Governo
Levantamento feito com base no Orçamento da União mostra o que foi prioridade de gastos na gestão Dilma; o problema é que o destino do dinheiro nem sempre se converte em ganhos para o país
Luís Lima
Investimento em programas sociais é uma das principais marcas do governo Dilma (Ivan Pacheco/VEJA.com)
Uma peça de ficção. É assim que muitos definem o Orçamento Geral da União, documento redigido anualmente pelo Ministério do Planejamento que detalha as despesas previstas por todos os Ministérios e órgãos públicos — mas que raramente é seguido pelos gestores. Outra leitura possível do documento é a de que ele revela as reais prioridades de um governo — e não aquelas que ficam plasmadas nos discursos políticos. Na gestão de Dilma Rousseff, é possível constatar, por meio dos desembolsos feitos pelo Estado, quais foram os setores que, apesar da alegada importância, ficaram desguarnecidos. E também se as estratégias de gasto foram bem sucedidas.
Os fortes — O orçamento brasileiro é notoriamente engessado. Do total de recursos destinados às atividades do governo, apenas 11% são discricionários, ou seja, podem ser livremente alocados. Mas, ainda que a margem de manobra seja mínima, é possível identificar algumas pastas que recebem atenção especial. Um exemplo é o ministério de Minas e Energia, reduto de Dilma desde que foi secretária da área no Rio Grande do Sul, e, posteriormente, ministra. Segundo a organização não governamental Contas Abertas, o valor destinado à pasta, comandada pelo PMDB, cresceu 30% nos três primeiros anos do governo Dilma, na comparação com o mesmo período da segunda gestão de Lula. Diante de tamanho empenho, era de se esperar que tal área fosse a vitrine da gestão da presidente. Mas não é isso que acontece. Ao ministro Edison Lobão respondem a Petrobras e a Eletrobras. A primeira é alvo do maior escândalo de corrupção desde a descoberta do mensalão. E a segunda é a estatal que serviu de ferramenta para o governo desestruturar o setor elétrico, em 2012. As mudanças no setor elétrico terão um custo de 26 bilhões de reais aos consumidores nos próximos dois anos, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) publicado em setembro.
VEJA
Economista por formação, Dilma também priorizou a Fazenda, pasta responsável pela formulação e execução da política econômica nacional. Neste caso, o valor gasto pela pasta, que é comandada pelo PT, se manteve altíssimo em seus três primeiros anos, no mesmo patamar de gastos do governo Lula, que, entre 2007 e 2009, despejou cerca de 3 trilhões de reais na pasta. A diferença é que, enquanto no governo Lula houve a necessidade de se implementar uma série de medidas de estímulo para que o Brasil não sucumbisse à crise de 2008, o mesmo não se pode dizer dos últimos três anos. Se lá atrás a política desenvolvimentista colhia frutos de crescimento, hoje o país está em recessão técnica enquanto a maior parte dos países do mundo cresce, segundo o mais recente relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso significa que os trilhões usados para estimular a economia de 2011 a 2013 não deram o resultado esperado. "O crescimento econômico, incluindo o investimento, teve um avanço muito modesto com Dilma. E o pior é que não se sabe o que é causa e o que é efeito. Os investidores não investem porque não têm perspectiva de crescimento", afirma Evaldo Alves, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Os investimentos em programas sociais também ganharam força e isso se reflete nos gastos previstos no orçamento. A pasta de Desenvolvimento Social e Combate à Fome viu seu orçamento crescer 33% de 2010 para 2014. “O que observamos é que os gastos sociais continuam sendo privilegiados, o que é positivo em vários aspectos, mas não quando ocorrem em detrimento da expansão do investimento”, ressalta Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria. Outro dado é significativo. Neste ano, até setembro, o Ministério já desembolsou o equivalente ao valor total de todo o ano de 2010: 21 bilhões de reais. Ou seja, no ano em que disputa a reeleição Dilma pisou no acelerador dos gastos sociais — e é improvável que isso seja uma mera coincidência.
