quinta-feira 11 2012
Leia um trecho de Mo Yan, Nobel de Literatura de 2012
Veja.com
O chinês Mo Yan, que ganhou hoje o Nobel de Literatura, aparecia em todas as listas de favoritos – na preferência dos apostadores da casa londrina Ladbrokes, estava em quarto lugar –, mas isso não quer dizer que sua obra seja conhecida no Ocidente. Como quase todo mundo, saí correndo atrás de informações sobre o homem, que não tem nenhum livro lançado no Brasil e que, na loja do Kindle, conta com apenas um título (em pré-venda!).
As notícias da premiação e o comentário de Maria Carolina Maia no vizinho “Veja Meus Livros” satisfazem a maior parte da curiosidade que se possa ter sobre o homem, uma escolha de cunho político, daquelas que o Nobel gosta de fazer. A partir do pseudônimo que adotou para escrever, e que significa “Não fale”, Mo Yan mantém relações tensas com o mundo oficial de seu país, onde a liberdade de expressão é restrita. A Academia Sueca o saudou por seu “realismo alucinatório” e o comparou a William Faulkner e a Gabriel García Márquez.
A melhor forma de conhecer um escritor, porém, é lê-lo. Por isso decidi traduzir o trecho inicial do romance Life and death are wearing me out (algo como “A vida e a morte estão acabando comigo”), uma alegoria que conta a história da China moderna por meio das sucessivas reencarnações de um fazendeiro assassinado durante a reforma agrária de Mao Tsé Tung, em 1948. Aqui, morto há pouco tempo, ele aparece sendo torturado no inferno. Como faltei às aulas de mandarim na escola, parti da tradução de Howard Goldblatt para a editora americana Arcade. Um crime tradutório, certo, mas acredito que perdoável em nome da agilidade jornalística. O humor negro do trecho é marcante.
http://veja.abril.com.br/blog/todoprosa/pelo-mundo/leia-um-trecho-de-mo-yan-nobel-de-literatura-de-2012/Minha história começa no dia 1º de janeiro de 1950. Nos dois anos anteriores, nas profundezas do inferno, eu tinha sofrido torturas cruéis que nenhum ser humano seria capaz de conceber. Sempre que era trazido ao tribunal, proclamava minha inocência em tons solenes, comoventes, tristes, desgraçados, que penetravam cada greta do Salão de Audiência do Senhor Yama e repercutiam em muitas camadas de ecos. Nem uma palavra de arrependimento saiu de meus lábios, embora eu fosse torturado cruelmente, o que me valeu a reputação de homem de ferro. Sei que ganhei o respeito silencioso de muitos dos funcionários do submundo de Yama, mas sei também que o Senhor Yama não me suportava mais. Assim, para me obrigar a admitir a derrota, submeteram-me à mais sinistra forma de tortura que o inferno tem em seu estoque: atiraram-me numa tina de óleo fervente, na qual eu rolei, me contorci e chiei feito um frango frito por cerca de uma hora. Palavras não têm como fazer justiça à agonia que senti até que um servente me espetou com um tridente e, carregando-me bem alto, me conduziu à escadaria do palácio. Juntaram-se a ele dois outros serviçais, um de cada lado, que guinchavam como morcegos-vampiros toda vez que o óleo escaldante pingava de meu corpo nos degraus do Salão de Audiência, produzindo borrifos e pequenas nuvens de fumaça amarela. Com cuidado, depositaram-me numa laje aos pés do trono e fizeram uma profunda mesura.– Grande Senhor – anunciou o servente que me carregara. – Ele está frito.Tendo fritado até ficar crocante, eu sabia que o mais leve impacto me transformaria num monte de fragmentos estorricados. Então, das alturas do salão acima de mim, de algum ponto no meio do clarão de velas do salão acima de mim, ouvi a pergunta zombeteira do próprio Senhor Yama:– Ximen Nao, cujo nome significa Rebelião no Portão Ocidental, há mais rebeliões em seus planos?Não vou mentir para você: naquele momento eu balancei, meu corpo quebradiço jogado numa poça de óleo que ainda borbulhava, estalando. Eu não tinha ilusões, havia atingido o limiar da dor e não conseguia imaginar qual tortura aqueles oficiais venais empregariam em seguida se eu não cedesse agora. No entanto, se eu fizesse isso, não teria sofrido todas as brutalidades anteriores em vão? Ergui com grande esforço a cabeça, que poderia facilmente se soltar do corpo, e olhando na direção da luz das velas vi o Senhor Yama ladeado por juízes do submundo, sentados com sorrisos oleaginosos em seus rostos. A raiva se agitou dentro de mim. Ao inferno com eles!, pensei, o que era bem apropriado. Que me reduzam a pó num moinho ou me transformem em pasta num pilão, se quiserem, mas não vou recuar.– Sou inocente! – bradei.
