domingo 15 2015
'Segurança energética do Brasil dependerá do gás'
Entrevista: Ashley Brown
O especialista da Universidade de Harvard acredita que a única forma de garantir energia no curto prazo é desburocratizar a exploração de gás natural para tornar o abastecimento das termelétricas menos oneroso ao bolso do consumidor
Naiara Infante Bertão
Ashley Brown, Diretor Executivo do Grupo de Política de Energia Elétrica da Universidade de Harvard (Ahmet Bolat/Anadolu Agency/Getty Images)
Diante da encruzilhada em que o Brasil se encontra na questão energética, tornar o mercado de gás natural mais eficiente e competitivo é imperativo. É o que acredita Ashley Brown, um dos maiores especialistas em regulação energética dos Estados Unidos e diretor do grupo de política energética da Universidade Harvard. Segundo ele, no curto prazo, nenhuma medida seria mais auspiciosa do que garantir a entrada do setor privado no setor de gás, para que o abastecimento das térmicas não seja tão oneroso ao consumidor. Segundo o especialista, o Brasil é caso único entre as grandes economias quando se trata de entraves para a atuação do setor privado no mercado de gás. No longo prazo, a meta, diz ele, é investir em fontes renováveis e diversificar a matriz energética para que o fantasma do racionamento não volte a assombrar o país. “As vastas fontes hídricas do Brasil criaram uma sensação ilusória de conforto. Mas é preciso cair na real”, afirma. Ele diz que as privatizações do setor, feitas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ajudaram a melhorar a infraestrutura. Mas que o país não pode parar no tempo. "Há 12 anos, foi feito um bom trabalho no setor elétrico, construindo infraestrutura de geração maior. Mas, agora, as coisas mudaram e é preciso trazer maior flexibilidade e eficiência para o sistema", diz.
O Brasil se iludiu ao pensar que seu potêncial hídrico assegurava o seu futuro energético? Precisamos olhar para isso sob duas óticas: econômica e de segurança energética. A matriz brasileira não é muito diversificada. O problema é que já não é mais possível construir projetos de hidrelétricas com grandes reservatórios, devido ao impacto ambiental. Assim, em período de chuvas mais escassas, como vemos agora, não há uma grande capacidade de armazenamento de água. Então, com a proporção entre a demanda e a capacidade de armazenamento cada vez menor, há uma queda considerável na segurança energética. E é justamente isso que pode trazer impactos econômicos para o país, já que o setor industrial precisa de energia para prosperar. E a insegurança nesse setor é mais um fator que espanta investimentos. Há algumas coisas que poderiam ser feitas, como, por exemplo, investir mais em energia solar e eólica. Essas fontes são importantes porque ajudam a preservar os reservatórios. Mas também têm limitações porque dependem de recursos naturais. Então, hoje, a solução de curto prazo é a geração térmica, que é mais cara e enfrenta muitos entraves, pois o mercado de gás natural é disfuncional.
Por quê? Porque não é um mercado aberto. O gasoduto é um gargalo porque restringe o acesso do mercado ao gás natural. Se uma mesma companhia, no caso a Petrobras, controla o acesso ao gasoduto e também comercializa o gás, qual é a chance de competição? E é isso que acontece no Brasil. Se uma empresa controla o acesso ao gasoduto, ela tem o poder de manter competidores fora do mercado. Há uma perspectiva de abertura desse mercado no longo prazo, mas o próprio processo de concessão para exploração dos campos é burocrático, demorado, e avesso a novos players. E isso é uma pena, porque foram justamente os novos que descobriram como explorar o xisto nos Estados Unidos. Ao impedir a abertura do mercado, o governo também impede a inovação. Os poucos que conseguem ter sucesso no processo de concessão, precisam se associar à Petrobras. O Brasil é caso único entre as grandes economias que têm o sistema de exploração de gás tão atrasado e que, além de tudo, permite o monopólio prático tanto da do petróleo quanto do gás.
A solução seria privatizar? Certamente a entrada do setor privado seria uma boa saída, mas devido à complexidade do tema no Brasil, já seria de grande ajuda se houvesse ao menos a reestruturação do setor e o descolamento entre os donos de gasodutos e os comercializadores de gás. Há outras coisas que poderiam facilitar esse mercado e tornar o gás mais barato, o que baratearia a energia das térmicas. Uma delas é tornar o uso dos dutos mais eficiente, permitindo a passagem de petróleo e gás pelo mesmo local. Com isso, é possível baratear o custo de extração e aumentar a flexibilidade de tarifação desse produto. É importante trazer mais flexibilidade para o sistema. Há 12 anos o Brasil fez um bom trabalho no setor elétrico, construindo uma infraestrutura de geração maior. Mas, agora, as coisas mudaram e é preciso trazer maior flexibilidade e eficiência para o sistema.
