Entrevista
veja.com
Tatiana Gianini
Paquistanesa Malala Yousafzai fala durante uma conferência, no Dia Internacional da Menina promovido pela Onu, em Washington nos Estados Unidos (Gary Cameron/Reuters)
Aos 16 anos, a paquistanesa Malala Yousafzai tornou-se a maior voz mundial em defesa da educação feminina. Nos meses em que o Talibã dominou a região em que vivia no Paquistão, entre 2007 e 2009, as escolas para meninas receberam ordem de fechar as portas. As que não obedeceram foram dinamitadas. Por contar das suas privações em um blog e falar contra a opressão sofrida pelas mulheres em seu país, ela se tornou alvo do grupo extremista. Em outubro do ano passado, um membro do Talibã disparou contra Malala no ônibus em que a menina voltava da escola. Ela foi submetida a uma cirurgia na cabeça e agora vive em Birmingham, na Inglaterra, com a família.
Símbolo da resistência contra o radicalismo ignorante, Malala acaba de lançar um livro em que conta a sua história, Eu Sou Malala, a ser publicado no Brasil neste mês pela Companhia das Letras. Dos Estados Unidos, onde se reuniu com o presidente Barack Obama na Casa Branca, nesta sexta-feira, Malala falou a VEJA por telefone. Na conversa, dá aula ao Talibã, que, segundo ela, teme o poder que teriam as mulheres se estudassem e se desenvolvessem. “O Talibã criou um sistema próprio de leis, que não tem nada a ver com o Islã. O Islã nos diz que a educação e o conhecimento são direitos de todas as pessoas. Então, eu acho que o Talibã não leu o Corão da forma apropriada. Eles precisam sentar e ler o texto novamente, com calma.”
Confira abaixo a entrevista de Malala Yousafzai:
Por que o Talibã tem medo de você? O Talibã tem medo porque sabe que, se as mulheres tiverem acesso à educação, serão capazes de exercer um papel ainda maior do que o que elas já têm na sociedade. Em geral, são as mulheres que cuidam das famílias. São elas que administram a casa, cuidam dos filhos. Com a educação apropriada, elas poderão ter ainda mais oportunidades. Isso assusta o Talibã. É uma visão muito ruim, porque o mundo precisa de igualdade. Se as mulheres, que são metade da população mundial, não tiverem acesso à educação, o mundo não se desenvolverá. O Talibã também desenvolveu um sistema próprio de leis, que não tem nada a ver com o Islã. O Islã nos diz que a educação e o conhecimento são direitos de todas as pessoas. Então, eu acho que o Talibã não leu o Corão da forma apropriada. Eles precisam sentar e ler o texto novamente, com calma. O profeta Maomé nos ensina sobre igualdade, sofre fraternidade, sobre o amor ao próximo. O Talibã se esquece de tudo isso e só se lembra da jihad (guerra santa). Nós, meninas, temos nossa própria jihad pela qual lutar. Temos que lutar pelos nossos direitos e pela educação.
Já se passou mais de um ano desde o ataque que você sofreu. Você tem pesadelos com o Talibã? Não, eu me sinto muito bem. Também não me vejo como a menina que foi atacada pelo Talibã. Eu me sinto normal. Acho que é da natureza humana. Deus é muito bondoso conosco quando se trata de esquecer as coisas ruins. Devemos agradecer a Deus por isso todos os dias.
