Por Herton Escobar, estadao.com.br
Institutos reforçam segurança e temem por integridade de pesquisadores e desenvolvimento de trabalhos; até estudo antiaids corre risco
Epitácio Pessoa/Estadão
"Instituto Royal teve sede de São Roque invadida por ativistas e encerrou as atividades na cidade"
Três semanas após a depredação e furto de beagles do Instituto Royal, em São Roque, um clima de apreensão paira sobre cientistas e instituições de pesquisa - até mesmo sobre universidades federais - que trabalham com animais. Várias delas vêm recebendo ameaças de indivíduos ou grupos radicais contrários à prática, segundo o biofísico Marcelo Morales, ex-coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea).
"Estamos diante de um estado de terrorismo e afronta à soberania nacional", disse Morales nessa quinta-feira, 7, ao Estado. "É a ordem pública que está sendo colocada em xeque."
Um dos ameaçados é o cientista Ricardo Gattass, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Morales também é professor. Uma mensagem postada ontem no Facebook por um usuário que se identifica como "black bloc" dizia que Gattass recebera aprovação do comitê de ética da instituição para "abrir cérebros de macacos para implantar eletrodos com a finalidade de estudar as emoções" e que era preciso "fazer algum movimento em relação a isso".
A mensagem, escrita originalmente por alguém que diz ser de dentro da UFRJ, vinha acompanhada da foto de um macaco com instrumentos acoplados ao crânio - uma imagem sem identificação de origem, que já circula na internet há alguns anos e não tem nenhuma relação com o projeto da UFRJ.
O post recebeu centenas de comentários de pessoas revoltadas. Ao final, o texto fornecia o endereço e e-mail do pesquisador e pedia que as pessoas enviassem mensagens de repúdio à "atrocidade".
"Tenho recebido muitas mensagens agressivas de pessoas mal informadas, que alegam ter tido acesso a protocolos da comissão de ética de uso de animais do Centro de Ciências da Saúde, segundo os quais eu estaria estudando emoção em macacos usando métodos invasivos", disse Gattass ao Estado.
Especialista em Neurofisiologia, ele é professor emérito da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências. Sua linha de pesquisa é voltada para o estudo de mecanismos neuronais ligados à percepção e ao processamento visual.
"Nós, neurocientistas, temos a obrigação de esclarecer a todos que experimentos com primatas são necessários para resolver os problemas das demências, da doença de Alzheimer, das esquizofrenias e das doenças bipolares. Nós estamos empenhados em compreender o funcionamento do cérebro na saúde e na doença para podermos aliviar os impactos dessas doenças na sociedade", argumenta o pesquisador, de 65 anos. "Aqueles que têm um doente mental na família sabem dos impactos emocionais, econômicos e sociais disso."
Segurança. A UFRJ informou ontem à noite que a segurança no prédio do IBCCF foi reforçada e que a Polícia Federal foi informada das ameaças. A universidade confirmou que há pesquisas com macacos no instituto, mas disse que as informações postadas no Facebook não são corretas e que todos os projetos de pesquisa são devidamente aprovados e supervisionados pelo Concea.
O Instituto Butantã, em São Paulo, também reforçou recentemente seu esquema de segurança por causa de "boatos" que estariam circulando sobre as pesquisas com macacos na unidade - entre elas, um teste de vacina contra o HIV.
"As instituições estão em alerta, e a Polícia Federal está sabendo de tudo", disse Morales. "Aqui (na UFRJ) não vai ser como no Royal; aqui a PF vai entrar com todas as medidas necessárias", afirmou ele, que disse já ter recebido ameaças de agressão física por e-mail.
Morales cobra um "posicionamento firme" do governo federal sobre o assunto. "O ministro Marco Antonio Raupp (da Ciência e Tecnologia) fez um pronunciamento na Câmara, mas ele é só uma voz. Está na hora de as instâncias superiores se pronunciarem", disse. "Ou será que mais institutos terão de ser invadidos, ou até algum pesquisador ser morto, para que o poder público tome ciência do que está acontecendo?"
O ministério foi procurado, mas o atual coordenador do Concea, José Mauro Granjeiro (recém-empossado), que poderia comentar o caso, estava em viagem na Áustria.
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