'Bom não é renovar, bom é melhorar', diz Rubens Figueiredo
Entrevista
Cientista político analisa o resultado das eleições municipais do último domingo no Legislativo paulistano e explica por que ex-policiais foram tão bem votados
Kamila HageVEJA.COM
Rubens Figueiredo analisa mudança de 40% dos vereadores (Lia Lubambo)
A Câmara dos Vereadores de São Paulo terá na próxima legislatura uma taxa de renovação de 40%, garantida pelas eleições do domingo. Candidatos tradicionais, conhecidos pelo envolvimento em episódios escusos da política paulistana, não foram eleitos. Um deles é Vicente Viscome, do PRP. Chefe da Máfia dos Fiscais, ele foi o primeiro vereador cassado da história de São Paulo, em junho de 1999, e cumpriu sete anos de prisão. Mesmo assim, driblou a Lei da Ficha Limpa e tentou ressuscitar a carreira política ao se candidatar a uma vaga na Câmara em 2012. Fracassou.
Novas figuras, contudo, despontaram. Coronel Telhada (PSDB) estreou na política neste ano e foi o quinto vereador mais votado de São Paulo, com 89.053 votos. O ex-capitão da Rota, a elite da polícia paulista, gosta de citar o lema de que “bandido bom é bandido morto”. Conte Lopes (PTB) e Álvaro Camilo (PSD), outros ex-policiais linha dura, também foram eleitos.
“A sociedade está muito mais rigorosa com o crime e busca punição aos bandidos. Isso se reflete na expressiva votação nesse tipo de candidato”, afirmou ao site de VEJA o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac). Leia os principais trechos da entrevista:
A bancada evangélica na Câmara passou de cinco para oito representantes. Por outro lado, Celso Russomanno, candidato a prefeito ligado à Igreja Universal, desidratou e não chegou ao segundo turno. Como o senhor analisa esse fenômeno? Os evangélicos têm uma capacidade de mobilização muito maior do que a de políticos de outros grupos. Além de comungarem da mesma fé, eles se encontram regularmente e detêm meios de comunicação. Por isso, são candidatos fortes em campanhas proporcionais. Ao longo do tempo, esse grupo tem aumentado sua influência. E formam uma bancada pluripartidária, já que os evangélicos estão em vários partidos e nem sempre guiam sua atuação por questões religiosas.
Como você explica a eleição de ex-policiais, como Coronel Telhada, Conte Lopes e Álvaro Camilo? A sociedade está muito mais rigorosa com o crime. Pesquisas indicam, por exemplo, um número muito grande de pessoas que desejam a diminuição da maioridade penal. A votação expressiva nesses policiais vai ao encontro do que a sociedade quer: punição, bandido na cadeia, justiça ágil. A eleição desses vereadores está em consonância com essa corrente de opinião. Ou seja, você tem espaço para esse tipo de candidato porque a sociedade está, cada vez mais, buscando uma ação eficaz da justiça e da polícia.
O candidato a vereador mais votado dessas eleições, Roberto Trípoli, do PV, tem como principal bandeira a defesa dos animais. O paulistano está mais sensível a essa causa? A questão dos animais tem poucos representantes entre os vereadores e deputados. Em contrapartida, metade lares paulistanos têm animais de estimação, o que representa um número muito alto. Trípoli foi o idealizador do primeiro hospital público veterinário da cidade. Isso teve uma repercussão muito grande. Um serviço novo para a população, aliado ao fato de que existe uma quantidade relevante de pessoas que têm animais, explica o enorme número de votos que ele recebeu. Ele é um candidato temático, cujo tema atinge uma quantidade enorme de pessoas.
