quarta-feira 11 2012

I Believe (Il Divo & Celine Dion) legendado português

Fotos: pura beleza feminina na arte do grande Patrick Demarchelier

05/04/2012
às 18:00 \ Tema Livre
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DE GALHO EM GALHO -- O esforço da modelo Stephanie Seymour dependurada na árvore: fazer coisas difíceis parecerem fáceis
DIRETOR DE IMAGENS
Mão firme, técnica refinada e um certo charme francês na hora de pedir a pose. É assim que há quarenta anos Patrick Demarchelier cria beleza em fotos de moda

Fotografar mulheres bonitas usando roupas maravilhosas. Parece fácil, não?
Agora, imaginem a concorrência. Imaginem a tentação de fazer alguma coisa apelativa para se destacar no mar de imagens do mundo contemporâneo. Imaginem a arrogância de quem consegue chegar ao topo e continuar lá.
Ainda bem que existe um sujeito como Patrick Demarchelier para derrubar todas as noções preconcebidas sobre fotógrafos famosos e suas atitudes descontroladas.
Sentado num caixote de madeira
Demarchelier: idioma algo parecido ao inglês, e charme francês (Foto: Time)
Como os ginastas e os bailarinos, ele faz coisas incrivelmente difíceis parecerem fáceis, quase naturais. Falando baixinho, numa linguagem remotamente parecida com o inglês, complicada por uma cirurgia de câncer de garganta, o fotógrafo francês dirige um set inteiro sem dramas nem estrelismo. E sentado num caixote de madeira.
“Quando ele quer uma pose, é tão gentil que não parece que está mandando”, disse a modelo Isabeli Fontana no intervalo de uma recente sessão de fotos em São Paulo. “Tem também o meu sorriso lindo”, ironiza Demarchelier, de 68 anos, sobre o seu poder de convencimento.
Imagem onírica do vestido Dior
Imagem onírica do vestido Dior
Foi usando essas armas que ele induziu a modelo Stephanie Seymour a subir, nua, em uma escada de incêndio e passar uma hora pendurada num galho de árvore. “A pobrezinha, depois, não conseguia levantar um copo d’água”, relembra. A foto, de 1989, tornou-se uma das imagens mais poderosas produzidas por ele.
O poder do olhar de Helena Christensen: o nu com pose de vestido
O poder do olhar de Helena Christensen: o nu com pose de vestida
Demarchelier é um fotógrafo de moda publicado nas grandes revistas do ramo, mas faz até fotos de casamento, se pagarem bem — Bernie Ecclestone, o bilionário inglês da fórmula 1, pagou, para sua filha, e saiu todo mundo feliz no fim.
Para quem prefere manifestações de vanguarda, é considerado comercial. Encantadoramente comercial, para quem gosta de ver belas roupas, fotografadas com inspiração, personalidade e total domínio técnico.
Severos quimonos com calcinhas minúsculas
Qualidades amplamente demonstradas em seu último trabalho de peso, o livro Dior Couture. De todas as roupas guardadas desde que a grife foi criada por Christian Dior, em 1947, passando por seus formidáveis sucessores — Yves Saint Laurent, Marc Bohan e John Galliano —, o fotógrafo escolheu pouco mais de 100 modelos.
A onírica foto da capa, em que a modelo bielorrussa Maryna Linchuk parece flutuar numa nuvem de plumas de avestruz, evoca a obra de Pierre Bonnard, o pintor francês do século XIX que chegou a ser menosprezado, injustamente, por criar quadros bonitos demais.
Para não ficar só na belezura suspirante, Demarchelier incluiu no livro fotos que fez para o famoso calendário da Pirelli nas quais modelos misturam os severos quimonos criados por Galliano com calcinhas minúsculas.
clássico moderno Christy Turlington sob o chapéu-flor
CLÁSSICO MODERNO -- Christy Turlington sob o chapéu-flor
“Gosto de fotografar a modelo em uma pose que ela não faria nua, mas que faz o tempo todo, vestida”
“O nu tem de ser interessante. Gosto de fotografar a modelo em uma pose que ela não faria nua, mas que faz o tempo todo, vestida”, prega Demarchelier, que começou a trabalhar em Paris, tirando fotos de passaporte; mudou-se para os Estados Unidos e atingiu o ápice entre os anos 80 e 90.
Na liga que frequenta, é equiparado ao americano Steven Klein e a Mario Testino, o peruano radicado em Londres. “Klein é conceitual e quase obsceno. É nosso pior pesadelo porque não faz questão de mostrar as roupas”, compara Marcelo Quadros, estilista da Daslu Couture. “Testino faz fotos lindas, solares, com pessoas sorrindo e exibindo o produto. Demarchelier usa bem a iluminação, o claro e o escuro; faz fotos com ares clássicos.”
o quimono na Pirelli
Um dos quimonos do calendário da Pirelli
A técnica e o equilíbrio — além de um toquezinho de Henri Cartier-Bresson, de quem chegou a ser assistente — também aparecem em retratos icônicos, como o da modelo Christy Turlington “engolida” por um chapéu de flor gigante ou de uma Helena Christensen de olhar quase intimidante.
Quatro horas, sem usar o tripé: “Minha mão é firme”
Praticante de ioga e meditação, Demarchelier é ágil e rápido, mas dá uma ajudazinha à filosofia oriental sob a forma das trinta pílulas que toma por dia. “Para acordar, dormir, fazer sexo”, resume, com sarcasmo francês e naquela língua misteriosa.
Na sessão de fotos em São Paulo, para uma campanha do Shopping Iguatemi, bagunçou o cenário: não usou estúdio, trocou locações e foi até para um estacionamento, em busca de luz natural.
Trabalhou durante quatro horas, em pé ou sentado no caixote, sem usar tripé: “Minha mão é firme”.
(Reportagem de Mariana Amaro publicada na edição impressa de VEJA)

