domingo 28 2013

A difícil conquista de Dorival Caymmi


Inveja, ciúmes, indiferença... Livro conta como foi a chegada do baiano ao Rio

Julio Maria - O Estado de S.Paulo
Dorival Caymmi deitava na rede com a cabeça quente. Ao contrário da ideia de que tudo lhe chegava pelas mãos do vento, de que sua vida foi uma eterna tarde à sombra de um coqueiro em Itapuã, Caymmi sofreu calado. Sua chegada ao estrelato na voz de Carmen Miranda cantando O Que É Que a Baiana Tem?, em 1938, lançada no filme Banana da Terra, o fez vítima duas vezes: Carmen - não havia como ser o contrário - ofuscou a relevância de Caymmi. Diante do carisma avassalador da ‘pequena notável’, pouca gente queria saber que cabeça estava por trás daquelas canções. E O Que É Que a Baiana Tem? foi só o começo. Menos de um ano depois, em 1939, Carmen embarcou para os Estados Unidos levando mais três composições na bagagem: A Preta do Acarajé, Roda Pião e O Dengo (lançado em 1941). Nos anos em que autor de música mal recebia direito autoral, Caymmi sentia o peso da indiferença ao seu nome no mundo novo que Carmen conquistava.
O cantor e compositor baiano Dorival Caymmi em 1997 - Tasso Marcelo/AE
Tasso Marcelo/AE
O cantor e compositor baiano Dorival Caymmi em 1997
A classe dos compositores do Rio de Janeiro também não recebeu o baiano com um festival de acarajés. Afinal, como é que um sujeito de fala mansa saía das terras lá de cima cheio de risinhos para ganhar Carmen logo na chegada? Notas em jornais o desqualificavam de tal forma que o periódico O Imparcial, da Bahia, assumiu sua defesa, questionando "de onde poderia sair tamanha resistência?". Caymmi incomodava o mundo sem mover um fio do seu bigode.
O Que É Que a Baiana Tem? pisou também no pé de Ary Barroso. A música para o filme Banana da Terra seria A Baixa do Sapateiro, de Ary, se ele não tivesse pedido um aumento em seu cachê por saber que os direitos da canção passariam a ser do produtor Wallace Downey assim que o filme fosse lançado no exterior. Ary saiu da jogada e Caymmi entrou. Ganhou a gravação de Carmen e a ira de Ary. O jornalista e compositor Antonio Maria quis saber de Ary o que ele achava do baiano. "Ele veio ruim da Bahia, só melhorou no meio do caminho...", disse. E o acusou ainda de ter praticado plágio. Jogou tão baixo que teve de reconhecer depois que foi longe demais. Já nos fins dos anos 90, quando a neta Stella Caymmi o entrevistou para lançar a biografia Dorival Caymmi, O Mar e o Tempo, o compositor disse que se ressentia sobretudo de episódios do início de carreira. "Ele sentia não ter tido sua importância reconhecida."
Stella volta agora às memórias do avô com O Que É Que a Baiana Tem - Dorival Caymmi na Era do Rádio, uma detalhada pesquisa que traça um momento histórico de vitórias e percalços de um dos maiores compositores brasileiros. Caymmi foi atormentado, sofreu pressões de diferentes grupos da sociedade dos anos 40 e 50 e foi atingido por ciúme, inveja e indiferença mesmo depois de cair nas graças de Carmen Miranda.
Seu primeiro contrato com uma gravadora veio logo depois do estouro da Baiana, uma experiência que o deixou traumatizado. A Odeon estipulava simplesmente seis sucessos obrigatórios por ano. Que Caymmi se virasse para fazer outras baianas virarem fenômeno de vendas. O compositor olhou aquilo desconfiado: "Isso não vai dar certo e você vai me mandar embora", disse aos diretores da companhia. A profecia se cumpriu em 1941. Uma história conta que a Odeon o demitiu por sua demora em criar novas músicas. O fato é que, no olho da rua, Dorival Caymmi voltou aos diretores da Odeon apenas para lembrar: "Eu disse que isso não iria dar certo".
Stella tem suas desconfianças sobre as razões que teriam motivado Villa-Lobos a desencorajar Caymmi dos estudos de música. O interessante do trabalho do baiano era seu primitivismo, defendia Villa. Logo, interferências a ele com conceitos acadêmicos poderiam colocar em risco sua autenticidade. Mais tarde, Caymmi contou à neta que seu sonho era estudar música. "E desde quando estudo atrapalha?", questiona Stella.
Em 2014 serão celebrados os 100 anos de nascimento de Dorival, morto em 2008. Dentre os lançamentos, um disco em família (gravado por Nana, mãe de Stella, Danilo e Dori), que também será lançado em DVD, trará uma canção inédita. Cantiga de Cego foi feita em parceria com o poeta Jorge Amado para ser trilha da adaptação teatral de seu livro Terras do Sem Fim. Mais do que suscitar revisionismos, 2014 pode ser a chance para se colocar o pingo certo no único i de Caymmi.