A era das hidrelétricas definitivamente acabou? Não deve haver uma mudança drástica e rápida na matriz. A energia hidrelétrica continuará a ser importante. Mas temos preocupações políticas e ambientais que limitam a expansão desse setor. Se você não pode construir mais reservatórios, tem de achar outras fontes para complementar a geração. O investimento em térmicas e a reforma do mercado de gás natural são o melhor caminho no curto prazo. No longo prazo, investir em eficiência e diversificação de fontes é fundamental. O Brasil fez um bom trabalho na sua matriz energética no passado, mas agora é preciso modernizá-la.
Tanto a ampliação dos reservatórios quanto o uso de gás natural causam problemas ambientais. Há como ter segurança energética sem retroceder na questão do meio-ambiente? Todas as fontes de energia têm efeitos ambientais. Mesmo as limpas. O imperativo é que haja um equilíbrio entre as consequências adversas da geração de energia com a realidade econômica de cada país. Não se pode ficar com escassez ou racionamento se o objetivo é crescer. Diante desse impasse, o Legislativo precisa criar um mercado que minimize o risco ambiental, ou recompense o meio-ambiente de alguma forma, e que seja, ao mesmo tempo, eficiente. As pessoas precisam entender que as vastas fontes hídricas do Brasil criaram uma sensação ilusória de conforto. É preciso cair na real. E esse problema não acontece apenas no Brasil. É uma situação que a Europa e os Estados Unidos viveram durante muito tempo em relação aos combustíveis fósseis. O essencial, diante disso, é reconhecer as novas limitações e seguir em frente.
A energia nuclear seria uma solução viável? É uma das opções, mas não a solução. Primeiro, porque a geração nuclear é muito cara. Se o Brasil, que não tem tradição nesse tipo de energia, decidisse investir nisso, o custo seria altíssimo e o governo teria de enfrentar uma rejeição tremenda de ambientalistas.
Como tornar o setor elétrico mais eficiente? Ter uma política de preços melhor seria um passo gigante para viabilizar a eficiência do mercado. Os preços de transmissão de energia, por exemplo, deveriam ser transparentes para os consumidores e geradores. Seria preciso um acompanhamento em tempo real do consumo de energia e dos focos de congestionamento das redes de transmissão. O acompanhamento de custos cria um incentivo ao uso mais consciente e também incentivaria os geradores a otimizar o uso das redes, por exemplo. Todos saem ganhando porque nem o consumidor, nem o gerador querem o desperdício.
O governo anunciou um pacote de redução da conta de luz em 2012 que deu errado e resultou, no ano passado, em reajustes muito maiores que os cortes. Qual é o sinal que esse tipo de política transmite? Há muitas formas de fazer com que o consumo de energia seja mais consciente e que as pessoas paguem menos. O acompanhamento dos custos em tempo real é um deles, como eu já disse, pois lança luz ao custo total daquele serviço. Há algumas circunstâncias nas quais subsídios são necessários, como para ajudar consumidores de baixa renda a terem, pelo menos, energia para o básico. A questão é que subsídios precisam ser mais transparentes, bem definidos e estritamente focados em atingir seus objetivos, sem impor encargos significativos para os demais contribuintes.
As conversas impróprias do ministro da Justiça
Em VEJA desta semana
Em encontro com advogados, o ministro da Justiça tranquiliza empreiteiras ao garantir que investigações da Lava-Jato sofrerão uma reviravolta logo depois do Carnaval
BATE-PAPO - José Eduardo Cardozo diz que se encontrou casualmente com o advogado Sérgio Renalt, que tem contrato com a UTC e trabalhou com Thomaz Bastos no governo Lula. As empreiteiras, porém, gostaram do resultado da reunião (Ueslei Marcelino/Reuters)
Desde a morte do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos no ano passado, o PT perdeu seu grande estrategista em momentos de crise. Chamado carinhosamente de “God” (Deus, em inglês) pelos amigos, o onipresente MTB foi convocado para coordenar a defesa das empreiteiras tão logo deflagrada a Operação Lava-Jato. Ele tinha uma meta clara: livrar seus clientes de penas pesadas na Justiça e, de quebra, o governo petista da acusação de patrocinar um novo esquema de corrupção para remunerar sua base aliada no Congresso.
