Em 1998, o Tocantins importou pelo menos 140 médicos; decisão judicial, no entanto, proibiu atuação sem Revalida a partir de 2005
Ao anunciar a contratação de 4 mil médicos cubanos, o governo federal repete medida adotada pelo Tocantins 15 anos atrás. Lá, a decisão de 1998 de importar profissionais virou imbróglio jurídico, que, após pressão do Conselho Regional de Medicina (CRM) e vitória do Ministério Público do Trabalho (MPT) na Justiça, resultou na "devolução" dos médicos em 2005. Agora, mais uma vez, o Estado vai receber cubanos em pelo menos 15 municípios.
O CRM estima que 140 médicos tenham sido contratados para trabalhar no interior do Tocantins - 34 deles conseguiram revalidar seus diplomas e continuam no País até hoje. Os cubanos chegaram ao Estado graças à Convenção Regional sobre o Reconhecimento de Estudos, Títulos e Diplomas de Ensino Superior na América Latina e no Caribe, de 1974. O documento foi revogado pelo Congresso Nacional em 1999.
O MPT ajuizou, então, ação na qual argumentava que os municípios pagavam profissionais sem registro profissional. "Passamos uma recomendação para todos os diretores médicos dos hospitais falando que não poderiam deixar essas pessoas trabalhando", lembra Nemésio Tomasella, presidente do CRM.
"Não é xenofobia, é só seguir a legislação pertinente no País", diz, ao se referir ao Revalida. Tomasella afirma que os médicos cubanos foram incluídos na categoria. "Até temos um conselheiro cubano."
O cirurgião geral Pedro Cuellar é o estrangeiro no CRM. Apesar de estar regularizado, ele evita comentar a vinda de compatriotas ao País. "O momento político não é apropriado", alegou o médico que, atualmente, é concursado do Hospital-Geral de Palmas (HGP) e atende também no Hospital Osvaldo Cruz. Assim como Tomasella, diz que não é contra a vinda de médicos estrangeiros, "desde que façam o Revalida".
Importação. A ida de profissionais sem o Revalida ao Tocantins foi uma iniciativa do governador Siqueira Campos (então no extinto PFL). Hoje filiado ao PSDB, ele comanda mais uma vez o Estado, mas não quis comentar a medida tomada nos anos 1990. Com 10 anos de fundação, o Estado tinha 17 hospitais, com 2,6 mil leitos - antes da chegada dos cubanos, era menos de uma centena de vagas.
A decisão da retirada dos médicos causou surpresa para o ex-governador Marcelo Miranda (então no PSDB), nos anos 2000. "Eles estavam bem presentes no interior", lembra. Imediatamente, o governo teve de fazer contratos e abrir concursos para preencher as vagas. A ordem de retirada dos cubanos foi cumprida.
O maior peso de se importar médicos de Cuba recaiu sobre o ex-secretário de Saúde do Tocantins Eduardo Medrado. O CRM moveu contra ele 22 processos ético-profissionais. Medrado foi condenado cinco vezes, duas com censura pública e três com suspensões por 30 dias da atividade médica. "Paguei um preço alto", disse ao Estado. Com temor de ser processado, ele preferiu não detalhar a parceria com Cuba.
Regras. O contrato assinado entre Cuba e os médicos previa que 50% do salário seria transferido à ilha. O pediatra Antonio Pons Mosquera não via problemas no repasse. "Estava consciente quando assinei o contrato e cumpri, como foi estipulado", afirma ele, que hoje vive em Palmas.
Em 2000, ele resolveu voltar para Cuba, para conhecer sua filha recém-nascida. "Fiquei até 2007, fiz especialização e pedi permissão para retornar. O governo me liberou e voltei para Tocantins." Desde então, vai a Cuba sempre que tem vontade. "E dinheiro."
Atualmente, Pons trabalha no Serviço de Atendimento de Urgência (SAU) da Unimed, em Palmas, e também em Aparecida do Rio Negro, a 70 quilômetros da capital.
A vida segue. Ele é casado, tem três filhos, dois deles nascidos em Cuba. Um dos cubanos vive com ele, em Palmas, e estuda Engenharia na Universidade Federal do Tocantins (UFT). O outro mora com a ex-mulher, também médica, em Brasília.