A nudez feminina, a intimidade, a água — na pintura hiperrealista da americana Alyssa Monks

A pintora hiperrealista norte-americana Alyssa Monks invariavelmente foca seu trabalho em temas como a nudez feminina, a intimidade e a relação entre as pessoas e a água. Alyssa, 35 anos, pinta desde criança. Estudou em Nova York, Boston e Florença, na Itália, é professora e palestrante e tem obras expostas em importantes museus dentro e fora dos Estados Unidos.

Começou e continua sendo adepta do hiperrealismo, mas sua técnica apurada lhe permite brincar com o estilo, e pinturas que parecem a uma certa distância ser fotografias, vistas bem de perto mostram seu verdadeiro DNA, proveniente de tintas, pincel e tela.
Veja algumas de  suas obras, quase todas em óleo sobre tela de linho.
"Echo" (eco)
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"Liquid" (líquido)
"Wake" (despertar)
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"Press" (pressão, pressionar)
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"Stalemate" (paralisia, impasse)
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"Risk" (risco)
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Lansing commision (impossível traduzir a hermética ironia contida neste título)
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"Welcome to" (bem-vindo/a a)
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"Morning after" (a manhã seguinte)
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"The Race" (a corrida)
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"Wake" (despertar)
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"Tug of War" (cabo de guerra)
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"Think" (pensar)
 http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/a-nudez-feminina-a-intimidade-a-agua-na-pintura-hiperrealista-da-americana-alyssa-monks/

Relator dá primeiro voto a favor do aborto de anencéfalos

Vida

STF decide nesta quarta se autoriza interrupção da gravidez de fetos com má formação no cérebro. CNBB diz que vida deve seguir percurso natural

Luciana Marques
O ministro Marco Aurélio começou a leitura de seu voto na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em Brasília O ministro Marco Aurélio começou a leitura de seu voto na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em Brasília (Nelson Jr./SCO/STF )
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello deu o primeiro voto a favor do aborto de anencéfalos, ou seja, com má formação no cérebro, no julgamento desta quarta-feira. A tendência é que a maioria da corte acompanhe a posição de Marco Aurélio, que é o relator do caso. Segundo o ministro, não se trata de aborto, nem de “eugenia” (seleção genética de uma espécie), expressão que tem viés ideológico e político em sua opinião. Para Marco Aurélio, o termo adequado para o caso é “antecipação terapêutica do parto”.
O ministro avalia que o anencéfalo não tem direito à vida, porque não possui vida em potencial. “Anencefalia e vida são termos antitéticos”, disse. “O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa e o fato de respirar e ter batimento cardíaco não altera essa conclusão", disse. Segundo o ministro, 75% dos anencéfalos não alcançam desenvolvimento extrauterino.
Marco Aurélio afirmou também que a questão não deve ser discutida sob o ponto de vista religioso, mas de acordo com o princípio de dignidade humana, assegurado pela Constituição Federal. “A liberdade religiosa e o estado laico significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal, dispensado a outros direitos fundamentais, tais como direto a autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual”, afirmou.
Durante seu voto, o relator leu uma série de depoimentos de grávidas nessa situação. "O sofrimento dessas mulheres pode ser tão grande que especialistas consideram como tortura", afirmou o ministro. Para ele, o estado não pode se intrometer na decisão da mulher de interromper ou não a gestação.
Argumentos - A ação foi proposta em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede que as grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar pela interrupção da gestação. O principal argumento é que os bebês com má formação do cérebro geralmente morrem durante a gravidez ou têm pouco tempo de vida.
O advogado da confederação, Luis Roberto Barroso, disse que a continuidade da gestação de um anencéfalo deve ser uma escolha da mulher, porque representa uma “tragédia pessoal”. “Trata-se de uma tortura psicológica a que se submete essa mulher grávida de um feto anencefálico, que não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão e terá que tomar remédios para secar o leite que produziu”, disse. 
Contrária à aprovação da lei, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende que a vida deve ser acolhida como “dom”, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. “Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito", afirmou a entidade, em nota divulgada em 2008, quando foi realizada a primeira audiência pública sobre o tema.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/relator-da-primeiro-voto-a-favor-do-aborto-de-anencefalos 