Você foi recebida pelo presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca. Como foi o encontro? Eu gostei bastante. O presidente Obama me recebeu com sua mulher, Michelle Obama, e sua filha mais velha, Malia. Nós conversamos sobre a situação da educação no Paquistão e também sobre a importância de motivar as crianças nos Estados Unidos a frequentar a escola. Nossa conversa se estendeu e eu pude falar de assuntos que hoje estão em discussão em meu país, como os drones. Eu disse a ele que sei que é verdade que, nos ataques com drones, os responsáveis pelo terrorismo são os alvos, como é o caso dos líderes do Talibã, mas que pessoas inocentes também são mortas nessas ações. É verdade que os drones estão matando o terrorismo, mas também estão contribuindo para aumentar o ódio em países como Paquistão e Afeganistão, o que acaba criando mais e mais militantes do Talibã. Obama me ouviu. Eu também disse a ele para investir parte do dinheiro que o país gasta em países como Afeganistão e Paquistão em educação e paz, e não só em armas e exército. Isso resultaria em um desenvolvimento muito maior para esses países.
Você disse que quer ser Primeira Ministra do Paquistão. O que você faria nesse cargo? Decidi que quero ser política porque a verdadeira política pode salvar todo um país. Na maior parte das vezes, os políticos são desonestos e não fazem nada bom. Em vez de ficar sentada criticando o trabalho deles, quero seguir esse caminho para fazer diferente. Quero guiar o meu país pelo caminho certo. Vou transformar a educação na maior prioridade do Paquistão. Há muito para fazer nessa área. Quero transformar o Paquistão em um país desenvolvido. Mostrarei às pessoas um Paquistão de paisagens maravilhosas, de pessoas incríveis, de recursos fantásticos.
No Paquistão, muitas meninas da sua idade já estão casadas e com filhos. Você aceitaria um casamento arranjado? De forma alguma. Sou totalmente contra casamentos forçados porque eles destroem o futuro das meninas. Na minha escola no Paquistão, havia uma menina que abandonou os estudos muito cedo, acho que ela tinha 11 anos na época. Dois ou três anos depois, ela me ligou. Ela me disse que já estava casada e tinha dois filhos. Imagine só, ela tem a mesma idade que eu e já tem dois filhos! Não quero que as pessoas sejam forçadas a se casar tão jovens.
Hoje você vive na Inglaterra. É melhor ser menina na Inglaterra ou no Paquistão? Na Inglaterra, as mulheres têm a oportunidade de descobrir quais são seus talentos. Toda mulher pode decidir o que quer fazer da vida e pode efetivamente realizar seus sonhos. No Paquistão, somos limitadas. Não temos a chance de identificar nossos talentos nem descobrir nossas habilidades. Só podemos ter filhos e cuidar de nossa família. É cozinhar o dia todo, limpar banheiros. Esse é nosso trabalho a vida inteira. A mulher não tem a chance de se conhecer. No meu país, quando eu saía da escola, eu não podia nem conversar com meus amigos na saída. O difícil é que isso envolve também regras culturais, que são difíceis de mudar de uma hora para outra, mas não impossíveis. Foram os homens que criaram as culturas e as tradições, então podemos fazer algo a respeito.
Você não tem medo de voltar ao Paquistão e ser assassinada pelo Talibã? O Talibã tentou me matar e fracassou. Agora estou certa de que as pessoas não querem me matar. Eles entenderam que minha causa é a educação. Mesmo se eu for baleada, a minha causa não deve mudar com a minha morte. Essa causa nunca vai morrer. Além disso, as pessoas não precisam temer a morte. Eu vi a morte na minha frente e agora já não tenho mais medo dela.
O Talibã diz que está disposto a iniciar diálogos de paz com o resto do mundo. As potências ocidentais devem se sentar para negociar com o grupo? Penso que o dinheiro que todos esses países gastam com armas e exército deveria ser gasto em educação. Para mim, a educação é o caminho para acabar com o terrorismo e com outros males do mundo, como a pobreza.
O que você acha dos madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão? Nas escolas tradicionais, aprendemos sobre ciência, matemática, inglês, literatura, poesia e urdu (idioma local). Também aprendemos sobre religião, mas nos madraçais você aprende só sobre o Islã. Se você estuda a sua vida inteira em um madraçal, a única coisa que você sabe é dar sermões. Você não pode passar a vida inteira lendo o Corão, você precisa cuidar de sua família, trabalhar. Enfim, ter uma vida normal. É bom aprender lendo o Corão. Todos temos uma religião, mas a vida não se resume a isso.
