quinta-feira 21 2013

'Desempenho do Brasil em ranking universitário é tímido'


'As federais ainda são engessadas, burocráticas e com administração muito presa ao governo. Elas têm um ensino de qualidade, não há dúvidas, mas universidades de excelência precisam de independência, flexibilidade e dinamismo'

Entrevista: Phil Baty

Diretor do Times Higher Education, mais prestigiado ranking internacional de universidades, diz que país tem longo caminho rumo à excelência

Nathalia Goulart

Nos níveis fundamental e médio, a educação pública brasileira ainda é um desastre, de acordo com medições internacionais como o Pisa, avaliação que coloca o Brasil na lanterninha do mundo. Na educação superior, no entanto, as notícias são mais otimistas. Nesta quarta-feira, a Universidade de São Paulo (USP) se firmou entre as melhores instituições do mundo, ganhando vinte posições no ranking 2012-2013 da publicação inglesa Times Higher Education (THE), a tabulação mais prestigiada no meio acadêmico. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se aproxima da 200ª colocação e, nos próximos anos, deve entrar para a elite mundial do conhecimento. A notícia é boa, não há dúvidas. Mas Phil Baty, diretor do THE, celebra com moderação os resultados. "Para um país como o Brasil, os resultados ainda são bastante tímidos", diz o especialista. Baty chama a atenção para o fato de que as únicas duas instituições brasileiras no ranking serem do mesmo estado (São Paulo), além de serem mantidas pela administração estadual, não a central. "As federais ainda são engessadas, burocráticas e com administração muito presa ao governo. Universidades de excelência precisam de independência, flexibilidade e dinamismo", diz. Confira a entrevista que Baty concedeu ao site de VEJA:

Phil Baty, diretor do THE: 'Internacionalização ainda é desafio para o país'
Como se justifica a evolução de USP e Unicamp no ranking? As universidades brasileiras, principalmente a USP, mostraram uma melhora significativa no quesito pesquisa – elas estão produzindo mais, suas pesquisas estão sendo mais respeitadas mundo afora e os investimentos estão em um nível satisfatório. Também houve crescimento bastante significativo no quesito citações, que mede quantas vezes publicações científicas de uma instituição são citadas e compartilhadas por pesquisadores de todas as partes. Esses foram os principais ganhos. Acredito, porém, que ainda é necessário muito esforço na questão da internacionalização das universidades brasileiras. O desempenho nesse quesito, comparado ao da China, por exemplo, ainda é muito baixo. As universidades brasileiras recrutam poucos professores, pesquisadores e estudantes fora do Brasil e também exportam pouco seu conhecimento. De qualquer forma, o crescimento do Brasil é extraordinário e deve ser celebrado – principalmente quando analisamos a queda de grandes universidades ocidentais.
Então, globalizar-se é o principal desafio para as nossas universidades agora? Ainda há muito a melhorar em todos os indicadores. USP e Unicamp ainda estão distantes do topo da lista. O que se pode aprender é que o investimento que o estado de São Paulo tem feito em pesquisa está dando resultado e vale a pena. Mas é preciso ir mais fundo e manter esse ritmo de crescimento. É necessário também avançar em outras frentes, e uma delas é a internacionalização. As universidades asiáticas estão apostando muito nisso e têm obtido retorno. Acho importante observar que o programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal brasileiro, está em pleno curso e deve trazer algum resultado para o país no sentido de globalizar a educação universitária. Acredito que, nos próximos anos, isso trará resultados. Vejo um futuro promissor para o Brasil, em especial para a USP e para a Unicamp, que já figuram no ranking.
Ambas as universidades brasileiras que figuram no ranking ficam no estado de São Paulo. Deveríamos ter mais diversidade? Em primeiro lugar, acho que o Brasil deveria celebrar o fato de ter duas universidades bem colocadas no ranking – e que estão progredindo ano a ano. Mas um país do tamanho e da importância do Brasil, deveria ser capaz de emplacar mais instituições entre as melhores do mundo. A diversidade deveria ser maior, sem dúvida. 
E as duas universidades são estaduais, e não federais. Isso chama a atenção? Sim. Acredito que as federais ainda são engessadas, burocráticas e com administração muito presa ao governo. Elas têm um ensino de qualidade, não há dúvidas, mas universidades de excelência precisam de independência, flexibilidade e dinamismo. E o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer nesse sentido.
Em termos práticos, o que significa para a USP subir 20 posições no ranking? Esse resultado não traz, necessariamente, um impacto imediato visível. Mas sem dúvida ajuda a mostrar ao mundo que as universidades brasileiras estão em ascensão. Isso dá visibilidade ao trabalho que tem sido feito no país e, consequentemente, atrai olhares de instituições, pesquisadores e estudantes de importantes centros. O Brasil passa a ser uma opção de destino e de parcerias para eles. O governo também pode ter uma avaliação externa do que tem funcionado em termos de investimento e o que precisa ser revisto. Reforço que, para um país como o Brasil, os resultados ainda são bastante tímidos. Mas, de qualquer forma, é muito bom ver que as duas melhores universidades do país estão caminhando na direção certa.
Dois parceiros do Brasil no chamado Bric não possuem universidades entre as 200 melhores: Índia e Rússia. Quais as diferenças entre o Brasil e esses países? A questão da Índia é que eles precisam lidar com uma demanda muito grande de infraestrutura, pois, por razões demográficas, há muita gente ingressando na universidade no país. Os esforços estão concentrados em abrigar toda essa gente – por isso talvez falte um pouco de energia para produzir uma universidade de excelência mundial. Acredito que ainda levará um tempo para que a Índia se estabeleça entre a elite do ensino superior. Já a Rússia nunca superou de fato o colapso da União Soviética. A Rússia já foi um grande polo de inovação e conhecimento, mas isso faz parte do passado. Hoje existe uma grande fuga de cérebros e falta financiamento para pesquisas de ponta. Parece que Moscou já despertou para o desafio de colocar suas universidades no topo novamente; como o Brasil, as instituições russas têm apresentado melhorias nos últimos anos.
A China, por outro lado, tem mostrado grandes avanços e parece estar bastante adiante do Brasil nessa competição. O que o Brasil tem a aprender com o exemplo chinês? O governo da China investiu um volume monumental de verbas públicas em um grupo muito seleto de universidades com o objetivo claro de torná-las instituições de nível mundial: recrutaram bons professores e pesquisadores no exterior, reformaram seus currículos para atrair estudantes de fora e garantiram a excelência. Houve também um esforço muito grande para que não houvesse fuga de talentos, que vinha acontecendo até então. Tudo isso trouxe resultados. No entanto, não sei até que ponto isso deve servir de modelo para o Brasil. Não acho que todos os países têm de seguir a mesma fórmula. O que o Brasil precisa é despertar para o desafio de tornar algumas de suas universidades em instituições de nível internacional.
A Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que nos últimos anos flutuou entre as três primeiras colocações, aparece neste ano em quarto lugar. Isso foi uma surpresa?Sem dúvida essa foi uma das surpresas deste ano. Não se trata de uma queda dramática – ela ainda figura entre as maiores do mundo. Mas, no topo da lista, pequenas variações têm um impacto muito grande porque ali a competição é muito acirrada. Para se ter ideia, apenas 0,1 ponto separa Harvard de Oxford e Stanford, que dividem o segundo lugar. Então, Harvard não deve se lamentar por estar em quarto na lista. 
Qual a receita de sucesso do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), primeiro lugar no ranking? Trata-se de uma universidade muito pequena e, por isso mesmo, muito centrada em determinadas áreas do conhecimento. A comunidade acadêmica tem uma relação muito próxima e isso ajuda na busca pela excelência. Em resumo, a Caltech faz poucas coisas, mas faz todas com primor. Tudo isso atrai os melhores talentos. 

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