Ministro mais detestado do Supremo, Gilmar Mendes toma importante posição em favor de acelerar o julgamento do mensalão — e até propõe a suspensão da pauta normal do Supremo para isso

Gilmar Mendes: dando um empurrão importante para apressar o julgamento do mensalão (Foto: Nelson Junior/ STF)
O ministro Gilmar Mendes é, provavelmente, o ministro mais detestado do Supremo Tribunal Federal.
Falam mal dele por supostas decisões que teria proferido de forma interesseira, falam mal por ligações políticas de sua família em seu Mato Grosso natal, falam mal dele até – ou, vai ver, principalmente – por ter sido indicado para o Supremo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Não vem ao caso, agora, discutir tudo isso. Mas vale lembrar que a passagem do ministro pela presidência do Conselho Nacional de Justiça (2008-2010) foi elogiada até por adversários seus, tal o rigor que imprimiu na investigação de malfeitorias praticadas por magistrados e tribunais e pela contribuição que deu à modernização dos métodos de aferição da produtividade do Judiciário.
Por não ser oriundo da magistratura, mas do Ministério Público — e, antes de integrar-se ao Supremo, foi Advogado-Geral da União –, Gilmar não teve complacência diante de corporativismos, algo que não se pode dizer do atual presidente, Cezar Peluso, juiz de carreira.
Mas o de que se trata, hoje, é do importante empurrão que o ministro deu para acelerar o processo do mensalão, em curso desde 2006 no Supremo Tribunal Federal.
Na declaração mais terminante que um ministro do Supremo proferiu sobre o caso até agora, o ministro defendeu hoje, na Câmara dos Deputados, que a corte inicie o julgamento do mensalão ainda no primeiro semestre deste ano, para evitar o risco de prescrição de penas — se preciso for, suspendendo a pauta normal do Supremo. “Se se quiser votar até este ano, tem que ser no primeiro semestre”, disse.
Vejam bem: o ministro sugeriu suspender a sacrossanta pauta de julgamentos do Supremo. Nenhum colega chegou tão longe, até onde a vista alcança, na defesa da realização de qualquer julgamento importante.
Ele também admitiu – outra atitude importante tomada publicamente – que o Supremo já está atrasado: “De certa forma, sim. Precisa haver algum cuidado, mas tudo depende do relator (Joaquim Barbosa) e do revisor (Ricardo Lewandowski)”.
Sobre o ministro Lewandowski — aquele que, em célebre e infeliz declaração, chegou a aventar a possibilidade de se deixar o mensalão para 2013 –, não teve papas na língua, afirmando que o colega “está preocupado com o Tribunal Superior Eleitoral”. Lewandowski é presidente do TSE, mas deverá deixar o cargo no próximo dia 22, em favor da ministra Cármen Lúcia.
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/ministro-mais-detestado-do-supremo-gilmar-mendes-toma-importante-posicao-em-favor-de-acelerar-o-julgamento-do-mensalao-e-ate-propoe-a-suspensao-da-pauta-normal-do-supremo-para-isso/