Além de estudar, as mulheres no Paquistão não deveriam ser livres para andar na rua sozinhas sem precisar da companhia de um homem? Sempre me pergunto: se um homem pode andar sozinho na rua, por que uma mulher não pode fazer o mesmo? Eu quero que as mulheres tenham as mesmas oportunidades. Na Inglaterra, eu posso ir à rua sem ter um homem comigo, até a minha mãe pode ir sozinha. No Paquistão, as pessoas dizem coisas ruins para mulheres que andam sozinhas. Precisamos de uma transformação. Nossa batalha está só começando.
Sua luta teria sido possível sem o apoio incondicional de seu pai (o pai de Malala fundou a escola em que a filha estudava no Paquistão, a Khushal School and College)?Aprendi muito com o meu pai. Acho que eu poderia defender essa causa mesmo sem ele, mas não tão jovem. Talvez com 20, 30 anos. Mas o meu pai foi um exemplo para mim e eu fui educada. Eu aprendi pouco, mas pelo menos aprendi. Sou muito grata a ele por isso.
Você tem apenas 16 anos. As garotas da sua idade têm outras preocupações, como garotos. Você já se apaixonou? Não, eu nunca tive tempo para pensar nisso. Tenho uma agenda tão agitada que acho que nunca tive a chance de pensar em garotos (risos).
Já se passou mais de um ano desde o ataque que você sofreu. Você tem pesadelos com o Talibã? Não, eu me sinto muito bem. Também não me vejo como a menina que foi atacada pelo Talibã. Eu me sinto normal. Acho que é da natureza humana. Deus é muito bondoso conosco quando se trata de esquecer as coisas ruins. Devemos agradecer a Deus por isso todos os dias.
Você foi recebida pelo presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca. Como foi o encontro? Eu gostei bastante. O presidente Obama me recebeu com sua mulher, Michelle Obama, e sua filha mais velha, Malia. Nós conversamos sobre a situação da educação no Paquistão e também sobre a importância de motivar as crianças nos Estados Unidos a frequentar a escola. Nossa conversa se estendeu e eu pude falar de assuntos que hoje estão em discussão em meu país, como os drones. Eu disse a ele que sei que é verdade que, nos ataques com drones, os responsáveis pelo terrorismo são os alvos, como é o caso dos líderes do Talibã, mas que pessoas inocentes também são mortas nessas ações. É verdade que os drones estão matando o terrorismo, mas também estão contribuindo para aumentar o ódio em países como Paquistão e Afeganistão, o que acaba criando mais e mais militantes do Talibã. Obama me ouviu. Eu também disse a ele para investir parte do dinheiro que o país gasta em países como Afeganistão e Paquistão em educação e paz, e não só em armas e exército. Isso resultaria em um desenvolvimento muito maior para esses países.
Você disse que quer ser Primeira Ministra do Paquistão. O que você faria nesse cargo? Decidi que quero ser política porque a verdadeira política pode salvar todo um país. Na maior parte das vezes, os políticos são desonestos e não fazem nada bom. Em vez de ficar sentada criticando o trabalho deles, quero seguir esse caminho para fazer diferente. Quero guiar o meu país pelo caminho certo. Vou transformar a educação na maior prioridade do Paquistão. Há muito para fazer nessa área. Quero transformar o Paquistão em um país desenvolvido. Mostrarei às pessoas um Paquistão de paisagens maravilhosas, de pessoas incríveis, de recursos fantásticos.
