdade, é encontrar um parceiro que seja capaz de obter sucesso. Quando se depara com esse homem, o que os genes femininos leem é: esse homem consegue prover pela família, ele tem sucesso nas empreitadas e, assim, eu e minha prole ficaremos seguros.

Por que elas gostam mais dos 'bad boys'?

Porque eles detêm a melhor carga genética. Explicação evolutiva: lá nos séculos passados, quando para comer era preciso caçar, os homens mais fortes, que transpiravam agressividade e segurança eram também aqueles que conseguiam mais comida. Eram eles ainda que tinham mais sucesso ao proteger a família de possíveis inimigos — todo bad boy gosta de uma briga. Mas isso não quer dizer que elas queiram construir, de fato, um "felizes para sempre" com eles. Pesquisas vêm demonstrando que a atração pelos caras maus é mais forte no período fértil da mulher. Em outras palavras, elas tendem a procurar os machões com o único intuito de usar o que eles têm de melhor: o espermatozoide. No resto do período, aquele cara que parece ser um bom marido e um bom pai tem mais chances.

Mulheres entram no cio?

Os cientistas concordam em uma coisa: existe um período do mês em que, em tese, a mulher está mais propensa a ser seduzida. Todo o resto ainda é motivo de controvérsia. No livro A Química entre Nós (Ed. BestSeller, 348 págs.), o psiquiatra Larry Young defende que no período fértil a mulher se comporta diferente e, acredite, os homens conseguem perceber. "Provavelmente, elas agem de um jeito mais sexy", diz. Nesse período, elas ficariam mais sedutoras e atraídas pelos machões. Segundo o pesquisador, perto da ovulação as mulheres têm uma redução nas sensações de ansiedade e risco. Assim, ficam mais dispostas a uma aproximação e sentem mais confiança em sua atração sexual. Alguns pesquisadores, no entanto, ainda são reticentes sobre o assunto. Em linhas gerais, eles argumentam que a mulher, diferentemente dos animais, ainda é muito mais "regulada" pela vida social e cultural.

Por que os homens são 'galinhas'?

Não é nada pessoal. Eles são assim simplesmente porque são uma fábrica de espermatozoide em constante funcionamento. Não há limites. Os homens evoluíram para estarem sempre prontos para fecundar a fêmea disponível que aparecer na frente — por que, né, vai saber quando outra tão desejosa vai estar por perto? A mulher, por outro lado, nasce mais restrita: ela tem um número fixo de óvulos, que estarão disponíveis apenas por um tempo determinado da vida dela. Por isso, precisam escolher melhor a quem vão entregar esse óvulo. 

Por que alguns homens não foram feitos para o casamento?

É claro que a maneira como os homens são educados e passam a entender o mundo conta, e muito. Mas há ainda um detalhe a mais — e que foge, podemos dizer assim, do controle deles. É que, de acordo com o psiquiatra Larry Young, uma variação genética pode influenciar na vontade do homem em ter um relacionamento sério. Em um estudo conduzido pelo especialista, homens que não tinham uma variação no gene AVPR1A eram mais propensos ao casamento. Já aqueles que tinham essa variação apresentavam as maiores taxas de problemas conjugais: 34% dos homens que tinham duas cópias dessa variação (uma vinda do pai, outra da mãe) contaram ter uma crise no casamento e/ou ameaças de divórcio no ano anterior.

Por que o bom e velho xaveco é tão importante?

"Com uma boa conversa, o homem encanta a mulher pelo o que ela ouve, não pela aparência física dele", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Prosex - Projeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Quando acerta no papo, o homem consegue fazer com que seja liberada uma descarga de oxitocina na mulher. Esse hormônio está diretamente relacionado à criação do vínculo entre as pessoas, na sequência, também ao amor. Mas não adianta sair balbuciando qualquer besteira. A antropóloga americana Helen Fisher, autora do livroPor Que Amamos (Ed. Record, 366 págs.) escreve: "As mulheres são mais atraídas a uma conversa carregada de emoções e autorreveladora, sobre questões pessoas e sobre os outros."

O amor vicia?