A mudança de 40% dos vereadores representa um avanço de qualidade na Câmara? O bom não é renovar, o bom é melhorar. Se você tem candidatos que fazem apologia à violência eleitos, a mudança não é boa. Não é por esse caminho que países democráticos avançam. Costumamos ter a ideia de que renovar é sempre positivo. A renovação não é, necessariamente, o melhor caminho.
Na eleição de 2008, a taxa de renovação foi de 29%. Por que agora foi mais alta? Em 2008 houve uma continuidade porque a sociedade vivia uma euforia de consumo, de crédito, e de crescimento econômico. As pessoas estavam viajando de navio, de avião. Isso acabou. Hoje as pessoas estão pagando o carro que compraram naquele ano. Em 2008, os orçamentos municipais cresceram muito, então o governo conseguia realizar muito mais. Agora o cenário se inverteu. Isso explica uma tendência geral para mudanças, incluindo o cargo de prefeito.
O PT elegeu a maior bancada, somando onze representantes. É um indicativo de como se definirá o segundo turno para prefeito? A disputa será difícil, mas eu não creio que haja uma tendência de avanço do PT por causa da bancada de vereadores eleita. A votação nesses candidatos a vereador não se deu por causa do partido, mas sim devido a campanhas individuais bem feitas. Ao contrário, a simpatia pelo PT diminuiu depois do início do julgamento do mensalão.
Depois da eleição do palhaço Tiririca como deputado federal mais votado de São Paulo em 2010, personalidades como o cantor Agnaldo Timóteo não se reelegeram este ano. O apelo de famosos no meio político está perdendo o fôlego? Sim, está diminuindo. Passada a euforia do início da candidatura de famosos, as pessoas começam a perceber, em São Paulo, que cargos públicos devem ser ocupados por quem está disposto a trabalhar. Com o fim da novidade, o fenômeno tende a diminuir.
Larry Burrows-A fotografia de guerra sempre está envolta numa aura de aventura.
1. Infantaria vietnamita passa por vilarejo incendiado, Vietnã – 1962. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
2. Soldados vietnamitas passam por arrozais, Vietnã – 1962. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
3. Soldado vietnamita tenta ajudar companheiro atolado na lama, Vietnã – 1962. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
4. Soldado vietnamita ameaça vietcong capturado, Vietnã – 1962. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
5. Soldados americanos usam iluminação noturna durante patrulha, Vietnã – 1964. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
6. Soldado americano fala com a base enquanto soldados vietnamitas queimam esconderijo vietcong, Vietnã – 1964. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
7. Esconderijo vietcong é esvaziado após ser destruído pelos soldados americanos e vietnamitas, Vietnã – 1964. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
8. Tropas americanas desembarcam na praia de Da Nang, Vietnã – 1965. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
9. Membro da tripulação de helicóptero americano morre durante missão, Vietnã – 1965. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
10. Missão americana perto de Da Nang, Vietnã – 1965. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
11. Sargento Jeremiah Purdie (centro) após ser ferido durante batalha no Vietnã do Sul, 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
13. Soldado americano recebendo os primeiros socorros durante a Guerra do Vietnã, 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
15. Militares feridos durante batalha no Vietnã do Sul – 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
16. Soldados carregam colega morto durante batalha no Vietnã do Sul. Ao fundo, a fotógrafa francesa Catherine LeRoy – 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
17. Soldado ferido durante batalha no Vietnã do Sul – 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
