Já faz algum tempo que todos temos a certeza de que Rodrigo Janot iria apresentar a denúncia contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. E também já faz tempo que o PT e as esquerdas marcaram para o dia 20 a marcha em defesa do governo e “contra o golpe”.
Pois bem: todos sabem que a denúncia contra o deputado estava, quando menos, pronta desde ontem. Tanto é que seu conteúdo vazou. Intuo, aliás, que Janot a tinha na cabeça há muito mais tempo.
Ninguém é ingênuo nessa história — e o procurador-geral é o menos ingênuo de todos. Retardasse em um dia a sua decisão, ou a antecipasse em um, já que estava tomada havia muito, e a denúncia contra o inimigo jurado do PT e de Dilma não viria à luz ao mesmo tempo em que os “companheiros” tomam as ruas com seu pequeno exército.
Ora vejam: é claro que, para Dilma, é, como posso escrever?, um prazer ver os vermelhos na rua em sua defesa, no mesmo dia em que se vende ao país a falsa verdade de que Cunha é a grande estrela do petrolão.
ATENÇÃO! ELE PODE SER CULPADO DE TUDO O QUE ESTÁ NA DENÚNCIA, E NÃO SERÁ, NEM ASSIM, A PERSONAGEM PRINCIPAL DO PETROLÃO.
Os burros e dos de má-fé, e essas coisas não se excluem, confundem ou tentam confundir essa observação com a defesa de Cunha? Eu? Não mesmo! Ele tem bons advogados para isso. Cumpro a minha obrigação ao apontar que Janot não procurou evitar a coincidência. Isso é fato. Na verdade, acho que ele a procurou — e isso é uma conjectura ancorada da lógica. Ou ele não lê o noticiário?
Há um óbvio roteiro político nessa sequência, que começou a ser escrito quando se decidiu transformar duas figuras do PMDB em peças-chaves do petrolão, como se fossem suas figuras de maior expressão: a outra é Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado. Mas esse ganhou uma folga, não é?, depois que se transformou num neoconvertido entusiasmado.
Cunha já seria tema dos protestos a favor do governo, ainda que não estivesse sendo investigado. Afinal, andou aplicando derrotas ao petismo — algumas delas de caráter verdadeiramente salvador, como a aprovação do que se chamou toscamente de PEC da Bengala (deixo para outro post).
Entregar uma pauta como a denúncia contra Cunha no dia da passeata do PT é daquelas decisões que poderiam ser consideradas quase obra de militância.
Ah, sim: se Cunha está sendo satanizado pelos petistas na rua, os valentes, no entanto, não dizem uma vírgula sobre Collor. Afinal de contas, este, sim, tem sido um fiel aliado do governo e óbvio adversário da Lava-Jato. E, por óbvio, o arremate do cálculo do procurador-geral, já disse aqui, está em associar, ainda que em casos, distintos, Cunha e o odiado Fernando Collor — este, também, um ferrenho crítico de Janot.
O procurador-geral, obviamente, soube jogar muito bem com o calendário.
“Ah, está dizendo que Cunha é inocente?” Só um quadrúpede leria isso aqui. Estou dizendo que houve uma gestão política da denúncia, mesmo que ela diga a mais pura verdade. O fato de uma denúncia, qualquer uma, só trazer fatos não exclui a manipulação.
O juiz federal Sergio Moro, que conduz as ações da Operação Lava Jato, viu indícios de plágio em dois documentos apresentados a ele pela defesa de Ana Cristina Toniolo, filha do presidente licenciado da Eletronuclear, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. Papéis em nome da Aratec Engenharia, empresa controlada por Ana Cristina e pelo pai, foram anexados aos autos com o objetivo de justificar serviços prestados. A Lava Jato suspeita que 4,5 milhões de reais depositados na conta da Aratec têm origem em propinas para o almirante no âmbito das obras de Angra 3.
