(Martha Medeiros)
Estava cruzando a sala, olhando a tela do celular, quando escutei o barulho vindo da sacada. Parecia uma folhagem sendo abalada por um vento forte, eu não deveria ter deixado os vidros tão abertos. Só que não havia vento. Ao me aproximar, vi que não eram folhas que estavam sendo agitadas. Eram asas. Asas batendo aflitas.
Minha sacada é fechada por vidros que abro em dias ensolarados, quando o inverno surpreende com uma temperatura mais camarada. Era um domingo assim, de céu tão azul que, antes mesmo das oito, a paisagem já havia sido escancarada e os vidros encolhidos, de lado, permitindo a brisa entrar. Só que ele entrou também, o pássaro. Errou de trajeto, não desviou, veio parar ali, dentro da minha casa.
Um filhote ainda, nem havia nascido semana passada.
Encontrei-o num canto do chão, assustado, tentando escalar a parede, o desmiolado, com asas talvez machucadas. Abri a última lâmina que faltava (o fechamento da sacada é sanfonado). Agora sim, nada impedia o seu retorno ao voo interrompido por um apartamento no alto do caminho, o décimo andar bem no meio da sua rota, ele que devia ter escapado do ninho de uma árvore baixa. Vai, cara. Sai.
Sozinho, ele não conseguia. Tentei pegá-lo com a mão, mas ele gritou. Sério, ele não piou: GRITOU como se eu fosse a vilã gigante de um filme de terror que vinha para prendê-lo numa gaiola, a fim de enfeitar com alguma natureza o concreto dos meus dias. Estou aqui para salvá-lo, te acalma, que bicho estressado.
Trouxe então uma pá, quem sabe consigo apoiá-lo e então o despejo, como se fosse um lixo voador, mas ele era um pássaro azul royal, o mais nobre da redondeza, e não se prestou a pegar essa carona barata. Fugir numa pá, quem ela pensa que eu sou? Desisti da pá e voltei com uma escumadeira que também não era lá essas coisas, de plástico para não ferir o tadinho, mas ele era cheio de suscetibilidades e estava esgotado. Não facilitou a própria escapada. Some daqui!, ele implorava com o olhar em fúria. Estou querendo te ajudar, seu mal-agradecido.
Deixei-o sozinho para refletir, também não funcionou. Voltei minutos depois, mais determinada que nunca: agora você vai, criatura. Ajustei a escumadeira por baixo dele, como uma rampa de voo livre, e a muito custo ergui o irritadinho, impulsionei-o: salta! Nunca uma sacada aberta foi tão ampla, parecia uma tela de cinema.
Ele voou. Nem olhou pra trás. Fiquei eu ali, toda boba, comovida, como se tivesse me despedido de um filho que foi morar em outra cidade. Havia feito uma boa ação, me senti plena. Era uma manhã de domingo bem cedo e eu estava tão tomada de poesia na alma que pensei, pois é, a liberdade não tem preço, mesmo, e comprei minha primeira passagem de avião em um ano e meio.