sábado 20 2013

"O câncer de colo do útero pode ser erradicado", diz Nobel de Medicina

Entrevista

O cientista Harald zur Hausen ganhou o Nobel por descobrir que o HPV causa o câncer de colo do útero, segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres

Natalia Cuminale
Harald zur Hausen
(Divulgação A.C Camargo)
"A eficiência da vacina é comprovada e a imunização contra o vírus tem pelo menos oito anos de duração. Além disso, os efeitos colaterais são leves e os resultados muito eficazes, se comparados com a sua não utilização. O grande problema é o preço."

Em 2008, o médico alemão Harald zur Hausen foi laureado com o prêmio Nobel de Medicina por descobrir que o HPV (papilomavírus humano) causa o câncer de colo do útero, segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, a estimativa é que ocorram 18 casos a cada 100.000 brasileiras em 2010. 


A descoberta de Hausen, 74 anos, salvou a vida de milhares de mulheres. A partir dela, foi possível identificar os tipos de HPV responsáveis por 70% dos casos câncer de colo do útero e desenvolver uma vacina que previne o aparecimento dos subtipos que causam câncer. Mas o número de vidas salvas poderia ser muito maior, diz o médico. “Se há intenção de erradicar esse vírus, é preciso realizar um programa global de vacinação."

Segundo ele, o grande problema, porém, é o preço elevado da vacina. “É extremamente cara”, critica. Para que seja eficaz, é preciso que sejam aplicadas três doses, antes do início da atividade sexual. Nos Estados Unidos, cada dose custa, em média, 120 dólares. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não disponibiliza a vacina para a população. Por enquanto, as brasileiras precisam realizar anualmente o exame papanicolau, capaz de detectar as lesões.

Apesar de ser conhecido por causar câncer de colo do útero, o HPV também pode atingir os homens, causando câncer de pênis, além de tumores no ânus, boca e faringe. Hausen esteve em São Paulo para a inauguração do Centro de Pesquisas em Oncologia do Hospital A.C Camargo e concedeu entrevista a VEJA.com.

Qual é a gravidade do HPV (papilomavírus humano)?
É uma infecção muito séria, mas pode confundir porque o paciente nem sempre apresenta sintomas e pode não saber que está infectado. Passam-se entre 10 e 15 anos até que a lesão se transforme em um tumor. Inicialmente, não é uma infecção muito grave e, em grande parte dos casos, é possível lidar com isso sozinho, já que o sistema imunológico elimina o HPV naturalmente. Porém, 10% das mulheres têm um risco maior de desenvolver câncer do colo de útero mais tarde.

O que mudou desde a sua descoberta? Qual foi o impacto para saúde pública após saber que existe uma relação entre o HPV e o câncer do colo do útero?

Com a descoberta, soubemos que 100% das pessoas com câncer de colo do útero eram positivas para esses vírus. Além disso, que alguns tipos desses vírus são de alto risco e responsáveis por tumores malignos. E ainda os estudos epidemiológicos realizados na América do Sul, que permitiram uma visão mais profunda e um conhecimento maior dos fatores de risco para o desenvolvimento do câncer.

Qual a importância da vacina contra o HPV?

A vacina é importante porque ela dá 100% de proteção contra os tipos responsáveis por 70% dos casos de câncer de colo do útero: o HPV-16 e HPV-18. A vacina também é capaz de proteger contra outros dois tipos. Então, em termos de proteção, é possível dizer que a vacina previne 80% dos casos de câncer do colo do útero, principalmente contra as lesões pré-cancerosas. A eficiência da vacina é comprovada e a imunização contra o vírus tem pelo menos oito anos de duração - sabemos que ela pode durar ainda mais. Além disso, os efeitos colaterais são leves e os resultados muito eficazes, se comparados com a não utilização da vacina. O grande problema da vacina é o preço. Ela é extremamente cara.

O senhor acredita que é possível erradicar o câncer de colo do útero?

Sim, eu acho que é possível erradicar o câncer de colo do útero. Se há intenção de erradicar esse vírus, é preciso realizar um programa global de vacinação. Se você considerar o número de casos que ocorrem nos países e se você pudesse retirar 80% disso, acho que seria um grande avanço. Nesse caso, para garantir o fim, é necessário não vacinar apenas as meninas, mas os garotos também – antes do início da atividade sexual.

Sabemos que o câncer de colo do útero pode ser prevenido, mas por que não houve uma redução no número de casos em países em desenvolvimento nas últimas três décadas? 
São dois grandes problemas. O primeiro é que os países mais pobres não possuem um sistema eficaz de prevenção. Como as lesões não são diagnosticadas e nem removidas, há um aumento significante de 70 a 80% de chances de desenvolvimento do câncer. O segundo motivo recai sobre o preço elevado das vacinas. Muitos países em desenvolvimento não conseguem proporcionar essa opção para a população por conta do alto custo.

Nos Estados Unidos, apenas 6% das mulheres que realizam o exame papanicolau apresentam anormalidades e precisam de um acompanhamento médico. Qual é a utilidade desse exame para a prevenção? 

A vacinação e esse exame são para situações completamente diferentes. O exame é capaz de detectar lesões que precisam ser removidas cirurgicamente, que já estão instaladas em pessoas que foram infectadas. Já a vacina previne contra os tipos já citados anteriormente. É preciso lembrar que ainda existem outros tipos não protegidos pela vacina e que ela também não é capaz de curar lesões. Ainda é importante ressaltar que a vacina é eficaz quando aplicada antes do início da atividade sexual.

Recentemente, pesquisadores afirmaram ter modificado o vírus da herpes, que serviu para tratar com êxito o câncer de cabeça e de pescoço. O senhor acredita que no futuro nós vamos encontrar uma relação maior entre o câncer e as doenças infecciosas?
Em geral, 21% dos tipos de câncer estão ligados a alguma infecção. Não apenas vírus, mas também bactérias, parasitas. Minha suspeita é que esse número deve crescer no futuro e vamos ter mais ligações entre os casos de câncer e infecções. É uma área importante para ser pesquisada.

E o senhor acha que as pesquisas estão no rumo correto? O que é possível dizer para incentivar os novos cientistas?

Nunca é fácil definir se as pesquisas estão no rumo certo ou não. Porque sempre estamos abertos a grandes surpresas. É importante incentivar o interesse de novos cientistas para essa área, da infecção e o câncer. Porque quando eu comecei a trabalhar nesse campo de pesquisa, e encontrei a relação entre o HPV e o câncer, ninguém acreditava em mim.

Por conta de falsas promessas, algumas pessoas parecem céticas em relação ao tratamento do câncer. É possível incentivar o otimismo?
As preocupações com a prevenção são uma boa razão para que as pessoas sejam otimistas. É possível perceber um movimento maior que visa prevenir o câncer. Além disso, se você olhar para países com uma estrutura completa para tratar pacientes com câncer, você vê que em pelo menos 50% dos casos é possível encontrar a cura.

E o que o senhor indica para prevenir o aparecimento do câncer? Hábitos de vida podem influenciar?

Com certeza. Em primeiro lugar, se você não fuma, você reduz uma série de fatores de riscos para desenvolver alguns tipos de câncer. Se você não expõe a sua pele sem proteção ao sol, você diminui drasticamente as chances de desenvolver o câncer de pele. Se você mantém uma dieta saudável, se há uma redução na quantidade de carne vermelha, você também tem menos chances de desenvolver alguns tipos de câncer. Então há uma série de mudanças de hábitos que podem refletir diretamente na sua saúde. O mais importante é informar a população de todas essas possibilidades porque parece que não há muita informação sobre isso circulando ao redor do mundo.

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