Tensão e sensibilidade


Mostra no Louvre retrata a Alemanha como um \"vizinho sinistro, sombrio e perigoso\" e azeda relações já delicadas

Sheila Leirner / Paris - Especial para O Estado de S. Paulo

Enquanto o jornal Le Monde divulga um texto "contra a Europa do rigor", que o Partido Socialista francês apresentará denunciando a "intransigência egoísta de Merkel", no campo da cultura, importantes jornais alemães como o Die Zeit denunciam a exposição Da Alemanha, de Friedrich a Beckmann, inaugurada no final de março no Museu do Louvre, como um "ultraje nacional". É guerra! Europa do sul contra Europa do norte, latinos contra germânicos. Decididamente, as coisas vão tão mal nas relações franco-alemãs neste momento que os dois países não podem mais se ver nem "pintados".
Obra de Caspar David Friedrich - Divulgação
Divulgação
Obra de Caspar David Friedrich
Museu do Louvre germanófobo? Não exageremos. Certamente foi com a melhor das intenções que o museu organizou esta mostra no âmbito oficial da comemoração do tratado de amizade entre os dois países, assinado em 1963 por Charles de Gaulle e Konrad Adenauer. E foi com um enorme esforço que conseguiu reunir quase 300 obras de qualidade.
O problema é que, de fato, ao querer revelar aos franceses a identidade de um país (que já possui uma história complicada) por meio de obras que se desenvolvem dentro de uma lógica própria e absolutamente "nacional", os curadores forçosamente estabeleceram uma leitura teleológica de ligação direta com o nacional-socialismo. Nem as manifestações libertárias, revolucionárias, cosmopolitas e internacionalizantes de Bauhaus, Dada, expressionismo inicial, Der Blaue Reiter, estão presentes para não estragar essa visão identitária, em bloco, desejada pelos curadores.
Mesmo o período escolhido - de 1800 a 1939 - foi infeliz e parece tendencioso. O afivelamento da mostra, então, é mais que duvidoso: um filme da cineasta nazista Leni Riefenstahl, a preferida de Hitler, e O Inferno dos Pássaros, uma tela emblemática de Max Beckmann. Esta obra premonitória, à altura da Guernica de Picasso, contém todo o simbolismo do horror. O público sai da exposição convencido de que os românticos já anunciavam a catástrofe hitleriana e que há quase dois séculos a Alemanha estava realmente predestinada ao nazismo.
Não é por acaso que os críticos alemães denunciaram um "escândalo político-cultural" e acusaram o Louvre de "construir" a história do país corroborando os clichês dos franceses que o designam como "um vizinho sinistro, sombrio, romântico e perigoso". Se, na cabeça destes críticos, a visão identitária da nação alemã não existe pois sabe-se que os intelectuais alemães são um pouco amnésicos, como é que os franceses podem "pretender compreender o que é a Alemanha" e, ainda por cima, por meio de sua arte
E não é só isso. Sabe-se também que os franceses são jacobinos. A França é um país centralizado, com uma identidade monobloco, definida e simples. A Alemanha, não. A história dela é fragmentada e complexa, nasce de reinos e principados. Geográfica e politicamente ela é policêntrica. Pode-se dizer que a unidade alemã só começou a existir realmente em 1989, com a queda do muro de Berlim. Querer reduzir aquele país a uma "identidade" monolítica como a França, simplificando-o numa exposição, é um erro muito grande.
Outros pintores, que poderiam perfeitamente ser vistos sob uma perspectiva europeia, tanto quanto Beckmann, ficam restritos à "questão alemã". Assim, a exposição divide-se em três partes: Apolo e Dioniso, Paisagem como História e Ecce Homo. A primeira é marcada por uma aspiração profunda à arte italiana e aos temas gregos. Na segunda, está Caspar David Friedrich, o pintor mais influente da pintura romântica alemã. E o último segmento lida com os traumatismos da 1ª Guerra.
Trata-se de uma belíssima e rica exposição. Quais as outras razões, então - além das formuladas acima - para tal escândalo político-cultural que ocupa páginas e páginas de jornal?
Creio que podemos encontrar ainda dois outros motivos. Primeiro, enquanto na França o olhar sobre o nazismo é, apesar de tudo, bastante neutro, na Alemanha esta parte da história continua uma ferida aberta. O segundo motivo é ainda mais atual. Nesta crise que atravessa a União Europeia, aumentaram as tensões entre a Alemanha e seus parceiros. Um número cada vez mais importante de alemães se recusa em pagar pelos outros europeus, enquanto que mais e mais europeus apontam a Alemanha como a responsável pela austeridade que se abate sobre eles. Estas tensões só exacerbaram a suscetibilidade própria dos alemães aos quais o Louvre apresentou um espelho desastrado, tentando assimilá-los ao nazismo.