No Paquistão, muitas meninas da sua idade já estão casadas e com filhos. Você aceitaria um casamento arranjado? De forma alguma. Sou totalmente contra casamentos forçados porque eles destroem o futuro das meninas. Na minha escola no Paquistão, havia uma menina que abandonou os estudos muito cedo, acho que ela tinha 11 anos na época. Dois ou três anos depois, ela me ligou. Ela me disse que já estava casada e tinha dois filhos. Imagine só, ela tem a mesma idade que eu e já tem dois filhos! Não quero que as pessoas sejam forçadas a se casar tão jovens.
Hoje você vive na Inglaterra. É melhor ser menina na Inglaterra ou no Paquistão? Na Inglaterra, as mulheres têm a oportunidade de descobrir quais são seus talentos. Toda mulher pode decidir o que quer fazer da vida e pode efetivamente realizar seus sonhos. No Paquistão, somos limitadas. Não temos a chance de identificar nossos talentos nem descobrir nossas habilidades. Só podemos ter filhos e cuidar de nossa família. É cozinhar o dia todo, limpar banheiros. Esse é nosso trabalho a vida inteira. A mulher não tem a chance de se conhecer. No meu país, quando eu saía da escola, eu não podia nem conversar com meus amigos na saída. O difícil é que isso envolve também regras culturais, que são difíceis de mudar de uma hora para outra, mas não impossíveis. Foram os homens que criaram as culturas e as tradições, então podemos fazer algo a respeito.
Você não tem medo de voltar ao Paquistão e ser assassinada pelo Talibã? O Talibã tentou me matar e fracassou. Agora estou certa de que as pessoas não querem me matar. Eles entenderam que minha causa é a educação. Mesmo se eu for baleada, a minha causa não deve mudar com a minha morte. Essa causa nunca vai morrer. Além disso, as pessoas não precisam temer a morte. Eu vi a morte na minha frente e agora já não tenho mais medo dela.
O Talibã diz que está disposto a iniciar diálogos de paz com o resto do mundo. As potências ocidentais devem se sentar para negociar com o grupo? Penso que o dinheiro que todos esses países gastam com armas e exército deveria ser gasto em educação. Para mim, a educação é o caminho para acabar com o terrorismo e com outros males do mundo, como a pobreza.
O que você acha dos madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão? Nas escolas tradicionais, aprendemos sobre ciência, matemática, inglês, literatura, poesia e urdu (idioma local). Também aprendemos sobre religião, mas nos madraçais você aprende só sobre o Islã. Se você estuda a sua vida inteira em um madraçal, a única coisa que você sabe é dar sermões. Você não pode passar a vida inteira lendo o Corão, você precisa cuidar de sua família, trabalhar. Enfim, ter uma vida normal. É bom aprender lendo o Corão. Todos temos uma religião, mas a vida não se resume a isso.
Além de estudar, as mulheres no Paquistão não deveriam ser livres para andar na rua sozinhas sem precisar da companhia de um homem? Sempre me pergunto: se um homem pode andar sozinho na rua, por que uma mulher não pode fazer o mesmo? Eu quero que as mulheres tenham as mesmas oportunidades. Na Inglaterra, eu posso ir à rua sem ter um homem comigo, até a minha mãe pode ir sozinha. No Paquistão, as pessoas dizem coisas ruins para mulheres que andam sozinhas. Precisamos de uma transformação. Nossa batalha está só começando.
Sua luta teria sido possível sem o apoio incondicional de seu pai (o pai de Malala fundou a escola em que a filha estudava no Paquistão, a Khushal School and College)?Aprendi muito com o meu pai. Acho que eu poderia defender essa causa mesmo sem ele, mas não tão jovem. Talvez com 20, 30 anos. Mas o meu pai foi um exemplo para mim e eu fui educada. Eu aprendi pouco, mas pelo menos aprendi. Sou muito grata a ele por isso.
Você tem apenas 16 anos. As garotas da sua idade têm outras preocupações, como garotos. Você já se apaixonou? Não, eu nunca tive tempo para pensar nisso. Tenho uma agenda tão agitada que acho que nunca tive a chance de pensar em garotos (risos).
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