Ato na Avenida Brasil lembrou das dez vítimas durante a incursão do Bope na comunidade, na noite de 24 de junho
Marcos de Paula/AE
"Manifestantes deitaram no chão para lembrar mortes"
RIO - Moradores de favelas do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, e integrantes de ONGs realizaram neste terça-feira, 2, uma manifestação na Avenida Brasil em memória dos dez mortos durante a incursão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar na comunidade na noite do dia 24 de junho. Cerca de 5 mil pessoas, segundo estimativa da PM, ocuparam a pista lateral sentido centro-zona norte por cerca de uma hora e meia para participar de um ato ecumênico contra a violência policial, que terminou às 18h. Mais cedo, um dos organizadores havia avaliado o público em 2 mil pessoas.
Moradores carregavam cartazes com os nomes dos mortos. Atores com os rostos cobertos deitaram na pista da avenida para encenar os assassinatos. Velas foram acesas e muitos vestiam camisetas pretas com a frase "Estado que mata, nunca mais!". Uma grande faixa com a mesma frase foi estendida no carro de som estacionado na esquina da avenida com a rua Teixeira Ribeiro, um dos acessos mais movimentados à favela. "A Maré resiste!", gritavam.
Além da investigação e da punição dos responsáveis, manifestantes exigiam um pedido de desculpas do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) ela chacina. No dia 24, um grupo não identificado realizava roubos na Avenida Brasil e, segundo a PM, teria corrido para a Maré pela Rua Teixeira Ribeiro. O Bope iniciou então uma incursão, oficialmente em resposta aos roubos, e um sargento foi baleado e morto. A partir daí,moradores relataram ter testemunhado cenas de terror dentro da comunidade. Nove foram assassinados.
A diretora da ONG Redes da Maré, Eliana Silva, disse que um dos objetivos do ato era "forçar o governador a fazer um pedido de desculpas". "Não dá para ter respeito só onde tem UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). A cidade toda precisa ser respeitada", declarou.
O diretor da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque, criticou o que classificou de "estratégia da guerra e do terror nas favelas". A presidente da associação de moradores da comunidade Nova Holanda,Andreia Matos, disse que as famílias ainda estão chorando pelas mortes e pediu: "Queremos que o governador nos escute e peça desculpas para a comunidade."
Referindo-se às UPPs, o sociólogo Luiz Eduardo Soares disse que "é como se hoje tivéssemos um biombo para turistas, uma vitrine civilizada que esconde a realidade dramática que continua ocorrendo em outras áreas da cidade". Um dos organizadores do ato, Jaílson de Souza e Silva, da ONG Observatório de Favelas, afirmou que a PM é "um instrumento" e que o governador e o secretário estadual de Segurança,José Mariano Beltrame, "devem assumir responsabilidades pelo que ocorreu".
Os organizadores anunciaram que representantes de partidos políticos não subiriam ao carro de som. No fim do ato, o MC PH puxou um "Fora, Cabral" e foi acompanhado pelos manifestantes. O ato teve a participação de integrantes da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Paulo Betti, entre vários outros atores, artistas e ativistas. PMs do 22.º Batalhão acompanham, de longe, a manifestação.