Rio de Janeiro
Em entrevista a jornalistas, Eduardo Paes (PMDB) alega que não havia sinal de “benefício pessoal” para o deputado Rodrigo Bethlem
Daniel Haidar, do Rio de Janeiro
O prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) em 2013 (Armando Paiva/Futura Press)
Na primeira tentativa de explicar o esquema de corrupção operado na Prefeitura do Rio de Janeiro pelo deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) revelado por VEJA, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) alegou neste sábado que uma auditoria do município detectou ainda em 2012 um contrato irregular fechado pelo então secretário municipal de Assistência Social. O prefeito afirmou que os recursos gastos irregularmente na ocasião foram recuperados, mas não soube dizer exatamente quanto foi reavido, nem de que maneira.
A justificativa só aumenta a necessidade de explicações, uma vez que, logo depois da tal irregularidade descoberta, Bethlem foi promovido na administração municipal. De secretário municipal de Assistência Social entre novembro de 2010 e maio de 2012, passou a secretário municipal de Governo em 2013, cargo que ocupou até abril de 2014 quando pediu exoneração para se tentar se reeleger à Câmara dos Deputados. “Não houve qualquer sinal de que havia naquele momento qualquer tipo de beneficio pessoal para o deputado Rodrigo Bethlem”, afirmou Paes em entrevista coletiva a jornalistas no Palácio da Cidade, residência oficial do prefeito. O prefeito convocou a entrevista com a preocupação de isolar a conduta de Bethlem.
Gravações telefônicas mostram que o deputado recebeu mensalmente propina da ONG Tesloo, contratada para administrar o cadastro único de programas sociais da prefeitura, usado para pagamento de programas como o Bolsa Família e o Cartão Família Carioca. Nos áudios, Bethlem discutia com a ex-mulher Vanessa Felippe sobre o pagamento de uma pensão para o sustento da casa e dos dois filhos do casal.
Apesar da amizade e da proximidade política com o deputado, Paes prometeu: “não vou passar a mão na cabeça de ninguém”. E anunciou uma auditoria especial para investigar irregularidades em todos os contratos fechados por Bethlem nas secretarias de Ordem Pública, de Assistência Social e de Governo, de 2009 a 2014. “Fiquei absolutamente estarrecido, chocado, surpreso, com o que vi. Estou determinando que a Controladoria-Geral, a Procuradoria-Geral e a Corregedoria-Geral do Município comecem uma auditoria especial sobre todos os contratos firmados pelo deputado Rodrigo Bethlem nas funções que ocupou na prefeitura”, anunciou.
Nas conversas com a ex-mulher, depois de relatar que tipo de despesas estaria disposto a bancar, Bethlem afirma que sua principal fonte de renda era um convênio da prefeitura chamado Cadastro Único. "Eu tenho de receita em torno de 100.000 reais por mês", afirma com naturalidade na gravação, explicando que do contrato retirava entre 65.000 e 70.000 reais por mês. Nomeado como secretário de Paes, Bethlem optou pelo salário maior de deputado – ou seja, só deveria ter direito a um rendimento bruto de 26.723,13 reais, equivalente a cerca de 18.000 reais mensais líquidos.
O convênio em questão foi fechado com uma ONG chamada Casa Espírita Tesloo. Mais conhecido pela sigla Cad Único, foi assinado em 2011 por 9,6 milhões de reais e tinha o objetivo de atualizar o cadastro feito pela prefeitura para 408.000 famílias receberem benefícios dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. Mas a ONG tem um histórico muito maior de contratos com a prefeitura – o que leva a crer que o assalto aos cofres públicos é ainda mais escandaloso. Desde 2009, a Tesloo faturou cerca de 72,8 milhões de reais do governo Paes para administrar abrigos e centros de acolhimento de dependentes químicos. Só de aditivos no período, foram 18, no total de 22,6 milhões de reais. Nos áudios, Bethlem explica para Vanessa que está com dificuldades de receber a mesada porque a ONG não estava prestando contas corretamente. Na ocasião, o Tribunal de Contas do Município encrencara com o convênio e travara os repasses da prefeitura: "O cara não prestou contas direito, o cara é um idiota, um imbecil. Não pude pagar, não recebi", reclama irritado para Vanessa.
Durante a conversa gravada, a existência de outra mesada para complementar a renda acaba vindo à tona, desta vez relacionada a um contrato de fornecimento de lanches nas ONGs que prestam serviço na área social. Neste caso, o rendimento é menor – cerca de 15.000 reais, conta o deputado. "Até quando? ", pergunta Vanessa. "Até quando existir convênio", responde Bethlem sem titubear. Fica acertado pelo casal, depois de alguns bate-bocas, o pagamento de cerca de 45.000 reais por mês para Vanessa. Bethlem explica na gravação que entregará um pouco menos da metade dos seus rendimentos porque precisará de dinheiro para reestruturar a sua vida. A ex-mulher aceita a oferta no fim das contas.
O pagamento da pensão era feito sempre em dinheiro vivo e entregue na casa de Vanessa pelo motorista de Bethlem. Um vídeo mostra o exato momento da entrega de uma remessa de 20.000 reais para Vanessa. A ex-mulher reclama que não aguenta mais ser paga desta forma. "Não vou mais receber dinheiro por fora e me ferrar com o imposto de renda", esbraveja para o motorista. "Já estou recebendo dinheiro por fora do Rodrigo há mais de um ano", completa.
O divórcio implodiu o casal, mas os filhos e a política jamais irão separá-los por completo. Em 1994, aos 22 anos, Vanessa elegeu-se a deputada federal mais jovem do Congresso Nacional pelo PSDB. Filha do vereador carioca Jorge Felippe, presidente da Câmara Municipal e cacique do PMDB fluminense, casou-se com Bethlem e com ele teve dois filhos. Um deles, Jorge Felippe Neto, será candidato a deputado estadual este ano, o que revoltou a mãe, que também pretendia voltar para a política e se candidatar a federal pelo PSL, roubando votos em redutos do ex-marido. A ideia de colocar o jovem de 22 anos na política foi da dupla Jorge Felippe e Bethlem, que mantêm excelentes relações mesmo com o divórcio .