Entrevista: Eleuses Paiva
Eleuses Paiva (PSD-SP) organiza a resistência à proposta governista e afirma que o programa Mais Médicos é uma medida eleitoreira que colocará em risco tratamento da população de baixa renda no interior do país
Marcela Mattos, de Brasília
Paiva apresentou 31 emendas ao projeto e pretende que proposta seja totalmente rejeitada no Congresso (Leonardo Prado/Agência Câmara)
Um dos principais opositores no Congresso Nacional ao Mais Médicos, programa anunciado pelo governo federal para salvar a saúde pública do país importando profissionais estrangeiros, o deputado Eleuses Paiva (PSD-SP) afirma que a medida tenta camuflar a verdadeira intenção do governo: “É um balão de ensaio para trazer 25 000 médicos de Cuba.”
Professor e integrante do setor de medicina nuclear do Hospital de Base de São José do Rio Preto e do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o deputado afirma que as universidades de medicina do país “estão de luto” e ataca o ministro Aloizio Mercadante, que, apesar de ser titular da Educação, assumiu o papel de articulador do governo no Congresso: “Ele não entende nada do assunto”. Leia trechos da entrevista ao site de VEJA:
Como o programa Mais Médicos foi recebido pelo Congresso? Essa medida é tão constrangedora que não tem nenhum deputado da área de saúde do PT participando da comissão [que analisa o tema]. Ninguém aceitou ir para um desgaste desse. A discussão é autoritária, não dá para negociar. Alguns parlamentares, a pedido do Ministério da Saúde, querem discutir o tempo de atuação no SUS [de dois anos, de acordo com a proposta], se diminui para um ano ou para seis meses. O ponto é que a forma de fazer essa discussão não é por meio de medida provisória, por ato autoritário. A forma de fazer a discussão é dentro das universidades, no Conselho Nacional de Educação.
O que o senhor achou da mudança de discurso quando o governo falou em trazer médicos espanhóis e portugueses? Esse balão de ensaio realmente é para trazer médico cubano. Há quatro anos, a Venezuela teve a importação de 25 000 médicos cubanos pelo governo Hugo Chávez. A Federação Médica Venezuelana nos disse que tinha sérias dúvidas se essas pessoas eram médicas de verdade, porque as condutas profissionais que elas tomavam eram absurdas. É justamente esse acordo que nós desconfiamos que o governo brasileiro esteja fazendo, porque esses médicos têm um contrato com o governo venezuelano que acaba agora. Eles estão retornando para Cuba e são justamente os 25 000 que estavam trazendo para o Brasil quando nós os emparedamos. Baseado nisso, o ministro [Alexandre] Padilha, que é uma pessoa muito boa para desviar a rota, diz que vai trazer profissionais portugueses e espanhóis. A notícia que nós temos, e que provavelmente o ministro dará, é que serão dez portugueses, vinte espanhóis e 25 000 médicos cubanos. O foco da discussão, na realidade, é médico cubano. É isso que ele está tentando trazer.
O que é o Mais Médicos:
Programa elaborado pelos Ministérios da Saúde e da Educação que prevê a importação de médicos estrangeiros quando os profissionais brasileiros não ocuparem as vagas disponíveis nos municípios do interior do país. O governo chegou a anunciar, em maio, que traria 6 000 cubanos para atuarem nos rincões. Após ser bombardeado por críticas de entidades médicas, recuou da decisão e anunciou a importação de profissionais espanhóis e portugueses. A insistência em trazer médicos do exterior é tanta que a obrigatoriedade do exame que permite a atuação de estrangeiros no país, o Revalida, foi descartada. Pelo texto, três semanas de experiência em universidades são suficientes para atestar a qualidade do médico. O programa também atinge a grade curricular do curso de medicina: após seis anos de graduação, os profissionais terão de atuar por dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS) – regra que vale para estudantes da rede pública e privada.