‘São Paulo é uma calamidade pública’, por Arnaldo Jabor

PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA


ARNALDO JABOR
Será que ninguém vai tomar uma providência? Imaginem um terremoto ignorado, sei lá, um tsunami despercebido: “Terremoto, onde? Não estou vendo…” Pois é o que está acontecendo na cidade de São Paulo. Ninguém vê o óbvio: a cidade vai parar com 680 carros entrando por dia nas ruas.
Ou melhor, vê sim, mas com olhos burocráticos, entreabertos, com  tédio de trabalhar: “Sim, vamos formar comissões, estamos consultando os técnicos em urbanismo e tal”.
É isso ─ estamos diante de uma calamidade pública e ninguém se toca. Em poucos meses, as cidades japonesas arrasadas já foram limpas.
E aqui? Aqui, “cidade” é considerada uma coisa inferior, “prefeitura”, idem. Num país formado pela abstração lusitana, brotam ideologias e teorias que justificam a inação; “prefeitura” só cuida de “coisas menores”, como água, esgotos, chuvas, enchentes, transporte, trânsito, ou seja, as coisas mais importante da vida, muito além de votos, de busca de hegemonia política como quer o PT, ou de discursos inflamados pelo poder.
No entanto, São Paulo é um país. São Paulo é o lugar mais importante do Brasil. “Ahhh…, mas vai melhorar”, diz o vulgar desejo brasileiro de protelação e autoengano. Não vai melhorar não. Vai  piorar; aliás, o pior já aconteceu… “Ah… o Rodoanel vai ficar pronto…” Quando? Por que não ficou antes? Porque, na época do Lula, não mandavam dinheiro federal para o metrô…
Claro que eu reclamo como um burguês; tenho carro, me incomoda levar duas horas para ir ao trabalho.  Mas, e a população que sofre agarrada em ganchos de ônibus ou esmagada dentro dos trens? Os milionários compram helicópteros e a classe média muge, reclama com aquele tom de desesperança conformada, tipo: “Ah… isso não tem jeito mesmo… que se há de fazer?” A verdade é que ninguém sabe o que fazer e a cidade está virando um retrato trágico do País; é o inverso da miséria nordestina ou da seca, é a esclerose múltipla da riqueza, é o câncer da pujança econômica, a doença do crescimento desorganizado. Só que essa morte anunciada prejudica o País todo.  Calcula-se que o prejuízo anual dos engarrafamentos eternos seja de R$ 30 bilhões/ano. Esses R$ 30 bilhões seriam uma solução. Mas, instalou-se aqui uma nova prática : já que quase nada tem solução, porque o patrimonialismo corrupto não deixa, já que nada se resolve, cuidaremos de “desnecessidades”. “Ah… não pode fumar no bar, ah… temos de combater a obesidade, ahh… vamos construir um trem-bala”, diz o governo federal. Trem-bala faz vista, causa boa impressão e tem no Japão.. “Ah… vamos gastar uns (exatamente) 30 bilhões para unir São Paulo ao Rio”…
Ninguém quer atacar os problemas principais do País. Aí, os técnicos aparecem na TV: “Temos de terminar o Rodoanel, temos de criar novas linhas de metrô, temos de criar pedágios para o centro da cidade, temos de fazer rodízio no par ou ímpar das chapas, o dia inteiro… temos de tirar os caminhões das ruas, temos de…”
São até boas sugestões, mas elas morrem depois da entrevista, elas somem no dia a dia da preguiça burocrática. Por quê? Porque o poder político no Brasil odeia administrar, porque a coisa mais chata do mundo é cuidar do bem público. O sujeito entra para a política para subir na vida, é eleito vereador e já pensa em ser presidente.
Mas fiquemos no engarrafamento transcendental que nos ronda. A situação de São Paulo precisa despertar um sentimento inexistente entre nós: a urgência. São Paulo não é apenas um problema urbano; é um fato gravíssimo até em termos ecológicos, tão grave como o desmatamento de florestas ou a violência do tráfico. Existem milhares de motoqueiros fazendo o serviço das empresas da cidade. Dizem que morre um por dia. Chego a desejar que esses pobres homens mal pagos, batalhando na “vida lôca”, organizem um sindicato para fazer greves de “motoca”. A cidade parava. Os escritórios fechavam e talvez aí nossa burguesia alienada percebesse o drama.
Aliás, a grande dificuldade seria desfazer a aura preciosa que atribuímos aos automóveis: poder fálico, quase sexual, como vemos nos anúncios de TV, em que carrões prateados pescam louras e morenas, carros que nos trazem a ilusão de superioridade com que contemplamos com vaga malignidade os passageiros apinhados em ônibus que passam. Vai ser muito difícil convencer as classes médias emergentes a utilizarem transportes coletivos.
Talvez só um engarrafamento definitivo possa conscientizar os cidadãos da bolha brasileira a participar da vida comunitária ─ temos horror ao coletivo, somos individualistas patéticos, sem causas. Outro dia, vi no filme sobre a Pina Bausch os trens elevados que circulam em Wuppertal, na Alemanha. Movem-se suavemente sobre armações de aço que atravessam a cidade toda e devem ser muito mais baratos que os túneis cavernosos dos metrôs. São soluções civilizadas de países inteligentes. Por que não se podem fazer coisas imaginosas como essa?
Os motoristas de táxi são excelentes projetistas de soluções. Um deles me falou no meio da Marginal do Pinheiros, imprensado entre uma escavadeira e um caminhão de lixo: “Por que não fazem barcas pelos rios da cidade? Acabava esse inferno aí…”
Por que não? Ferrry boats descendo os Rios Tietê e Pinheiros… Talvez seja uma bobagem, mas é um exemplo de imaginação que nos falta. E não é só criatividade, mas também a coragem de contrariar interesses: desapropriar casas e abrir novas ruas, prejudicar, sim, gente como eu mesmo que só anda de carro, criar regras coletivas que choquem os egoístas enfatuados que somos. “Ah… não podemos fazer isso porque a gente perde votos…” Ah… bom, então danemo-nos todos.
A crise de São Paulo não é problema do município apenas; é do governo do Estado e do Planalto. Nos anos 20, o presidente Washington Luis lançou a frase famosa: “Governar o Brasil é abrir estradas”. O mesmo vale para São Paulo: governar a cidade é resolver a calamidade do trânsito. Para começar.
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/sao-paulo-e-uma-calamidade-publica-por-arnaldo-jabor/