18. Soldado ferido durante batalha no Vietnã do Sul – 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
19. Soldados durante batalha no Vietnã do Sul – 1966. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
20. Soldado vietnamita aguarda socorro médico para mulher ferida durante ataque vietcong, Vietnã – 1968. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
21. Soldados americanos durante a Guerra do Vietnã – 1968. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
22. Soldado ferido durante batalha no Vietnã do Sul – 1969. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
23. Vietnamita chora ao receber restos mortais do marido, Vietnã – 1969. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
24. Americanos e vietnamitas durante batalha em Dak To, Vietnã – 1969. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
25. Soldados americanos na fronteira com o Cambodja, Vietnã – 1970. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
26. Soldados cambojanos tentam recuperar vila em poder de vietcongues, Vietnã – 1970. (Larry Burrows/Time Life Pictures/Getty Images)
Kim Phúc, sobrevivente da Guerra do Vietnã retratada na famosa foto de Nick Ut, fala ao site de VEJA sobre suas lembranças de 1972 e de como tem conseguido superar os traumas da infância
Entrevista
Kim Phúc, sobrevivente da Guerra do Vietnã retratada na famosa foto de Nick Ut, fala ao site de VEJA sobre suas lembranças de 1972 e de como tem conseguido superar os traumas da infância
Cecília Araújo
Kim Phúc e seu filho Thomas, em 1995 (Joe McNally/Time & Life Pic/Getty)
Em 8 de julho de 1972, no vilarejo de Trang Bang, no Vietnã do Sul, uma imagem em que crianças correm e choram enquanto a fumaça dos explosivos é vista ao fundo seria eternizada pelo fotógrafo vietnamita Nick Ut. A foto comoveu o mundo e tornou-se símbolo da Guerra do Vietnã. A menina Phan Thi Kim Phúc somente se daria conta da importância daquela imagem muitos anos mais tarde. Em entrevista concedida por telefone ao site de VEJA, ela conta que, quando viu a foto pela primeira vez, se sentiu muito constrangida, principalmente por estar nua. “Não gostei nem um pouco daquilo, e me perguntava por que tinham tirado uma foto tão feia”, lembra. Com a repercussão da imagem, o governo comunista decidiu usar a figura de Kim para fazer propaganda do regime e ela foi forçada a abandonar os estudos. Hoje, ela lamenta não ter realizado o sonho de estudar medicina em Saigon, mas olha para a foto de uma forma diferente. “Hoje entendo que ela foi um presente poderoso para mim. Aceito que fui aquela garota e que agora posso usar minha experiência a favor da paz”.
Na foto, Kim tinha apenas nove anos. Parte do seu choro refletia sua dor após a queimadura por napalm (líquido inflamável à base de gasolina gelificada) em 55% de seu corpo. Ela está no Brasil nesta semana para participar do 8º Congresso Brasileiro de Queimaduras, em Florianópolis (SC), onde deve falar sobre o tratamento ao qual se submeteu e que incluiu 17 cirurgias. A vietnamita mora em Toronto desde 1992, com o marido e dois filhos, Thomas, de 18 anos, e Stephen, de 15. Em 1997, foi chamada para ser embaixadora da boa vontade das Nações Unidas e criou a Fundação Kim, que fornece suporte médico e psicológico como forma de superar as experiências traumáticas. A instituição tem projetos em escolas e hospitais em países como Uganda, Timor-Leste, Romênia, Tadjiquistão, Quênia e Afeganistão. Um livro sobre sua vida foi lançado em 1999, assim como um documentário posterior. Recentemente, ela conheceu o fotógrafo que eternizou sua imagem. Os dois se encontraram em New Jersey, nos Estados Unidos. “Ele se tornou parte da minha família, nos tornamos amigos muito próximos”. Leia a entrevista a seguir:
Na foto, Kim tinha apenas nove anos. Parte do seu choro refletia sua dor após a queimadura por napalm (líquido inflamável à base de gasolina gelificada) em 55% de seu corpo. Ela está no Brasil nesta semana para participar do 8º Congresso Brasileiro de Queimaduras, em Florianópolis (SC), onde deve falar sobre o tratamento ao qual se submeteu e que incluiu 17 cirurgias. A vietnamita mora em Toronto desde 1992, com o marido e dois filhos, Thomas, de 18 anos, e Stephen, de 15. Em 1997, foi chamada para ser embaixadora da boa vontade das Nações Unidas e criou a Fundação Kim, que fornece suporte médico e psicológico como forma de superar as experiências traumáticas. A instituição tem projetos em escolas e hospitais em países como Uganda, Timor-Leste, Romênia, Tadjiquistão, Quênia e Afeganistão. Um livro sobre sua vida foi lançado em 1999, assim como um documentário posterior. Recentemente, ela conheceu o fotógrafo que eternizou sua imagem. Os dois se encontraram em New Jersey, nos Estados Unidos. “Ele se tornou parte da minha família, nos tornamos amigos muito próximos”. Leia a entrevista a seguir:
Nick Ut/AP
Phan Thi Kim Phúc, em fotografia histórica tirada por Nick Ut em 1972
A senhora tinha apenas nove anos quando seu vilarejo foi bombardeado. Do que mais se lembra daquele dia? Estava em casa com minha família quando os soldados do Vietnã do Sul, que nos protegiam, vieram avisar à minha mãe que os militares do Norte estavam ocupando a nossa cidade. Foi então que soubemos que a guerra estava se aproximando. Minha mãe decidiu levar toda a família para um templo próximo à saída do vilarejo, porque achamos que esse seria um lugar seguro. Mas, em tempos de guerra, nenhum lugar é seguro. Lembro-me de que as crianças não tinham permissão para brincar longe de um abrigo antibombas. Estávamos escondidos ali com outros moradores e soldados havia três dias, até que, depois do almoço, ouvimos o barulho de várias explosões do lado de fora. E os adultos encontraram marcas feitas com giz nas paredes do templo, o que significava que o local seria bombardeado em breve. Então, os soldados do Sul avisaram que todos nós teríamos que correr para não sermos mortos. As crianças foram na frente, e os adultos vieram atrás. De repente, vi um avião chegando muito perto de nós. Não sabia o que fazer, não conseguia correr. Fiquei parada ali. Quando virei para trás, quatro bombas caíram. Podia ouvir o som e ver o fogo por todos os lados. Minha roupa inteira se queimou. Então, vi fogo em meu braço esquerdo. Tentei apagá-lo com a mão direita, mas acabei queimando-a também. Eu estava tão assustada. Graças a Deus que pelo menos meus pés não se queimaram. Foi um milagre! Eu teria ficado ali, sem conseguir me deslocar. O pior poderia ter acontecido. Continuei correndo, até que eu me sentia tão cansada, que não conseguia mais correr. Então, parei e gritei: “Muito quente, muito quente!”. Um dos soldados tentou me ajudar e jogou água fria em mim. Depois disso, perdi a consciência. E não me lembro de mais nada.
História
- A presença de unidades de combate americanas no Vietnã só foi oficializada em 1965. Muitos historiadores, porém, consideram que a guerra começou em 1961, ano em que o presidente americano John Kennedy enviou uma carta ao seu colega do Vietnã do Sul, Ngo Dinh Diem, comprometendo-se a impedir que o país fosse unificado sob o comando do regime comunista do norte da ex-colônia francesa
- Considerado o primeiro grande conflito entre tropas regulares e guerrilheiros, a Guerra do Vietnã transformou-se em um atoleiro no qual não se encontraria uma vitória, mas do qual os Estados Unidos só saíram em 1975, depois que a opinião pública americana, chocada com imagens como a da menina queimada por uma bomba de napalm, se voltou contra a guerra.
Quais pensamentos passavam pela sua cabeça enquanto corria e chorava no momento retratado pela foto de Nick Ut?Logo depois que me queimei, só conseguia pensar em como eu ficaria feia e deixaria de ser normal, que as pessoas me veriam de uma forma diferente. Ainda me lembro disso. Mas, depois, parei de pensar em qualquer coisa, porque estava aterrorizada demais para isso. Só continuava correndo e correndo.