Então o senhor é contra a importação de médicos estrangeiros? Ninguém é contra a entrada de médicos estrangeiros neste país. O que estamos discutindo é qual profissional nós vamos trazer sob o ponto de vista de qualidade e de conhecimento. Nós não podemos trazer profissionais despreparados, com conhecimento precário. As provas do Revalida, quando aplicadas em médicos oriundos de Cuba, tiveram reprovação de mais de 90%. Recentemente, avaliaram o quinto e o sexto ano da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e o índice de aprovação beirou 80%. Se um reprova 90%, e outro aprova 80%, que tipo de profissional estamos trazendo para o nosso país?
Como o governo está reagindo às críticas? Agora está tentando o casuísmo. Em vez de assumir a impossibilidade de uma medida provisória como essa, tenta criar casuísmos para poder sobreviver. Estão propondo avaliar quarenta escolas de medicina para ver o nível delas, mas são as quarenta piores avaliadas pelo MEC. Eles querem rebaixar o nível. Quando eu vejo um ministro brigar para rebaixar enquanto quem está na área acadêmica briga para melhorar sempre, é um absurdo. A sociedade tem de ficar revoltada. É o que eu falo: coisa de ministro que não é da área. O Mercadante não é um educador, não entende nada do assunto e resolveu agora virar um educador.
O problema do Brasil é a falta de médicos? Hoje, no Brasil, se formam 16 000 médicos por ano. Não é possível alguém achar que, ao formar mais 12 000 e levar o aparelho formador para 28 000 profissionais, o problema será resolvido. Com 16 000 já tem problema de qualidade de docentes, diagnosticado pelo MEC. Já tem problema de hospital de ensino, de estrutura dessas escolas. Como vai dobrar o número por medida provisória? Ninguém que tenha o mínimo de bom senso acha que isso pode ser feito em curto espaço de tempo. Então é uma medida eleitoreira. As três principais mudanças são totalmente inconsequentes e sem nenhum conteúdo técnico.
Já foram apresentadas 567 emendas, 31 só do senhor. Dá para acreditar que sairá do Congresso outra – ou nenhuma – proposta? Eu tendo a acreditar nisso. Se o governo tiver o mínimo de responsabilidade, ele retira essa medida provisória. Até porque não é normal uma medida ter mais de 500 emendas. Eles conseguiram uma unanimidade: todas as medidas tentam resgatar que não se mexa na autonomia universitária, que é importante avaliar a competência profissional, que o aparelho formador tem que ter critérios técnicos. Particularmente, tenho minhas sinceras dúvidas se será aprovado.
Mas a base é grande... Sim. Mas o PSD, por exemplo, é um partido independente. Não nos furtamos de votar junto com o governo quando achamos que o projeto é interessante. Nós não temos problema em votar contra o governo. Eu estou responsável por fazer a discussão dessa MP na bancada, será na primeira semana após o recesso para fechar um posicionamento uniforme. Vou trabalhar pela rejeição total da proposta.
Qual seria a solução para os conhecidos problemas da saúde no país? A principal solução é criar a carreira de estado, a figura do médico como profissão essencial, semelhante a juízes, promotores e defensores. Primeiro tem um incentivo para o médico. Se não quiser ficar no interior, vai começar a carreira lá e depois pode se mudar. Não fica sujeito à pressão política e tem autonomia nos atendimentos. E mais: onde não houver condição, nós vamos apontar para a estrutura chegar junto com o médico. Medicina não se faz com um estetoscópio e um termômetro na mão. Você obrigar um médico a ir para um local desse jeito, não dá para fazer medicina.
Outros países também já adotaram esse tipo de medida. A Inglaterra tem muitos médicos oriundos de outros países. Fizeram uma avaliação de que 85% dos erros médicos seriam de estrangeiros. O caso mais grave no Brasil é a exposição da população de baixa renda. É tudo o que não pode acontecer no SUS, que é um modelo universal, integral e que prevê a equidade social. Agora, está montada a diferenciação. Vai ter um tipo de sistema para atender determinada população, e para a população de baixa renda eles nem sabem direito identificar o que é médico, então pode ser qualquer um. Eles estão discriminando, criando um cidadão de segunda categoria sob o ponto de vista da saúde. Isso é inaceitável, além de ser inconstitucional.
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