Marina Silva: 'Jovens devem imprimir sua marca no mundo'

Entrevista

A ex-candidata à Presidência e patrona do Prêmio Jovens Inspiradores diz que novos líderes devem fazer de suas vidas uma mensagem de mudança

Nathalia Goulart
Marina Silva pede que jovens lutem por causas coletivas Marina Silva pede que jovens lutem por causas coletivas (Danilo Verpa/Folhapress)
"Os jovens têm sede de protagonismo, eles querem imprimir sua marca." A avaliação é de Marina Silva, ex-candidata à presidência da República nas eleições de 2010. Marina faz parte do grupo de patronos do Prêmio Jovens Inspiradores, parceria entre a Fundação Estudar e VEJA que vai selecionar estudantes ou recém-formados com espírito de liderança e compromisso permanente com a busca da excelência. "Eu vejo esses jovens transformadores em todos os lugares a que vou." O que falta, diz Marina, são pessoas dispostas a motivar a vontade de mudança. Faltava, pois o prêmio vai fazer sua parte: os vencedores ganharão iPads, bolsas de estudo no exterior e um ano de orientação profissional com nomes de destaque do meio empresarial e político (mentoring). Confira a seguir a entrevista que Marina Silva concedeu ao site de VEJA:
Qual a importância de um prêmio que quer revelar jovens dispostos a mudar o Brasil? Os jovens não podem se deixar prender pelo que já foi feito: sempre há espaço para quem quer mudar o mundo. Um prêmio como o Jovens Inspiradores reacende a chama inovadora, transformadora, criativa e livre do jovem. A juventude tem muito tempo pela frente, e isso lhe dá energia. Ela não tem as amarras que vão nos prendendo no decorrer da vida, matando nossos sonhos. Poucas pessoas – e tenho orgulho de me colocar nessa categoria – conseguem escapar dessa malha fina que prende e apaga os sonhos mais transformadores. Eu, que me autointitulo mantenedora de utopias, fico feliz de ver que os jovens estão livres para sonhar e transformar o Brasil e o mundo.
A senhora já percorreu milhares de municípios brasileiros, em todas as regiões do país: vê esse potencial transformador nos jovens das diversas áreas do Brasil? Eu vejo esses jovens tranformadores em todos os lugares a que vou. No entanto, não vejo muitas pessoas dispostas a dar suporte a essa geração de transformadores. A minha geração, por exemplo, teve a sorte de ter muitos suportes e conseguiu importantes conquistas com isso. Hoje, olho para o mundo e me pergunto onde os jovens vão conseguir essa sustentação para concretizar seus sonhos. Fico feliz ao constatar que esses mesmos jovens são seus próprios mantenedores. Felizmente, eles têm tido força para mostrar o quão insatisfeitos estão com o mundo em que vivem.
Qual a importância da educação na vida de um jovem que quer transformar o mundo? A educação é a ferramenta mais importante para a promoção da igualdade. Vou contar uma história que ilustra isso. Tenho um amigo que é filho de uma faxineira. Em um determinado momento, ela não conseguiu matricular o filho, então uma criança, na escola pública. Sem embaraço, ela foi à escola particular mais próxima de sua casa e pediu uma bolsa de estudos para o filho. A instituição concedeu a bolsa. Graças à generosidade dessa escola, que pode parecer diminuta para alguns, meu amigo chegou ao ensino superior e hoje é um conceituado engenheiro ambiental. O acesso à educação constrói, a despeito das diferenças próprias de nossa origem, como classe social, religião ou gênero, um ambiente em que podemos ser todos iguais. O conhecimento oferece oportunidades e permite a igualdade.
Que tipo de líder o Brasil precisa hoje? O Brasil e o mundo precisam de líderes que façam da própria vida uma mensagem de mudança. Estamos sedentos por pessoas que liderem pelo exemplo, não pela teoria.
Que conselho a senhora daria aos jovens líderes que querem fazer a diferença? Sinto que o século em que vivemos vai produzir uma nova forma de engajamento, e os jovens são precursores desse processo. Eles buscam uma nova forma de se envolver com os temas que os rodeiam. Trata-se de um engajamento mais autoral, cheio de personalidade. As militâncias já não são guiadas por partidos, sindicatos ou organizações, que colocavam os indivíduos na posição de espectadores. Os jovens têm sede de protagonismo, eles querem imprimir sua marca. A minha mensagem é que esse protagonismo seja dirigido ao bem comum. Que seja motivado, sim, pelo prazer de realização pessoal, mas também pelo coletivo.
http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/marina-silva-jovens-devem-imprimir-sua-marca-no-mundo 