Os fracos — Já o Ministério de Relações Exteriores (MRE) é abertamente preterido pela gestão atual. Isso tem consequências. O país encontra dificuldades para avançar em acordos comerciais que transcendam o Mercosul. No Itamaraty, promoções represadas, cortes orçamentários e o pouco apreço da presidente pela pauta externa levaram 342 terceiros-secretários, primeiro estágio da carreira de diplomata, a entregar uma carta de reivindicações ao chanceler Luiz Alberto Figueiredo, em agosto. "Dilma não gosta muito dessa área. Claramente, não é prioritária para o governo. Como se já não fosse, em relação ao todo, uma pasta muito pequena", diz o economista Raul Velloso.
Preteridos/VEJA
Preteridos
O ministério do Turismo também está no time dos enfraquecidos — mesmo no período que antecedeu a Copa do Mundo. Comandada por Gastão Vieira (PMDB) até março deste ano, a pasta foi transferida ao engenheiro agrônomo Vinícius Nobre Lages, que acumulou experiência na área quando trabalhou no Sebrae. Lages foi escolhido pela própria presidente, mas ela não lhe deu muito mais que o voto de confiança. Ao Turismo foi pago 1,9 bilhão de reais em 2010, último ano do governo Lula; este ano, até setembro, o valor pago acumula míseros 629 milhões de reais.
À diferença do governo Lula, que contou com a força política e representatividade de Marina Silva no comando do Ministério do Meio Ambiente, no governo Dilma Izabella Texeira não deixou nenhum grande legado. Apesar de ser reconhecida por seu perfil técnico, faltou o tino político, que tinham antecessores como José Carlos Carvalho e José Sarney Filho. Com Lula, implantou-se, por exemplo, a Lei da Mata Atlântica, que visa a proteção e a utilização do bioma. Ponto para Marina. Izabella, contudo, não soube capitalizar devidamente a implantação do Código Florestal. A falta de força política pode ajudar a explicar as restrições de orçamento para o ministério. Ele foi alvo, em especial, de muitos contingenciamentos — pelos quais o governo retarda ou mesmo cancela parte do valor previsto para determinado órgão. "Os registros da execução do Orçamento não permitem identificar as causas dos contingenciamentos. O governo informa os cortes, mas não suas razões", explica Gil Castelo Branco, do Contas Abertas.
Saúde e Educação – Em áreas em que o gasto é determinado por lei, como Saúde e Educação, os desembolsos registraram aumentos expressivos. No caso da Saúde, os valores correspondentes à União devem ser equivalentes ao total despendido no ano anterior somado à variação nominal do PIB, conforme lei sancionada em 2012.
Garantidas por lei/VEJA
Garantidas por lei
Em relação à educação, 18% dos impostos recolhidos pela União devem ir para a pasta. Somam-se ao montante os recursos do salário-educação. A ampliação considerável dos gastos do governo Dilma com a pasta, se comparados à gestão anterior, pode ser explicada, principalmente, pelo forte aumento de parcerias público-privadas, que deram origem a programas como o Pronatec e o Fies, além do crescimento da arrecadação federal. Também devem ser levadas em conta iniciativas como o Ciência Sem Fronteiras, Pró-Infância (de creches) e Mais Educação. “Outra mudança importante no governo Dilma que foi o fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para Educação, o que ampliou a capacidade de gasto do governo na área”, afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Segundo ele, apesar de os desembolsos terem sido maiores, estados e municípios ainda gastam, em termos porcentuais, muito mais do que a União.
O modelo adotado pelo atual governo ao direcionar gastos a ministérios se assemelha, de certa forma, à sua dinâmica de benefícios ao setor privado. Há os 'escolhidos' e o 'resto'. A preferência é determinada pelo peso da pasta na política de governo. Ter preferências não é ruim. O problema é quando os números mostram que foram escolhas erradas.