"Apesar da oportunidade concedida para eventual comprovação de causa lícita para os pagamentos a Aratec, foram apresentados documentos aparentemente fraudulentos a este Juízo para comprovar a prestação de serviço pela Aratec a suas contratantes, inclusive com reprodução de material simplesmente copiado da rede mundial de computadores e com afirmação falsa de que teriam sido produzidos pela Aratec", apontou o magistrado.
O almirante Othon Luiz foi preso temporariamente em 28 de julho, na Operação Radioatividade, 16º capítulo da Lava Jato. Na sexta-feira, Moro decretou a prisão preventiva do presidente licenciado da Eletronuclear amparado em documentos que revelam ativos custodiados em Luxemburgo, em nome de offshores sediadas em Hong Kong e no Uruguai cujo detentor dos direitos econômicos seria o presidente da Eletronuclear.
A propina de empreiteiras para o almirante teria transitado por contas de empresas de fachada antes de aportar no caixa da Aratec. "Os documentos apresentados pela defesa de Ana e Othon, no prazo fixado pelo Juízo, não comprovam a efetiva prestação de serviços pela Aratec a CG Consultoria, ao contrário, aparentam ser fraudulentos, em tentativa de ludibriar este Juízo", afirmou Moro.
A CG Consultoria é uma das empresas suspeitas de terem repasso propina à Aratec, por meio de contratos frios. Othon Luiz e a filha afirmam que os contratos firmados entre a Aratec e as empresas intermediárias são verdadeiros. A defesa de ambos sustenta que houve efetiva prestação de serviço e que os valores seriam referentes a traduções feitas por Ana Cristina.
"A defesa de Ana Cristina apresentou, para comprovar os serviços, dois artigos escritos, sem identificação do autor específico, mas com o timbre da Aratec, e aparentes projetos da Aratec, mas sem qualquer elemento que possibilite afirmar sua autenticidade, ou esclarecimentos essenciais como para quem foram feitos, quando foram feitos e a que eventuais contratos estariam vinculados. Em um exame sumário do material apresentado, o texto dos dois referidos projetos aparenta ser bastante similar, apesar de mudança dos nomes envolvidos no projeto", observou o juiz da Lava Jato.
O magistrado destacou: "Em exame sumário do material apresentado, o texto do artigo apresentado pela defesa de Ana Cristina para comprovação dos serviços da Aratec ("Processos de produção de combustíveis sintéticos: Análise das trajetórias tecnológicas") é, em princípio, mera reprodução de artigo que pode ser encontrado na rede mundial de computadores e foi escrito por F.B.D., J.V.B., E.L.F. de A. e R.B., sendo apresentado no 2º Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás, sem qualquer relação o texto original com a Aratec, Othon Luiz ou Ana Cristina."
Na avaliação do juiz da Lava Jato, "o mesmo ocorre com o artigo apresentado pela defesa de Ana Cristina com o título 'Electromechanical Assemblage of Fuel Activation Device, também apresentado para comprovação dos serviços prestados pela Aratec, cujo texto foi, em princípio, copiado literalmente da rede mundial de computadores, não tendo também o texto original qualquer relação com a Aratec, Othon Luiz ou Ana Cristina".
Othon Luiz foi presidente da Eletronuclear entre 5 de outubro de 2005 e 29 de abril de 2015, quando licenciou-se do cargo. Para a Polícia Federal, ele se afastou em decorrência de notícias sobre o possível envolvimento da Eletronuclear na Lava Jato.
"O afastamento do cargo público em nada altera o risco à instrução ou investigação, pois a produção de documentos falsos pode ser feita fora da Eletronuclear", sustenta o juiz da Lava Jato. A reportagem tentou contato com as defesas de Othon Luiz e de Ana Cristina, mas não houve retorno.
