São Paulo
Popularidade em queda livre do prefeito de São Paulo preocupa Dilma Rousseff e o PT, que terão de buscar votos na maior cidade do país em 2014
Felipe Frazão
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), durante coletiva sobre os escândalos de corrupção e a prisão dos auditores na operação que desvendou esquema de corrupção milionário na Prefeitura, nesta segunda-feira (4) (Adriano Lima/Brazil Photo Press/Folhapress)
Em janeiro deste ano, o recém-eleito prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ainda não poderia prever todos os percalços que surgiram em seu primeiro ano de mandato na cidade, como o levante de protestos em junho e o escândalo da máfia dos auditores fiscais. Mas, quinze dias depois de assumir a cadeira, deu uma declaração vaticinadora ao afirmar que São Paulo era “um cemitério de políticos”.
Prestes a completar 365 dias de governo, o tombo em sua popularidade mostra que petista de primeiro mandato não soube se equilibrar na administração, que também chamou de "esporte radical": dos 34% de aprovação em junho, Haddad despencou para 18% em julho, segundo o Datafolha.
Os tropeços de Haddad
Janeiro | Quinze dias depois de assumir, congela 12% do orçamento, R$ 5,2 bilhões e logo determina a revisão de contratos |
Abril | Enfrenta protesto de movimentos organizados de moradia popular |
Junho | Aumenta a tarifa de ônibus para R$ 3,20 e vê a cidade ser tomada por onda de protestos e vandalismo.Revoga, a contragosto, o reajuste; e adia licitação de ônibus |
Julho | Popularidade cai de 34% para 18% após protestos. Fila para exames médicos aumenta e passa de 840.000 pacientes |
Agosto | Prédio em construção irregular desaba e mata dez operários em São Mateus; prefeitura investiga propina. Altera plano do Arco do Futuro, promessa de campanha |
Setembro | Improvisa lançamento da Rede Hora Certa em carreta móvel; ambulatórios reformados não ficam prontos no prazo |
Outubro | Aprova aumento de até 35% do IPTU. Rompe contrato com a Controlar, mas Justiça mantém inspeção veicular obrigatória. Muda itinerário de linhas ônibus e moradores protestam |
Novembro | Estoura operação contra Máfia do ISS. Perde seu homem forte, Antonio Donato (PT), envolvido no esquema por fiscal |
Dezembro | Popularidade fica estagnada em 18% |
O prefeito terá meses torrenciais pela frente para evitar ser sepultado pela cidade. Em meio às tradicionais enchentes de verão, trânsito caótico e à chegada do carnê do IPTU mais alto na casa dos paulistanos, Haddad precisará fazer vingar o projeto do PT de transformar sua gestão numa vitrine do partido para as eleições de 2014 – quando pretende reeleger a presidente Dilma Rousseff e desalojar o PSDB do Palácio dos Bandeirantes com a candidatura do ministro Alexandre Padilha (Saúde).
O PT voltará a disputar o Estado governando a prefeitura depois de doze anos – a última vez foi com Marta Suplicy, em 2002. É justamente na capital paulista e nas cidades do entorno, sobretudo no ABC, que o partido costuma se sair melhor nas urnas. Padilha tem 5% das intenções de voto na capital e só 3% no interior, mostra o Datafolha.
Sem conseguir a renegociação da dívida paulistana de 54 bilhões de reais com o governo federal, Haddad conta com auxílio financeiro de Dilma para alavancar projetos anunciados em campanha – como os corredores de ônibus e as 55.000 casas populares. Dilma foi pessoalmente à sede da prefeitura anunciar um pacote de 8 bilhões de reais, depois da eclosão das manifestações que por pouco não conseguiram invadir o prédio da prefeitura após quebra-quebra na região central.
Tarifa - O estopim das marchas foi o aumento das tarifas de transporte, de 3 reais para 3,20 reais, que havia sido adiado do início do ano em uma manobra combinada com Dilma para segurar a inflação. Enquanto os protestos tomavam uma proporção descontrolada, Haddad batia o pé em dizer que estava “cumprindo o prometido na campanha” e resistia a revogar o aumento. O desgaste do petista ficou ainda mais evidente quando deixou Alckmin anunciar primeiro, no Palácio dos Bandeirantes, que a medida estava suspensa. Ao lado do tucano e visivelmente contrariado, Haddad pareceu agir a reboque, segundo avaliação de petistas.
“O prefeito Haddad teve uma séria de dificuldades que não estavam previstas, foi um ano atípico”, diz o presidente eleito do PT paulista, Emídio de Souza.
Haddad argumentou que a revogação do aumento de 20 centavos comprometeria investimentos na cidade e passou a intensificar a agenda pela revisão da dívida com o governo federal – que ainda não foi aprovada pelo Senado. O prefeito reclama do comprometimento da receita, porque o subsídio passou de 600 milhões de reais para 1,6 bilhão de reais.
Para compensar, Haddad enviou à Câmara Municipal o projeto de aumento em até 35% no valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o que ele justifica que ajudaria a sanear as contas da gestão e bancar a tarifa. O projeto reforçou a impopularidade do petista, na avaliação de integrantes do primeiro escalão.
A base de vereadores de Haddad na Câmara Municipal começou a balançar justamente na votação do reajuste do IPTU, aprovado com pouca margem e já sem apoio do PSD de Kassab – embora os articuladores do prefeito tenham conseguido aprovar os projetos mais importantes para o Executivo no ano.