Não, mas ele ativa as mesmas regiões cerebrais que as drogas. Isso quer dizer que, apesar de não viciar, estar apaixonado é algo parecido com estar drogado. Tanto a paixão como as drogas afetam o sistema de recompensa mesolímbico do cérebro, que é ativado pela dopamina. Além dessa semelhança cerebral, o apaixonado apresenta ainda três sintomas clássicos do vício: tolerância, abstinência e recaída. Já tentava explicar Camões, no século XVI: "É nunca contentar-se de contente". Assim como com as drogas, o apaixonado quer sempre e cada vez mais seu amado. Quando não consegue o contato por algum motivo, ele anseia — por vezes loucamente — entrar em contato. Há quem vá a extremos humilhantes e até fisicamente perigosos para procurar seu narcótico/amado. Há ainda quem garanta que o orgasmo é a melhor maneira lícita de "ficar loucão".
Não ficou convencido? De acordo com o pesquisador Jim Pfaus, o que parece ser um vício em sexo nada mais é do que uma versão do transtorno obsessivo-compulsivo. "Um homem que se masturba cinco vezes por dia não é viciado nisso; ele se torna obcecado em atingir cinco orgasmos por dia", afirmou Larry Young sobre a tese de Pfaus.

Por que as preliminares são importantes?

Porque depois de sermos expostos a um estímulo aprendemos a associá-lo a uma sensação boa. Durante as preliminares liberamos uma descarga de dopamina antes mesmo que o ato sexual, em si, aconteça. A provocação e a demora sensibilizam o sistema de recompensa, e acabam por intensificar o prazer erótico.

Por que ligamos para o ex às três da manhã?

Porque em situações de stress somos capazes de fazer coisas que seriam inimagináveis. E o fim de um relacionamento é uma ótima fonte de stress: o imediato, do rompimento em si, e o posterior. Nessa fase, é comum buscar qualquer sensação relacionada ao ser amado: fotos, presentes, cheiros e comidas favoritas. Essa situação de stress é a mesma que um viciado enfrenta quando está sem a sua droga. "Isso se torna muito aversivo e entristecedor", diz Larry Young. O único jeito encontrado de contornar a situação é... procurar o parceiro. "Por isso, às vezes procuramos esse contato, mesmo que o relacionamento não possa ser curado ou retomado."

Por que eles gostam das mulheres-melancia?

Traseiros avantajados são um sinal universal de fertilidade. Mulheres com bumbuns grandes sinalizam que são boas produtoras de progesterona, hormônio relacionado à fertilidade feminina. A mulher com um copor no formato de um violão tem o quadril em média 30% maior do que a cintura — quanto mais largo for o seu quadril, maior tende a ser o canal do parto, o que facilita na hora de ter um filho. Parece bobagem, mas não é. Antes de inventarem a cesariana, os índices de bebês que morriam por não conseguirem passar por esse canal eram muito altos.

As mulheres amam mais do que os homens?

O mais correto é dizer que elas amam de um jeito diferente dos homens. De acordo com Larry Young, o amor feminino tem uma relação mais direta com a oxitocina — a molécula do vínculo maternal. "Quando ela se apaixona, há um tipo de conexão que a faz cuidar daquele parceiro. É como se ele fosse o bebê dela." Esse instinto é ainda uma forma de garantir que ela encontre um relacionamento mais estável e duradouro, no qual possa gerar e criar seus descendentes. "Nada é tão ao acaso, nem apenas romântico", diz Carmita Abdo. Já o amor nos homens tende mais à proteção do relacionamento. É que o hormônio vasopressina os leva a um comportamento mais territorialista e protetor. "Vigilante, ele vai tentar garantir a fidelidade da parceira e a distância de rivais", diz Young.

A paixão acaba?

De acordo com os psicólogos John Money e Dorothy Tennov, o estado mental alterado típico da paixão dura entre 18 meses e 3 anos. Esse limite tem explicação biológica: nosso organismo não aguentaria por muito tempo as demandas da paixão. Se ficássemos apaixonados para sempre, provavelmente nosso corpo ficaria se definhando até não aguentar mais. "O apaixonado, no auge da paixão, não dorme direito, não come direito, não consegue focar muito bem a sua vida. Nosso corpo não aguentaria viver assim para sempre", diz Carmita Abdo. É durante esse intenso período de aproximação que o casal de apaixonados cria as conexões neurais que podem caminhar — ou não — para uma forte ligação emocional. Isso significa que a paixão é apenas uma das fases do amor, e não sua definição completa. No livro A Natureza do Amor, a psiquiatra italiana Donatella Marazziti escreve: "A primeira fase que assinala o nascimento de uma relação amorosa é a da atração. Essa é a experiência mais imprevisível, mais ilógica, mais caótica e menos sujeita a regras que a natureza já preparou para a formação do casal."

Os homens preferem as loiras?

