Entrevista: Ashley Brown
O especialista da Universidade de Harvard acredita que a única forma de garantir energia no curto prazo é desburocratizar a exploração de gás natural para tornar o abastecimento das termelétricas menos oneroso ao bolso do consumidor
Naiara Infante Bertão
Ashley Brown, Diretor Executivo do Grupo de Política de Energia Elétrica da Universidade de Harvard (Ahmet Bolat/Anadolu Agency/Getty Images)
Diante da encruzilhada em que o Brasil se encontra na questão energética, tornar o mercado de gás natural mais eficiente e competitivo é imperativo. É o que acredita Ashley Brown, um dos maiores especialistas em regulação energética dos Estados Unidos e diretor do grupo de política energética da Universidade Harvard. Segundo ele, no curto prazo, nenhuma medida seria mais auspiciosa do que garantir a entrada do setor privado no setor de gás, para que o abastecimento das térmicas não seja tão oneroso ao consumidor. Segundo o especialista, o Brasil é caso único entre as grandes economias quando se trata de entraves para a atuação do setor privado no mercado de gás. No longo prazo, a meta, diz ele, é investir em fontes renováveis e diversificar a matriz energética para que o fantasma do racionamento não volte a assombrar o país. “As vastas fontes hídricas do Brasil criaram uma sensação ilusória de conforto. Mas é preciso cair na real”, afirma. Ele diz que as privatizações do setor, feitas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ajudaram a melhorar a infraestrutura. Mas que o país não pode parar no tempo. "Há 12 anos, foi feito um bom trabalho no setor elétrico, construindo infraestrutura de geração maior. Mas, agora, as coisas mudaram e é preciso trazer maior flexibilidade e eficiência para o sistema", diz.
O Brasil se iludiu ao pensar que seu potêncial hídrico assegurava o seu futuro energético? Precisamos olhar para isso sob duas óticas: econômica e de segurança energética. A matriz brasileira não é muito diversificada. O problema é que já não é mais possível construir projetos de hidrelétricas com grandes reservatórios, devido ao impacto ambiental. Assim, em período de chuvas mais escassas, como vemos agora, não há uma grande capacidade de armazenamento de água. Então, com a proporção entre a demanda e a capacidade de armazenamento cada vez menor, há uma queda considerável na segurança energética. E é justamente isso que pode trazer impactos econômicos para o país, já que o setor industrial precisa de energia para prosperar. E a insegurança nesse setor é mais um fator que espanta investimentos. Há algumas coisas que poderiam ser feitas, como, por exemplo, investir mais em energia solar e eólica. Essas fontes são importantes porque ajudam a preservar os reservatórios. Mas também têm limitações porque dependem de recursos naturais. Então, hoje, a solução de curto prazo é a geração térmica, que é mais cara e enfrenta muitos entraves, pois o mercado de gás natural é disfuncional.
Por quê? Porque não é um mercado aberto. O gasoduto é um gargalo porque restringe o acesso do mercado ao gás natural. Se uma mesma companhia, no caso a Petrobras, controla o acesso ao gasoduto e também comercializa o gás, qual é a chance de competição? E é isso que acontece no Brasil. Se uma empresa controla o acesso ao gasoduto, ela tem o poder de manter competidores fora do mercado. Há uma perspectiva de abertura desse mercado no longo prazo, mas o próprio processo de concessão para exploração dos campos é burocrático, demorado, e avesso a novos players. E isso é uma pena, porque foram justamente os novos que descobriram como explorar o xisto nos Estados Unidos. Ao impedir a abertura do mercado, o governo também impede a inovação. Os poucos que conseguem ter sucesso no processo de concessão, precisam se associar à Petrobras. O Brasil é caso único entre as grandes economias que têm o sistema de exploração de gás tão atrasado e que, além de tudo, permite o monopólio prático tanto da do petróleo quanto do gás.