Rodrigo Janot acusou o presidente da Câmara de corrupção e lavagem. Denúncia pressiona o peemedebista e deve ampliar a guerra em Brasília
O procurador-geral da República Rodrigo Janot apresentou nesta quinta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) as primeiras denúncias contra parlamentares acusados de envolvimento no propinoduto da Petrobras. O principal alvo foi o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), denunciado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Também foram denunciados o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) - corrupção e lavagem - e a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), atual prefeita de Rio Bonito (RJ) - corrupção passiva.
Apesar da denúncia, Janot não pediu ao Supremo que afaste o peemedebista da presidência da Câmara. Mas destacou que, além da condenação criminal, a corte deve impor a restituição de 40 milhões de dólares classificados como "produto e proveito dos crimes", e outra parcela, no mesmo valor, como reparação dos danos causados à Petrobras e à administração pública - no total, 277 milhões de reais, conforme cálculo do MPF.
O oferecimento da denúncia à Justiça não significa que dois sejam culpados, e sim que os investigadores apontam indícios robustos de que os políticos se beneficiaram do esquema de corrupção e fraude em contratos da Petrobras. O próximo passo é a defesa de ambos se manifestar e apresentar documentos e provas que possam refutar a acusação. O Ministério Público também terá prazo para rebater os argumentos dos advogados. O processo contra Collor será julgado na 2ª Turma do Supremo, enquanto o de Eduardo Cunha, por ser presidente da Câmara, será analisado pelos onze ministros que compõem o Plenário do Supremo. Não há data para o julgamento das denúncias.
Segundo na linha sucessória da República e responsável por dar seguimento a eventuais pedidos deimpeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Eduardo Cunha é a principal pedra no caminho do Palácio do Planalto desde que assumiu o cargo. O embate piorou recentemente quando o lobista Julio Camargo, em acordo de delação premiada, acusou o peemedebista de ter embolsado 5 milhões de dólares do propinoduto. Cunha aponta digitais do governo para arrastá-lo ao centro do petrolão. Também acusa o procurador-geral, Rodrigo Janot, de perseguição como parte de um "acordão" com o Palácio do Planalto.
Desde que as denúncias contra ele ganharam força, o peemedebista tem afirmado que não se afastará do cargo. Seus adversários aguardavam, inclusive, que a saída da cadeira fosse recomendada pelo Ministério Público. Porém, neste momento, os investigadores avaliam que o pedido provocaria um novo choque entre Poderes: no Congresso Nacional, a maioria dos líderes defende que a saída ou não do cargo é uma prerrogativa do Legislativo. Ou seja, no entendimento dos congressistas, só há dois caminhos possíveis para que isso ocorra: 1) se o próprio deputado renunciar à cadeira; ou 2) como resultado de um longo processo de cassação do mandato.
Denúncia - As primeiras referências ao envolvimento de Eduardo Cunha no petrolão apareceram em 13 de outubro de 2014, quando o doleiro Alberto Youssef prestou depoimento no acordo de delação premiada e implicou o peemedebista em um esquema de pagamento de dinheiro sujo para viabilizar contratos de empresas privadas com a Petrobras. Segundo o delator, nas negociações para o aluguel de um navio plataforma da Samsung Heavy Industries para a Petrobras, "foi demandado que Julio Camargo repassasse para o PMDB percentual [de propina] que se destinava a pagamento de vantagem indevida a integrantes do partido PMDB, notadamente o deputado federal Eduardo Cunha". Youssef também informou que "diante da paralisação do pagamento das comissões", Cunha articulou na Câmara dos Deputados a apresentação de pedidos de informações envolvendo a Petrobras, a Mitsui e a Toyo Setal como forma de pressionar Julio Camargo a depositar a propina.
O ex-policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como Careca e um dos carregadores de propina de Youssef, também afirmou em depoimento que fez entregas de propina em um endereço de Eduardo Cunha. Mas a situação se tornou insustentável mesmo com o depoimento de Julio Camargo ao juiz Sergio Moro no dia 16 de julho. Segundo o delator, o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano e apontado como o operador do PMDB no escândalo do petrolão, foi o primeiro a repassar, em nome de Cunha, a reclamação de um "débito" de 5 milhões de dólares.