Grampo da Operação Monte Carlo pega Protógenes

Política

Deputado Delegado Protógenes PCdoB/SP Nas escutas, Protógenes orienta Idalberto Matias Araújo, o Dadá, a embaraçar a investigação da PF (Beto Oliveira/Agência Câmara)
Autor do requerimento de criação de uma CPI para investigar a ligação de políticos com Carlinhos Cachoeira, acusado de comandar uma rede de jogos ilegais no País, o deputado Protógenes Queiroz (PC do B-SP) foi flagrado em pelo menos seis conversas suspeitas com um dos mais atuantes integrantes do esquema do bicheiro goiano: Idalberto Matias Araújo, o Dadá. O elo entre os dois foi revelado em grampos da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal.
Espécie de faz-tudo do esquema e conhecido araponga de dossiês políticos, Dadá esteve a serviço de Protógenes na Operação Satiagraha e, nas conversas, recebe orientações do ex-delegado sobre como agir para embaraçar a investigação aberta pela corregedoria da PF sobre desvios no comando da operação que culminou com a prisão do banqueiro Daniel Dantas -- a Satiagraha.
Os grampos da Operação Monte Carlo mostram que a proximidade de Protógenes com Dadá é suficiente para que sua autoridade para integrar a CPI seja questionada. Os diálogos revelam o empenho do deputado, delegado licenciado da Polícia Federal, em orientar Dadá na investigação aberta contra ele próprio, no ano passado.
Numa das conversas, Protógenes lembra ao araponga para só falar em juízo. "E aí, é aquela orientação, entendeu?", diz ele, antes do depoimento de Dadá. As ligações foram feitas para o celular do deputado. Fica evidente a preocupação de Protógenes em não ser visto ao lado de Dadá. Eles sempre combinam encontros em locais distantes do hotel onde mora o deputado, como postos de gasolina e aeroportos. Procurado em seu gabinete nesta terça, Protógenes não foi localizado e também não respondeu às ligações para seu celular.
Dadá foi apontado na Operação Monte Carlo -- que resultou em sua prisão e na de Cachoeira, em fevereiro -- como o encarregado de cooptar policiais e agentes públicos corruptos, de obter dados sigilosos para a quadrilha e de identificar e coordenar a derrubada de atividades de grupos concorrentes. Ele está preso desde o mês passado, acusado de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e exploração de máquinas caça-níqueis.
Em agosto do ano passado, Dadá tratou de seu depoimento no inquérito da Satiagraha com o próprio Protógenes, com o advogado Genuino Lopes Pereira e com o escrivão da Polícia Federal Alan, lotado na Coordenação de Assuntos Internos da PF(Coain-Coger), uma subdivisão da Corregedoria-Geral. O assunto é o mesmo: Dadá e Jairo Martins, outro araponga ligado a Cachoeira e que esteve informalmente sob o comando de Protógenes na Satiagraha, só deveriam se manifestar em juízo.
Se integrar a CPI para apurar os elos de Cachoeira, Protógenes investigará dois de seus colaboradores, como indicam os grampos. O advogado Genuino Pereira afirmou que não conhece Protógenes e negou que seus clientes tenham combinado a versão que dariam em depoimento à PF. Alega que eles se comportaram daquela forma por coincidência. Alan não foi encontrado no local de trabalho.
Com a imagem de quem se tornaria o "xerife" da Câmara, Protógenes foi eleito graças à carona que pegou nos 1,3 milhão de votos do palhaço Tiririca (PR-SP) para preencher o total de votos exigidos pelo quociente eleitoral de São Paulo. A iniciativa de criar uma CPI para investigar Cachoeira e seus colegas é, até agora, o auge de sua promessa de campanha.
Nos áudios da Monte Carlo, Dadá trata o deputado por "professor" e "presidente". Uma das interceptações mostra Protógenes sugerindo a Dadá que o encontre num novo hotel. "Não tô mais naquele não", avisa, num sinal de que os encontros são constantes. No grampo de 11 de agosto de 2011, acertam o local da conversa, mas se desencontram. "Tá onde?", pergunta. Dadá responde: "Em frente da loja da Fiat", ao que o deputado constata: "Ah, tá. Estou no posto de gasolina". "No primeiro?", indaga Dadá. "Isso", confirma o deputado.
(Com Agência Estado)
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/grampo-da-operacao-monte-carlo-pega-protogenes 

Senado e Câmara decidem criar CPMI do Cachoeira

Escândalo

Comissão vai investigar relação de contraventor com parlamentares. Sem acerto, Congresso poderia ter duas CPIs simultâneas sobre o mesmo tema