A solução seria privatizar? Certamente a entrada do setor privado seria uma boa saída, mas devido à complexidade do tema no Brasil, já seria de grande ajuda se houvesse ao menos a reestruturação do setor e o descolamento entre os donos de gasodutos e os comercializadores de gás. Há outras coisas que poderiam facilitar esse mercado e tornar o gás mais barato, o que baratearia a energia das térmicas. Uma delas é tornar o uso dos dutos mais eficiente, permitindo a passagem de petróleo e gás pelo mesmo local. Com isso, é possível baratear o custo de extração e aumentar a flexibilidade de tarifação desse produto. É importante trazer mais flexibilidade para o sistema. Há 12 anos o Brasil fez um bom trabalho no setor elétrico, construindo uma infraestrutura de geração maior. Mas, agora, as coisas mudaram e é preciso trazer maior flexibilidade e eficiência para o sistema.
A era das hidrelétricas definitivamente acabou? Não deve haver uma mudança drástica e rápida na matriz. A energia hidrelétrica continuará a ser importante. Mas temos preocupações políticas e ambientais que limitam a expansão desse setor. Se você não pode construir mais reservatórios, tem de achar outras fontes para complementar a geração. O investimento em térmicas e a reforma do mercado de gás natural são o melhor caminho no curto prazo. No longo prazo, investir em eficiência e diversificação de fontes é fundamental. O Brasil fez um bom trabalho na sua matriz energética no passado, mas agora é preciso modernizá-la.
Tanto a ampliação dos reservatórios quanto o uso de gás natural causam problemas ambientais. Há como ter segurança energética sem retroceder na questão do meio-ambiente? Todas as fontes de energia têm efeitos ambientais. Mesmo as limpas. O imperativo é que haja um equilíbrio entre as consequências adversas da geração de energia com a realidade econômica de cada país. Não se pode ficar com escassez ou racionamento se o objetivo é crescer. Diante desse impasse, o Legislativo precisa criar um mercado que minimize o risco ambiental, ou recompense o meio-ambiente de alguma forma, e que seja, ao mesmo tempo, eficiente. As pessoas precisam entender que as vastas fontes hídricas do Brasil criaram uma sensação ilusória de conforto. É preciso cair na real. E esse problema não acontece apenas no Brasil. É uma situação que a Europa e os Estados Unidos viveram durante muito tempo em relação aos combustíveis fósseis. O essencial, diante disso, é reconhecer as novas limitações e seguir em frente.
A energia nuclear seria uma solução viável? É uma das opções, mas não a solução. Primeiro, porque a geração nuclear é muito cara. Se o Brasil, que não tem tradição nesse tipo de energia, decidisse investir nisso, o custo seria altíssimo e o governo teria de enfrentar uma rejeição tremenda de ambientalistas.
Como tornar o setor elétrico mais eficiente? Ter uma política de preços melhor seria um passo gigante para viabilizar a eficiência do mercado. Os preços de transmissão de energia, por exemplo, deveriam ser transparentes para os consumidores e geradores. Seria preciso um acompanhamento em tempo real do consumo de energia e dos focos de congestionamento das redes de transmissão. O acompanhamento de custos cria um incentivo ao uso mais consciente e também incentivaria os geradores a otimizar o uso das redes, por exemplo. Todos saem ganhando porque nem o consumidor, nem o gerador querem o desperdício.
O governo anunciou um pacote de redução da conta de luz em 2012 que deu errado e resultou, no ano passado, em reajustes muito maiores que os cortes. Qual é o sinal que esse tipo de política transmite? Há muitas formas de fazer com que o consumo de energia seja mais consciente e que as pessoas paguem menos. O acompanhamento dos custos em tempo real é um deles, como eu já disse, pois lança luz ao custo total daquele serviço. Há algumas circunstâncias nas quais subsídios são necessários, como para ajudar consumidores de baixa renda a terem, pelo menos, energia para o básico. A questão é que subsídios precisam ser mais transparentes, bem definidos e estritamente focados em atingir seus objetivos, sem impor encargos significativos para os demais contribuintes.
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