Como a senhora reagiu? Os primeiros 20 anos foram os mais difíceis. Achei que nunca teria um namorado, me casaria ou teria filhos. Nunca imaginei ter uma vida normal. Minha autoestima era muito baixa, por causa das queimaduras, das cicatrizes e da dor. Não fui queimada com água quente, mas com napalm, que queima por baixo da pele, profundamente. Fiquei no hospital por 14 meses, incluindo as 17 cirurgias que fiz e o período de reabilitação. Isso para uma garota de nove anos... Até hoje ainda sinto dor. Dependendo do clima do lugar onde estou, ela é mais forte. Hoje, meus filhos quando se machucam se lembram de mim: “Nada se compara a sua dor, mamãe”.
Quais traumas permaneceram dessa época? Até hoje tenho muitos pesadelos durante a noite. Na maior parte das vezes vejo incêndios e armas que me perseguem. Eu corro sem parar até que acordo cansada e assustada. Tentei evitar por muito tempo ver filmes que tinham armas, guerra e violência. Tudo isso me levava de volta para o momento em que me queimei. Mesmo quando vejo homens fardados, a imagem de um verdadeiro conflito armado vem à minha cabeça. É horrível.
Como se sentiu quando soube que uma foto sua se tornou famosa no mundo todo?Pensei: “Meu Deus, minha foto ficou famosa, mas eu não sou famosa!” Já tinha visto a imagem antes, mas só dez anos depois, aos 19, descobri que ela tinha rodado o mundo. No Vietnã, a guerra acabou e ninguém mais soube dessa foto. Ela saiu no jornal local, mas não teve tanto impacto. Me lembro de quando voltei do tratamento de queimaduras, e meu pai me mostrou a foto. Ele tinha recortado do jornal e guardado para me mostrar. Fiquei completamente chocada. Achei muito constrangedor estar nua, e todos podiam ver. Não gostei nem um pouco daquilo, e me perguntava por que tinham tirado uma foto feia. Fiquei me sentindo mal por causa do meu corpo, mesmo. Acho que é normal, todo mundo quer sair bonito numa foto.
A fama teve um impacto positivo ou negativo na sua vida? No começo, não liguei muito. Fiquei levemente feliz, pois as pessoas começaram a prestar atenção em mim. Mas, depois, isso foi longe demais. Vários jornalistas me procuravam, minha história virou notícia. E minha vida ficou uma bagunça. Eu tinha um grande sonho: virar médica. E o governo me proibiu de estudar medicina em Saigon, porque eu era muito importante, precisava dar entrevistas. E isso foi muito negativo para mim. Demorou muito tempo, quase 20 anos, para eu entender a importância daquela imagem. Hoje, eu entendo que ela foi um presente poderoso para mim. Aceito que fui aquela garota da foto e que hoje posso usar essa experiência a favor da paz.
Quando sua vida tomou um rumo diferente? Desde que me mudei para o Canadá, em 1992, tudo começou a mudar. Antes, achava minha vida horrível. Além das queimaduras, estava emocionalmente perturbada. Sentia ódio, raiva, amargura, e isso era muito duro para mim. Em 1982, me tornei cristã no Vietnã e aprendi a lidar melhor com esses sentimentos. Aprendi a perdoar, amar meus inimigos, como a Bíblia diz. Quanto mais rezo pelos meus inimigos, melhor eu me sinto. Eu ameaçava essas pessoas à morte. Queria que sofressem também. Hoje meu coração está curado. A dor física permanece, mas agora eu me sinto livre. Agora tenho liberdade, aprendi a perdoar, a seguir em frente, a usar minha experiência para ajudar outros que passam pela mesma dor, física ou emocional. Estou muito feliz por achar um propósito para a minha vida. Hoje posso ver o milagre que foi ser queimada e ainda estar viva. Estou muito agradecida, mas demorou um tempo para que eu aprendesse isso.
O que mudou no Vietnã depois da guerra? Não havia mais perigo, explosões, armas. Mas havia tanto a ser feito pelas pessoas... Muitas casas foram destruídas completamente durante a guerra. Não tínhamos onde morar ou o que comer, também faltava dinheiro. Nosso objetivo era a sobrevivência, dia após dia. Nos últimos anos, a realidade no Vietnã tem se tornado cada vez melhor. O sistema ainda é comunista, mas a economia está crescendo.