Gabriel Castro
CPI vai investigar relações de parlamentares com o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira CPI vai investigar relações de parlamentares com o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira (Lula Marques/Folhapress)
O Congresso deve mesmo instalar a primeira Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da atual legislatura: a CPMI do Cachoeira, como tem sido chamada provisoriamente pelos congressistas, vai investigar a relação de parlamentares com o contraventor Carlinhos Cachoeira, chefe da máfia dos caça-níqueis em Goiás. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), encontrou-se na tarde desta terça-feira com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A dupla fechou o acordo pela criação da comissão mista. Sem o acerto, o Congresso poderia ter duas CPIs simultâneas sobre o mesmo tema.
Mais cedo, líderes dos principais partidos, incluindo o PT, o PMDB e o PSDB, haviam anunciado apoio à criação da CPMI. Não deve haver dificuldades na coleta das assinaturas necessárias – 171 na Câmara e 27 no Senado, números equivalentes a um terço dos integrantes de cada Casa.
O deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) já tinha entregado à Presidência da Câmara um pedido de CPI com 181 assinaturas. Agora, o trabalho terá de ser refeito para sustentar a criação da CPMI. Antes de iniciar a coleta das assinaturas para a comissão mista, os líderes partidários devem discutir os termos usados no requerimento: alguns defendem que o texto seja o mais genérico possível, para permitir uma investigação ampla sobre as atividades de Carlinhos Cachoeira. Outros querem que o documento restrinja as atividades da CPMI às relações do contraventor com autoridades.
Tucanos – Depois de se reunir com os senadores do partido, o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), afirmou nesta terça-feira que a legenda aprovou por unanimidade a criação de uma CPI no Senado. Guerra também defendeu a fusão das comissões das duas Casas para analisar o caso. “Queremos ser ativos na investigação”, disse.
O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), foi um dos primeiros a defender a criação de uma CPMI. O coro ganhou força depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) negou ao Conselho de Ética do Senado o acesso ao inquérito envolvendo Demóstenes Torres. O ministro Ricardo Lewandowski alegou que só comissões parlamentares de inquérito podem obter esse tipo de informação.
Em nota, o PPS também defendeu a criação da CPMI. "Na avaliação do partido, a instalação de uma CPI mista, composta por deputados e senadores, terá mais condições de apurar o funcionamento de toda a rede criminosa comandada pelo empresário e contraventor, preso durante a operação Monte Carlo da Polícia Federal", diz o texto assinado pelo presidente da legenda, Roberto Freire (SP). Os líderes do PMDB e do DEM no Senado e na Câmara também se dizem favoráveis à investigação.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/senado-e-camara-decidem-criar-cpmi-do-cachoeira 

STF decide nesta 4ª se libera aborto de fetos anencéfalos

Legislação

Questão se arrasta na corte desde 2004. Hoje, a gestante precisa entrar com ação para solicitar a interrupção da gestação - mas pedido pode ser negado

Aretha Yarak
Escultura A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, no STF Escultura A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, no STF (Orlando Brito)
A partir desta quarta-feira, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm a missão de decidir sobre o aborto de fetos anencéfalos, ou seja, que possuem um defeito congênito na formação do cérebro e da medula. O diagnóstico de um feto anencéfalo feito depois das 12 primeiras semanas de gestação é hoje considerado 100% seguro. "Não há erro, o problema é diagnosticado com exames corriqueiros feitos no pré-natal", diz Thomaz Gollop, livre-docente em genética médica pela USP e coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA). A maioria dos fetos em que o problema é diagnosticado morre ainda dentro do útero, no parto, ou poucas horas após o nascimento. Além disso, a gestação de anencéfalos costuma oferecer riscos à mãe.

Direito de escolha

Cátia Corrêa Carvalho, 42 anos

"Eu tive duas gestações de anencéfalos. Na primeira, em 1993, o problema foi diagnosticado quando eu estava com cinco meses. Conforme o médico me explicava o que estava acontecendo, meu mundo ia caindo. Eu tinha 23 anos e era minha primeira gravidez. Fiquei sabendo que meu bebê poderia morrer ainda dentro da minha barriga ou logo após o parto. Eu venho de uma família católica e sou contra o aborto, mas eu não estava fazendo um aborto. Eu estava apenas tirando o meu sofrimento e o da criança... eu sentia muita dor, muita cólica e de longe dava para ver como o bebê se mexia. Eu acredito que ele estava com muita dor. Fui a primeira mulher do estado de São Paulo a ter autorização para interromper a gestação. Aos sete meses o parto foi induzido e meu bebê nasceu morto. Em 1997, na minha segunda gestação, o mesmo problema. Como demorei pra fazer os exames, descobri perto do oitavo mês e não consegui entrar com pedido de liminar novamente. Sofri demais no parto normal. Hoje, não consigo ter proximidade alguma com recém-nascidos. Acabei adotando quatro crianças, porque queria ser mãe, mas todos já estavam grandinhos. Só quem passa por isso sabe a dor de ver seu corpo mudando, se preparando para ter um filho que não vai vir. Toda mãe quer pegar um filho no colo e afagá-lo. Eu não pude fazer isso.”