Foi depois da votação que Haddad enfrentou o principal protesto desde que assumiu o cargo. Ele subiu no palanque no Vale do Anhangabaú para discursar no Dia da Consciência Negra – tema em que o PT tem militância histórica –, mas foi vaiado e enfrentou uma chuva de garrafas d’água e latas de cerveja.
Base - A indisposição de vereadores não contemplados com cargos em subprefeituras e verbas para obras de sua indicação se espalhou no PT paulistano e partidos aliados. Deputados estaduais e federais de olho em “feudos” na capital paulista também cobram indicações de cargos. Os vereadores ameaçam dificultar a relação com Haddad caso a gestão não apresente resultados positivos até o primeiro semestre do ano que vem: “Se não estiver bom, a gente não tem dificuldade nenhum em ir para a oposição”, diz um vereador da base.
Parlamentares do PMDB e do PSD reclamam que os secretários são “inexperientes” e “imaturos”. Os vereadores também recebem queixas dos secretários, que acham Haddad “centralizador”, “desconfiado” e “impaciente”. Há pressão sobre os secretários da Saúde, José de Filippi Jr (PT), Educação, Cesar Callegari (PSB), Assistência Social, Luciana Temer (PMDB) – uma das que teve redução de verba de 14% no projeto orçamentário de 2014, que soma 50,7 bilhões de reais.
“Os vereadores do PMDB já não têm relacionamento com os secretários, que não conseguem dar vazão às demandas, não comandam as pastas”, relata um parlamentar do partido. “A Luciana Temer virou intocável porque é filha do vice-presidente da República e faz o que quer. É a pior área do governo.”
O PSD prepara o desembarque da gestão Haddad - o partido do ex-prefeito Gilberto Kassab abandonará a São Paulo Turismo (SPTuris) – e ameaça migrar para a oposição. O partido acha que a empresa controlada pela prefeitura não tem o mesmo “tamanho” da bancada do partido.
“O prefeito não é agregador, portanto faz uma administração solitária”, diz o vereador José Police Neto (PSD), ex-presidente da Câmara paulistana. “A cidade de São Paulo não consegue ser resolvida com Sassá Mutema, precisa de muito mais do que isso. Salvador da pátria aqui não tem.”
O mal-estar com correligionários de Kassab se ampliou com a operação de combate à máfia de auditores fiscais que podem ter desviado até 500 milhões de reais dos cofres da prefeitura. Auditores nomeados para cargos de confiança na gestão Kassab davam descontos no pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS) a construtoras em troca de propina. Eles agiram entre 2005 e 2012, segundo apuração do Ministério Público e da Controladoria-Geral do Município. A apuração foi incentivada pessoalmente por Haddad, mas acabou respingando em sua própria gestão: o secretário de Governo, Antonio Donato (PT), caiu após um fiscal afirmar em depoimento que ele recebeu mesada de 20.000 reais para campanha dele a vereador em 2012.
A condução do caso por Haddad e um bate boca com Kassab também causou desgaste e controvérsia com a cúpula do PT. Donato pediu demissão em um almoço com Haddad, Emídio e outros dois presidentes do PT: Rui Falcão (nacional) e Paulo Fiorilo (municipal). Depois da reunião, um deles admitiu: “É crise atrás de crise”.
Para o deputado estadual Edinho Silva (PT), as críticas internas a Haddad de correntes como a PT de Lutas e de Massa são inerentes ao jogo democrático do partido: “No primeiro ano do governo Lula, ele fez ajustes na economia e setores do PT e movimentos sociais teceram críticas duríssimas. É algo muito semelhante ao que o Haddad está vivendo”.
Trânsito - Mesmo medidas administrativas consideradas corretas por especialistas e bem avaliadas pela população foram pouco exploradas positivamente pela gestão Haddad, na avaliação de líderes do PT. Exemplos são a mudança a criação do Bilhete Único Mensal, a mudança nos ciclos de ensino da rede pública de escolas com fim da aprovação automática de alunos e a inclusão de provas bimestrais; e a pintura de faixas exclusivas para ônibus nas avenidas da cidade – que o prefeito pretende ampliar para 300 quilômetros até o fim do ano.
Haddad não “solucionou o trânsito com uma lata de tinta e um pincel”, como o padrinho Lula se apressou em dizer, já que a cidade chegou ao recorde histórico de 309 quilômetros de congestionamento. Mas as faixas tiveram aprovação de 88% dos paulistanos e viraram tema de propaganda na TV. E mesmo assim não impactaram a avaliação sobre o prefeito.
“Está faltando comunicar um pouco melhor essa agenda positiva que ele tem. O Bilhete Único Mensal está começando a vigorar agora e precisa ser comunicado, foi uma bandeira importante da campanha. Ninguém viu nada até agora”, afirma Emídio.
Petistas como o deputado Cândido Vaccarezza afirmam que Haddad está “acertando e fazendo os ajustes apara governar bem” e virar um cabo eleitoral de Dilma e de Padilha no ano que vem. A impopularidade pode transformar, porém, a vitrine petista numa vidraça a ser explorada pelos adversários. A esperança do partido é que com um Orçamento calibrado por ele mesmo – e não herdado de Kassab –, Haddad possa reverter a popularidade em queda. “Nunca vi governo em primeiro ano bombar. É um ano duro, quando tem de consertar, e é o ano que dói mais”, diz o deputado federal e secretário-geral do PT, Paulo Teixeira.
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