É polêmico. Enquanto algumas pesquisas demonstram que os homens preferem, sim, as platinadas, outras defendem que eles preferem é se casar com as morenas. A verdade é que nenhum dos indícios levantados até hoje — tanto pelo time das morenas quanto pelo das loiras — é conclusiva o suficiente para cravar a preferência. Empate técnico.

Os opostos se atraem?

Em termos. Levando em conta o sistema imunológico, sim, os opostos se atraem. Segundo a antropóloga americana Helen Fisher, os humanos herdam uma repulsa natural ao sexo com indivíduos muito semelhantes a eles mesmos. Isso acontece para evitar o acasalamento com membros da própria família, o que aumentaria as chances de gerar um filho deficiente. A variedade genética da prole é uma característica evolutiva importante, o que leva as pessoas a buscarem parceiros razoavelmente diferentes de si. Uma pesquisa realizada nos anos 90, por exemplo, mostrou que as mulheres são capazes de distinguir o odor mais sexy em camisas usadas por homens. Quando analisaram essas camisas, os pesquisadores descobriram que os homens escolhidos normalmente possuíam um sistema imunológico bastante diferente do das mulheres — o que aumentaria a viabilidade/resistência de um possível filho.
Comportalmente, não. De acordo com Helen Fisher, uma série de estudos científicos mostra que, no máximo, os "razoavelmente diferentes" se atraem. O interesse romântico normalmente é dirigido a alguém com muitas características semelhantes à do indivíduo. A diferença pode até servir como uma um atrativo, desde que o outro seja do mesmo grupo étnico, religioso, social, econômico ou educacional. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que as pessoas são capazes de avaliar seu próprio nível social e aparência física, buscando por parceiros com a mesma característica. Os opostos só se atrairiam, portanto, em casos nos quais fazem parte de grupos sociais muito semelhantes.

Por que sentimos ciúmes?

Segundo Helen Fisher, o ciúmes foi encontrado em todas as sociedades em que o amor foi estudado por antropólogos. Os homens aparentam se importar mais com a infidelidade sexual. Isso tem origem evolutiva: se ele for traído, corre o risco de criar o filho alheio. O que é sinônimo de investir tempo e dinheiro na propagação do DNA de um concorrente. Na mulher, no entanto, o ciúmes tem origem em outro lugar — já que elas, obviamente, têm certeza de que o filho dentro da barriga é delas. O ciúmes feminino é causado pelo medo de ser abandonada — emocional e financeiramente. "As mulheres têm uma probabilidade maior do que os homens de fazer vista grossa para as 'ficadas' ou para as experiências sexuais temporárias de um parceiro com uma rival", escreve Helen no livro Por que Amamos.

Dá para amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

Não. Mas, segundo a antropóloga Helen Fisher, é possível que você sinta cada um dos impulsos inerentes ao acasalamento — luxúria, amor romântico e ligação — por pessoas diferentes. "Você pode sentir uma profunda ligação por um cônjuge de longo prazo, enquanto sente paixão romântica por alguém do trabalho ou do círculo social, e ao mesmo tempo sente o impulso sexual enquanto lê este livro, assiste a um filme ou faz outra coisa que não esteja relacionada com parceiro nenhum", escreve em Por que Amamos. Em outras palavras, o amor romântico — que nós chamamos de amor, apenas — você só pode sentir por uma pessoa, num dado tempo. Mesmo que seus níveis de testosterona o levem à loucura perto daquela colega de trabalho.

Elas preferem um "eu te amo" antes ou depois do sexo?

Um estudo coordenado por Joshua Ackerman, do Instituto de Tecnologia de Massachusettes, descobriu que as mulheres preferem ouvir o "eu te amo" depois da relação sexual. Para elas, a declaração depois do sexo soava mais honesta. Em um paralelo econômico, a equipe de Ackerman equiparou o raciocínio delas a um investimento. Depois de investir em um "bem" (no caso, o sexo), elas perceberam que o investimento havia compensado. O "eu te amo" antes da relação poderia, seguindo a mesma linha, ser encarado como uma tentativa de apenas de levar a mulher para a cama.

Por que até hoje não existe um Viagra feminino?

Desde o lançamento do Viagra, em 1998, a indústria farmacêutica se empenha na busca de um similar para as mulheres. O problema, no entanto, é que o desejo feminino não caminha exatamente pelas mesmas vias que o masculino. O homem, geralmente, precisa de ajuda para simplesmente ter a ereção. Na mulher, o desejo sexual pode estar inibido e recuperá-lo envolve complexas questões como luxúria, amor romântico e influências psicológicas. Enquanto o problema do homem pode ser físico, o das mulheres pode ser mais psicológico.

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