Entrevista – Heitor Dhalia
Diretor conta como foram os cinco anos até a conclusão do longa e afirma que pretende filmar história sobre o cangaço
Flávia Ribeiro, do Rio de Janeiro
Cena do filme 'Serra Pelada' (Divulgação)
O pernambucano Heitor Dhalia, 43 anos, passou a adolescência lendo e ouvindo sobre Serra Pelada. Diretor de O Cheiro do Ralo, que participou da seleção oficial de Sundance, de À Deriva, que fez parte da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, e da produção hollywoodiana 12 Horas, Dhalia elegeu o garimpo que o impressionou no passado como tema de seu filme mais ambicioso. Nesta entrevista, ele conta que Serra Pelada é mais do que um filme sobre o garimpo. “Eu quis contar a história de como dois amigos de caráter e personalidades diferentes reagem ao ouro, à ganância e a um ambiente hostil”, diz.
Por que você resolveu fazer um filme sobre a Serra Pelada?
Eu sempre brinco que a ideia veio meio do nada. De repente, me peguei pensando: ‘Ninguém fez um filme sobre Serra Pelada’. Lá houve a maior concentração de trabalho braçal desde a construção das pirâmides do Egito, era um Eldorado na Amazônia, uma terra sem lei, por que ninguém fez? Quando comecei a fazer o filme, descobri o porquê (risos). Mas, além disso, eu tinha 10 anos quando Serra Pelada começou. Durante a minha adolescência, acompanhei nos jornais aquele formigueiro humano, fiquei impressionado com aquelas imagens. Achei que era uma oportunidade de retratar um Brasil que está deixando de existir, um Brasil profundo. É uma história muito significativa para não ser retratada no cinema.
Você disse que descobriu o porquê. O que foi mais difícil?
Foi uma jornada para fazer o garimpo voltar à vida. Foi um longo caminho. Você tem que equilibrar uma linha de filme de ação, uma linha de filme dramático e ainda ressuscitar o garimpo na tela de uma forma que as pessoas acreditem. Tínhamos dois mil figurantes no filme. Foram cinco anos, dois deles em produção, mais quase um ano de pós-produção. Antes, um ano de pesquisa, houve todo um trabalho de arte, a escolha da lente certa, de como filmar, como equalizar. Muita preparação. Tínhamos que saber o que é uma bateia, que escadas usavam, que roupas. Entrevistamos todos os fotojornalistas que passaram por lá, o geólogo que documentou Serra Pelada para o governo do início ao fim. Coletamos cerca de cinco mil fotos, houve um trabalho de garimpo enorme. Entrevistamos garimpeiros também, de diferentes épocas, escutei várias histórias, várias lendas. Os olhos de muitos garimpeiros daquele tempo ainda brilham quando falam em ouro. E fomos até lá várias vezes.
O que você encontrou lá?
Lá é um lago contaminado com mercúrio e embaixo há uma mina explorada por uma firma canadense. Ainda há muito ouro lá, e muitos garimpeiros. Existe ali uma vila com seis mil pessoas.
Você entrevistou algum garimpeiro que enriqueceu e continua rico?
Não, isso eu não encontrei. Pode até ser que exista, mas não achei. Você experimentava a riqueza, mas não ficava rico de verdade. Todo mundo acabou liso. O cara queria experimentar o que era ser rico, ficar com chacrete, fechar bar, fretar avião, comprar um monte de carros. Queria torrar. Teve um, Marlon, que era dono de um barranco. Achou dois mil quilos de ouro, ficou super-rico, passou por vários episódios trágicos e acabou acusado de uma chacina. Era cada história...
Desde o início era num faroeste caboclo que você pensava?
Um faroeste amazônico. Porque aquela era uma terra sem lei, e faroeste é uma fronteira onde a lei não existe. Só que no faroeste americano, embora as leis não existam, busca-se uma civilização. Aqui foi diferente. É uma fronteira também, mas diferente. Não é deserto, é floresta. Não tem lei, é governado pelo caos. E não se busca uma civilização. É um Brasil bruto, quente, suado, com sabor de Brasil amazônico.
Só que o filme é também a história de uma amizade. Foi na relação entre Juliano e Joaquim que você manteve o foco?
Isso era meu ponto principal, ter uma história de dentro para fora. O garimpo é um set. O que importa são as pessoas dentro desse set. Eu quis contar a história de como dois amigos de caráter e personalidades diferentes reagem ao ouro, à ganância e a um ambiente hostil. Dois amigos e seus valores e sentimentos pessoais. Um de temperamento sanguíneo: Juliano, viril, bruno, físico, masculino, em sintonia com o personagem. E outro, Júlio, que é o coração do filme.
Sophie Charlotte, que tem uma beleza delicada, virou uma prostituta de garimpo. Ela foi sua escolha desde sempre?
Eu tinha três pessoas que concordavam com essa escolha, eu e mais dois. O resto, todo mundo estava meio em dúvida. Mas a Sophie foi de uma entrega incrível. Uma atriz corajosa, que encarou sem medo. Que fez a personagem pertencer àquele lugar. Ela era a ‘pepita do garimpo’. Tínhamos o professor, o grandão e a ‘onça’. Ela era a ‘onça’, destilada no jambu, um tempero paraense que amortece a boca.
Você gravou o filme 12 Horas nos Estados Unidos. Como foi sua experiência hollywoodiana? Mais difícil ou mais fácil do que essa?
Foram dificuldades diferentes. Aqui, pela própria ambição do projeto. Foi muito difícil levantar esse filme do chão. Só que a gente tinha total liberdade criativa. Lá (nos Estados Unidos), tive todos os recursos, mas não tive liberdade. Lidei com um produtor old school. Sabe o cara do Barton Fink (filme dos irmãos Coen sobre um autor teatral que vai trabalhar em Hollywood nos anos 40)? Era aquele cara, old school. Foi muito bom, depois desse tempo lá fora, voltar para esse filme. Brasil na veia. E Brasil popular, Brasil povo. Na roupa, na música, em tudo. Um Brasil muito genuíno. Brasil profundo. Um Brasil que está acabando. Mesmo no Pará, já não é como era. Você vê a globalização chegando mais forte. Mas ainda encontra esse Brasil. Eu encontrei a guitarrada, o carimbó, o brega.
Qual o próximo projeto?
Tenho uma possibilidade de fazer outro filme nos Estados Unidos. E vou fazer um filme sobre cangaço.
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