Ana Cecília Araújo Nunes Silva, 46 anos

"Com 12 semanas de gestação tive a confirmação de que a Maria Tereza tinha anencefalia. O médico me disse que o melhor a fazer era abortar, porque a criança seria inviável e morreria logo após o parto. Minha mãe me teve sem exames, sem saber se eu era saudável ou não. Queria dar o mesmo a minha filha. Durante toda a gravidez fui contando lentamente para os meus três filhos que a irmãzinha deles iria nascer e morrer. Quando a bebê nasceu, os médicos comentaram que nunca tinham visto um anencéfalo chorar tão forte. A Maria Tereza ficou 15 dias na UTI e depois foi pra casa, onde viveu por quase quatro meses. Pra mim, ela sempre foi uma velinha que ia se apagando com o tempo. Sabia que ela iria ficar pouco tempo com a gente, então dei o meu melhor para ela. Hoje, sou a pessoa mais realizada do mundo. Não me arrependo de nada. Meu filhos aprenderam a respeitar a vida e as diferenças. Eu sofri sim, e muito, mas foi um sofrimento redentor."
O STF vai julgar a ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede que as grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar pela interrupção da gestação. A solicitação é antiga. Em 2004, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a conceder uma liminar autorizando o aborto terapêutico de anencéfalos, mas a decisão vigorou apenas entre 1º de julho e 20 de outubro daquele ano e beneficiou cerca de 60 mulheres.
No Brasil, o aborto só pode ser realizado em caso de estupro ou de risco para a saúde da mãe. Segundo Thomaz Gollop, a gestação de um anencéfalo pode trazer riscos à mulher, como o aumento excessivo do líquido amniótico, fazendo com que ele se acumule no útero. "Isso pode acontecer em 50% dos casos e levar o útero a ter problemas de contração após o parto, o que pode causar uma séria hemorragia", diz.
Há outras complicações, como o aumento da pressão arterial da mulher e o prolongamento do período normal da gestação. Em 25% dos casos, os fetos estão ainda em posição anormal, dificultando o parto.
Mesmo com riscos pronunciados, a gestante precisa entrar com uma ação judicial solicitando uma autorização em caráter especial para ter o direito à interrupção da gravidez. Na maioria dos casos, a liminar é concedida, mas às vezes pode ser tarde demais.
"Dependendo do local onde tramita a ação, a sentença pode demorar meses", diz Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB de São Paulo. Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) apontam que desde 1989 foram pedidas cerca de 10.000 autorizações judiciais para esses casos. Pesquisa publicada em 2009, feita com 1.814 médicos filiados à Febrasgo, indica que entre 9.730 mulheres atendidas nos últimos 20 anos com esse diagnóstico, 85% preferiram interromper a gestação.
O sofrimento psicológico das mulheres nessa situação também deve ser levado em conta (leia nesta página os depoimentos de Cátia e Ana Cecília). Os favoráveis à aprovação da lei relatam casos de depressão, de traumas irreparáveis e de mulheres que nunca mais conseguiram considerar uma nova gravidez. "Onde fica a felicidade em falar da gravidez quando o bebê dentro dela está morto ou prestes a morrer?", diz Gollop.
Vigília — Contrária à aprovação da lei, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) organizou na noite desta terça-feira uma Vigília de Oração pela Vida, em frente ao prédio do STF, em Brasília. "A vida deve ser acolhida como dom e compromisso, mesmo que seu percurso natural seja, presumivelmente, breve. (...)Todos têm direito à vida. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito", afirmou a entidade, em nota divulgada em 2008, quando foi realizada a primeira audiência pública sobre o tema.
Não é apenas a Igreja que se posiciona contra o aborto de anencéfalos. Para o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirmar que um feto é anencéfalo não exclui que ele tenha, mesmo que minimamente, atividade cerebral. "Apregoa-se que essas crianças não tenham consciência, mas há relatos de mães sobre a interação com seus filhos", diz. Segundo Nunes, bebês que choram, respiram e deglutem espontaneamente não podem ser considerados com morte encefálica.
A complicações durante a gravidez, segundo Nunes, também podem ser revertidas com o tratamento adequado. "O aumento do líquido amniótico, por exemplo, pode ser contornado com uma punção", diz. De acordo com ele, não há pesquisas científicas suficientes que comprovem um aumento da mortalidade materna nesses casos. "Pode haver complicações como em qualquer outra gestação", diz.
De fato, não há dados considerados confiáveis. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou o óbito de 544 bebês anencéfalos em 2010. Para Thomas Gollop, o número pode ser maior. "Devem nascer em torno de 3.000 anencéfalos por ano no Brasil. Muitas vezes são registrados como má formação congênita, o que pode deixar os dados oficiais subestimados. E no serviço privado certamente esses casos não são bem notificados."
http://veja.abril.com.br/noticia/saude/stf-julga-nesta-quarta-aprovacao-de-aborto-de-anencefalos