terça-feira 16 2013

A apuração nossa de cada dia

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Às vezes os parentescos etimológicos se disfarçam por estarem à vista de todos. Embora pouca gente se dê conta, o verbo apurar e o substantivo apuração – invocados de forma honesta ou embromadora, com boa ou má-fé, sempre que estoura um escândalo político-administrativo, ou seja, dia sim e outro também – carregam dentro deles a palavra latina purus (“puro, sem mancha ou mistura; limpo, apurado; inocente, casto, virtuoso; simples”).
A formação do verbo, do qual o substantivo é derivado, deu-se já em português, no século XIV, da forma mais singela possível: a + puro + ar. Isso quer dizer que, em sua acepção original, apurar é tornar mais puro, catar o joio para ficar com o trigo, tirar a limpo.
Uma série de sentidos estendidos brotou daí, como se sabe. Alguns, pela proximidade com o ponto de partida semântico, têm lógica evidente: apurar virou sinônimo de aperfeiçoar (“apurou seu estilo ensaiando todos os dias”), aguçar (“quando apuramos os ouvidos, rumores distantes ficam nítidos”), contabilizar ou calcular (“apurar o saldo”, “apurar votos”), juntar dinheiro (“apurou uma boa soma com a rifa da bicicleta”) e, claro, averiguar (“precisamos apurar bem os fatos antes de chegar a uma conclusão”).
Em todos esses casos se percebe, com maior ou menor nitidez, a ideia de um processo pelo qual separamos o que é positivo e essencial do que é negativo e contingente ou reunimos coisas esparsas, a fim de chegar a um resultado “puro” e verdadeiro.
Menos próximos do sentido original, mas ainda compreensíveis quando se usa um pouco de imaginação, são empregos como o do verbo apurar no sentido de apressar (“apurar o passo”, talvez por paralelismo com a acepção de aguçar) e o do substantivo apuro, mais usado no plural, como sinônimo de dificuldade (“quis administrar a empresa sozinho e meteu-se em apuros”) – este um provável derivado do sentido contábil do verbo apurar.

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