Qual mensagem pretende passar aos brasileiros? Queria dividir minha experiência de vida e passar a mensagem de que todos podem aprender a viver com amor, esperança e perdão. Se todos pudessem aprender isso, não precisaríamos de guerra. Se aquela garotinha pode fazer isso, outras pessoas também podem.
Escritor chinês Mo Yan ganha prêmio Nobel de Literatura
Literatura
Autor é conhecido por sua escrita fantasiosa e crítica à sociedade chinesa
O escritor chinês Mo Yan, vencedor do Nobel de Literatura 2012 (France-Presse)
O escritor chinês Mo Yan, de 57 anos, é o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura 2012, anunciou nesta quinta-feira a Academia Sueca. O valor do prêmio é o equivalente a 1,2 milhão de dólares (2,4 milhões de reais). Mo Yan é o primeiro chinês a vencer o Nobel. Em 2000, o escritor Gao Xingjian também recebeu o prêmio, mas é cidadão francês.
"Ele tem uma escrita única. Se você ler meia página de Mo Yan, imediatamente saberá que se trata dele", disse Peter Englund, presidente da Academia Sueca, que comentou ainda que os livros de Mo Yan são marcados por seu "realismo alucinatório, que funde contos folclóricos, história e contemporaneidade."
Mo Yan é um dos autores mais famosos na China, e já foi traduzido para várias línguas, entre elas, inglês, espanhol, francês e alemão. No entanto, nenhum de seus trabalhos foi publicado no Brasil. Sua escrita fantasiosa é frequentemente comparada à de Franz Kafka, e seus livros falam de forma crítica sobre a socidade chinesa, a corrupção e a dura vida no campo. Por esse motivo, muitos deles foram banidos no país.
Seu romance mais famoso publicado no Ocidente é Sorgo Vermelho, que deu origem ao filme de mesmo nome dirigido por Zhang Yimou -- e que se tornou o primeiro filme chinês a vencer o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, em 1988.
Outros dois de seus romances foram adaptados para o cinema: Xingfu shiguang (2000), também de Zhang Yimou, foi baseado no livro Shifu yuelai yue youmo; e Nuan (2003), de Huo Jianqi, adaptado de The White Dog and the Swing (O cão branco e o balanço, em tradução livre).
Desde que publicou o seu primeiro romance, Tou Ming de Hong Luo Bo (A cenoura de cristal e outras histórias), em 1986, Mo Yan já lançou dezenas de livros e histórias curtas, todos em mandarim. Em seu último romance, Wa, lançado em 2009, o escritor questiona a política chinesa de permitir apenas um filho por casal.
Biografia - Mo Yan nasceu no dia 17 de fevereiro de 1955, em Gaomi, na província de Shandong. Seus pais eram fazendeiros. Ele deixou a escola durante a Revolução Cultural Chinesa para trabalhar em uma fábrica, e se juntou ao Exército de Libertação Popular aos 20 anos. Ele começou a escrever ainda quando era um soldado, em 1981, e três anos depois, começou a lecionar no departamento de literatura do exército.
Mo Yan é apenas um pseudônimo adotado pelo escritor, e significa "não fale" em mandarim -- seu nome verdadeiro é Guan Moye.
Ele já foi indicado a vários prêmios durante sua carreira, inclusive o Man Asian Literary Prize, promovido pela organização do Man Booker Prize, pelo livro Fengru feitun (Peito Grande, Ancas Largas, como foi publicado em Portugal). Este causou grande controvérsia na China pelo teor sexual da história, e foi retirado de circulação no país.
Nobel - Mo Yan entra para o restrito grupo de 109 autores que receberam o Nobel da Literatura desde 1901. Destes, apenas 12 são mulheres, e dois homens já recusaram o prêmio: Boris Pasternak, em 1958, e Jean Paul Sartre, em 1964. Entre os últimos vencedores estão o sueco Tomas Tranströmer (2011) e o peruano Mario Vargas Llosa (2010).
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O trabalho ininterrupto gera diversas consequências físicas e psicológicas ao empregado. A exigência constante por produtividade faz com ...