Deputados querem poder para mudar decisões do STF


Bancadas evangélica e católica ajudam a aprovar texto na CCJ, a fim de combater ‘ativismo judiciário’ em questões como aborto

Eduardo Bresciani, do estadão.com.br
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta quarta-feira, 25, proposta de emenda constitucional que permite ao Congresso sustar decisões do Judiciário. Nesta quinta-feira, 26, o Legislativo só pode mudar atos do Executivo. A proposição seguirá para uma comissão especial.
Ministros do STF durante o julgamento da ação que pedia a liberação do aborto - André Dusek/AE
André Dusek/AE
Ministros do STF durante o julgamento da ação que pedia a liberação do aborto
A polêmica proposta foi aprovada por unanimidade após uma articulação de deputados evangélicos e católicos. Para eles, a medida é uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal, que legalizou o aborto de fetos anencéfalos. Se a regra já estivesse em vigor, os parlamentares poderiam tentar reverter a permissão de interromper a gravidez nesses casos.
O texto considera de competência do Congresso sustar "atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". Além de resoluções de tribunais e atos de conselhos, há deputados que acham ser possível sustar decisões do Supremo com repercussão geral e até súmulas vinculantes.
Autor da proposta, o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), argumenta que o Legislativo precisa ser o poder mais forte da República, por seu caráter representativo, e que decisões do Judiciário nos últimos anos têm ido além do que diz a Constituição.
"O Poder Judiciário - que não foi eleito, é nomeado - não tem legitimidade para legislar. É isso que desejamos restabelecer para fortalecer o Legislativo", alega Fonteles. "Aliás, fomos nós que fizemos a Constituição."
O relator da proposta na CCJ, Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS), destaca que a possibilidade em discussão não abrange julgamentos específicos dos tribunais, mas casos em que o Judiciário ultrapasse sua função ao determinar novas regras.
O coordenador da bancada evangélica, João Campos (PSDB-GO), diz que o objetivo é enfrentar o "ativismo judiciário". "Precisamos pôr um fim nesse governo de juízes. Isso já aconteceu na questão das algemas, da união estável de homossexuais, da fidelidade partidária, da definição dos números de vereadores e agora no aborto de anencéfalos."
Montesquieu. O líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), entende que a proposta viola a harmonia entre os Poderes. "Montesquieu deve estar se agitando na tumba", brincou, em referência ao teórico da separação dos poderes. Alencar avalia que a proposta pode prosperar, por causa do desejo da Casa de reagir a algumas posições do Judiciário. "Essa proposta é tão irracional e ilógica quanto popular e desejada aqui dentro. Vai virar discurso de valorização do Legislativo."
Apesar da aprovação por unanimidade na CCJ, o caminho para transformar a proposta em marco legal é longo. Depois da comissão especial, o texto precisa ser aprovado no plenário da Câmara em dois turnos, por 308 deputados. Depois, a proposta seguirá para o Senado.