Negociador nato, Thomaz Bastos se dedicava a convencer o Ministério Público Federal de que a roubalheira na Petrobras não passava de um cartel entre empresas -- e que, como tal, deveria ser punido e superado com o pagamento de uma multa bilionária. Nada além disso. A morte tirou o criminalista cerebral da mesa de negociação. MTB deixou um vácuo. O governo perdeu sua ponte preferencial com as empreiteiras, o diálogo entre as partes foi interrompido, e as ameaças passaram a dominar as conversas reservadas. Foi nesse clima de ebulição que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assumiu o papel de bombeiro. Ex-deputado pelo PT e candidato há anos a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cardozo se lançou numa ofensiva para acalmar as construtoras acusadas de envolvimento no petrolão, que, conforme VEJA revelou, ameaçam implicar a presidente Dilma Rousseff e o antecessor Lula no caso se não forem socorridas. Há duas semanas, o ministro recebeu em seu gabinete, em Brasília, o advogado Sérgio Renault, defensor da UTC, que estava acompanhado do ex-deputado petista Sigmaringa Seixas.
O relato da conversa percorreu os gabinetes de Brasília e os escritórios de advocacia como um sopro de esperança para políticos e empresários acusados de se beneficiar do dinheiro desviado da Petrobras. Não sem razão. Na reunião, que não constou da agenda oficial, Cardozo disse a Renault que a Operação Lava-Jato mudaria de rumo radicalmente, aliviando as agruras dos suspeitos de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro afirmou ainda que as investigações do caso envolveriam nomes de oposicionistas, o que, segundo a tradição da política nacional, facilitaria a costura de um acordo para que todos se safem. Depois disso, Cardozo fez algumas considerações sobre os próximos passos e, concluindo, desaconselhou a UTC a fechar um acordo de delação premiada. Era tudo o que os outros convivas queriam ouvir. Para defender a UTC, segundo documentos apreendidos pela polícia, o escritório de Renault receberá 2 milhões de reais. Além disso, se conseguir anular as provas e as delações premiadas que complicam a vida de seu cliente, amealharia mais 1,5 milhão de reais. Renault esgrime a tese de que a Lava-jato está apinhada de irregularidades, como a coação de investigados. No encontro, Cardozo disse o mesmo ao advogado, ecoando uma análise jurídica repetida como mantra pelos líderes petistas.
Depois da reunião no ministério, representantes de UTC e Camargo Corrêa recuaram nas conversas com o Ministério Público para um acordo de delação premiada. A OAS manteve-se distante da mesa de negociação. “Na quarta-feira (um dia depois do encontro em Brasília), fomos orientados a suspender as conversas com os procuradores”, confidencia um dos advogados do caso. Cardozo não operou esse milagre sozinho. “Chegou o recado de que o Lula entrará para valer no caso e assumirá a linha de frente. Isso aumentou a esperança de que o governo não deixe as empresas na mão”, diz outro advogado de uma empreiteira.
Procurados por VEJA, Cardozo, Renault e Sigmaringa tropeçaram nas próprias contradições ao tentar esclarecer a reunião no Ministério da Justiça, classificada por eles como um mero bate-papo entre amigos sobre assuntos banais. Cardozo disse inicialmente que não se reuniu com Renault. Depois, admitiu o encontro. A primeira reação de Sigmaringa também foi negar a audiência com Renault no gabinete do ministro, para, em seguida, recuar. Os amigos compartilham, como se vê, do mesmo problema de memória. Na versão de Cardozo, a reunião teria sido obra do acaso. Sigmaringa, um “amigo de longa data”, teria ido visitá-lo. Renault, que estava em Brasília e tinha um almoço marcado com o ex-deputado, decidiu se encontrar com Sigmaringa também no ministério. Pimba! Por uma conjunção cósmica, o advogado da UTC, empresa investigada pela Polícia Federal, acabou no gabinete de José Eduardo Cardozo.
Barbosa cobra demissão imediata de Cardozo
Justiça
Silvio Navarro
Barbosa: 'o direito e o dever de exigir' (Fellipe Sampaio/SCO/STF/VEJA)
Relator do maior julgamento criminal da história do Supremo Tribunal Federal (STF) – pelo menos até o petrolão chegar à instância máxima do Judiciário –, o ex-presidente da Corte, Joaquim Barbosa, inquietou-se com a revelação de que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tranquilizou advogados de executivos presos na Operação Lava Jato da Polícia Federal sobre os rumos do caso depois do feriado de carnaval. Reportagem de VEJA desta semana mostra as conversas impróprias do ministro. Barbosa reclamou: “Nós, brasileiros honestos, temos o direito e o dever de exigir que a presidente Dilma demita imediatamente o ministro da Justiça”, escreveu em sua conta oficial no Twitter. Conforme a reportagem, José Eduardo Cardozo encontrou-se com o advogado Sérgio Renault, que tem contrato com a empresa UTC -- cujo presidente, Ricardo Pessôa, é apontado nas investigações como o chefe do chamado Clube do Bilhão. As empreiteiras, porém, gostaram do resultado da reunião. Resta saber como será a Quarta-Feira de Cinzas.
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O trabalho ininterrupto gera diversas consequências físicas e psicológicas ao empregado. A exigência constante por produtividade faz com ...