Para viabilizar o pagamento, Julio Camargo fez uma alteração no sistema usual de repasse de propinas a agentes políticos do PMDB e, em vez de utilizar unicamente os serviços de Fernando Baiano, chamou o doleiro Alberto Youssef para entrar na transação. Com isso, afirmou, cerca de 10 milhões de dólares a serem rateados entre Eduardo Cunha e Baiano foram pagos por meio de depósitos a Youssef em operações com a empresa de fachada GFD, transações no exterior e pagamentos diretos a empresas de Fernando Baiano. A riqueza de detalhes é impressionante: de acordo com o delator, parte do dinheiro da propina foi pago por meio de três depósitos indicados por Youssef em 20 de outubro de 2011. Na transação foram utilizadas as empresas Vigela, de Julio Camargo, para as empresas REY, RFY e DGX. Dois depósitos foram no valor de cerca de 2.350.000 dólares e outro de 400.000 dólares. Ainda houve transferências para igreja vinculada a Eduardo Cunha, sob a falsa alegação de que se tratava de doações religiosas, pagamentos à empresa Technis, de Fernando Baiano, no valor de 700.000 reais e depois nove pagamentos à empresa Hawk Eyes no valor de 3,2 milhões de reais.
Afastamento - Apesar de não constar da denúncia, é possível que o MP peça no futuro o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara. Se isso ocorrer, o STF deve decidir se, neste caso específico, cabe a interferência do Poder Judiciário no Legislativo. O caminho para o pedido de afastamento do posto mais importante da Câmara foi sedimentado nos últimos dias quando Janot encaminhou ao Supremo parecer em que afirma que o peemedebista tem misturado seus interesses privados com a Câmara como instituição pública, utilizando a Advocacia-geral da União (AGU) e a própria Câmara como parte interessada no processo em que é suspeito de ter recebido propina do petrolão.
Para o eventual afastamento, juristas consideram que poderia ser invocado o artigo 319 do Código de Processo Penal como base legal para retirar temporariamente o parlamentar da presidência da Câmara - e não do mandato. O artigo estabelece a possibilidade de "suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais". Neste contexto, as suspeitas de que Eduardo Cunha tenha utilizado a aliada Solange Almeida para apresentar requerimentos de informação e pressionar o lobista Julio Camargo para o pagamento de propina podem ser interpretadas como a utilização do cargo para a prática de crimes.
Uma outra possibilidade para o futuro de Eduardo Cunha está embasada no artigo 53 da Constituição, que prevê que os deputados poderiam, no limite, suspender o andamento de uma eventual ação penal contra o peemedebista. Essa hipótese, considerada remota, estabelece que, depois de recebida a denúncia, um partido político pode pedir a suspensão do processo no STF.
Collor - No caso de Fernando Collor, também denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, as evidências são fartas. Em acordo de delação premiada, o doleiro Alberto Youssef apontou o senador alagoano como beneficiário de propina em uma operação da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. A distribuição do dinheiro sujo contava com a participação do ex-ministro de Collor, Pedro Paulo Leoni Ramos, dono da GPI Investimentos e amigo de longa data do senador. Na triangulação do suborno, foi fechado um contrato com uma rede de postos de combustível de São Paulo e que previa a troca de bandeira da rede, para que o grupo se tornasse um revendedor da BR Distribuidora. O negócio totalizou 300 milhões de reais, e a cota de propina, equivalente a 1% do contrato, foi repassada a Leoni Ramos, que encaminhava finalmente a Collor. Na explosiva delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, Fernando Collor também foi citado como o destinatário de 20 milhões de reais em propina, pagos pela construtora entre 2010 e 2012, para que o senador defendesse interesses da companhia com a BR Distribuidora.