Cinema
Documentário ‘Nossa Querida Freda’ revela personagem desconhecida, que acompanhou toda a trajetória do grupo de rock e trabalhou para os músicos mesmo depois do fim da banda
Flávia Ribeiro, do Rio de Janeiro
Freda Kelly, presidente do fã-clube e secretária dos Beatles, tema do documentário 'Nossa Querida Freda', em exibição no Festival do Rio (Reprodução)
Uma fã americana certa vez mandou uma fronha para o endereço do fã-clube dos Beatles, junto com uma carta na qual implorava que Ringo dormisse nela e depois devolvesse a roupa de cama pelos correios. Freda Kelly, presidente do fã-clube e secretária dos Beatles no escritório de seu empresário, Brian Epstein, comprou a ideia: foi à casa do baterista e mandou que ele dormisse com a fronha. No dia seguinte, pegou a peça devidamente “dormida” e a enviou para a moça apaixonada. “Eu era também uma fã, pensava como uma fã”, recorda ela, depois de contar uma de suas deliciosas histórias em Nossa Querida Freda – A Secretária dos Beatles (Good Ol’ Freda), documentário em exibição no Festival do Rio 2013 e que revela ao público a mulher que acompanhou os Fab Four de 1961 a 1972 – ou seja, manteve-se em contato com John, Paul, George e Ringo mesmo depois do fim da banda, em 1970.
Em outro momento, ela lembra que John Lennon deu um ataque e a demitiu, certo dia. Freda olhou para os outros três e perguntou: “Vocês também estão me demitindo?”. Todos gritaram rapidamente que não. Ela, então, olhou para John e avisou que a partir daquele momento ele seria responsável pela própria correspondência e agenda. Foi o suficiente para John implorar para que ela voltasse. A secretária avisou que só faria isso se ele pedisse de joelhos. Dito e feito. Poucas pessoas no mundo devem ter conseguido tal façanha, mas Freda não era qualquer uma. “Para os Beatles, ela era uma irmã. Para as famílias, uma filha”, conta Angie McCartney, madrasta de Paul.
Angie sabe do que fala. Freda aprendeu a beber com o pai de Paul, a dançar com o pai de George – ela odiava dança de salão, mas ele insistia que era importante aprender – e frequentava a casa de Ringo quase diariamente. Elsie, mãe do baterista, se encantou pela moça. Na casa de John, era das poucas a entrar pela porta da frente. O que faz com que a pergunta passe pela cabeça de nove entre dez espectadores do filme: “Como nunca ouvi falar de Freda?”.
“Ela passou os últimos 40 anos se escondendo de seu passado com os Beatles. Não queria nenhuma atenção para ela mesma, não queria o reconhecimento, a fama ou o dinheiro. Eu a conheço pessoalmente, conheci minha vida toda. Meu tio é Billy Kinsley (da banda The Merseybeats), que aparece no filme, eles são amigos. Cresci perto da Freda, mas não sabia que ela era secretária dos Beatles. Ela se aproximou pedindo que eu gravasse sua história para ela dar de presente para sua família. Quando comecei as entrevistas com ela, fiquei impressionado. “Isso tem que ser mais que um filme familiar!”, conta o diretor, Ryan White.
Freda é tão reservada que nem mesmo sua família conhecia sua história. Mas ao longo das entrevistas, se soltou. A mulher que emerge na tela é uma grande contadora de histórias. Que, em dado momento, pergunta: “Quem quer ouvir a história de uma secretária?”. Ryan White conta que teve muitas conversas com ela até convencê-la de que muita gente iria adorar saber de sua vida. “A filha dela me disse, depois de ver o filme, que 95% do que foi contado ali era completamente novo até para ela. A ideia de que o filme era também sobre ela a deixava tensa. Mas depois ficou muito feliz com o resultado”, diz o diretor, lembrando que Freda trabalha como secretária até hoje. “Ela nunca tirou vantagem de quem foi, nunca vendeu a memorabilia”.
Quatro músicas dos Beatles estão no documentário: Love Me Do, I Feel Fine, I Saw Here Standing There e I Will. Ryan White passou dois anos para conseguir o aval de todas as pessoas envolvidas. Para completar, no fim do filme, durante os créditos finais, Ringo Star faz uma pequena aparição falando sobre Freda. O outro Beatle ainda vivo, Paul McCartney, só aparece em imagens de época. Segundo o diretor, Paul apoiou o projeto desde o início, mas sua agenda não permitiu uma participação. Freda, no entanto, não tentou falar com nenhum dos dois. “Quem tenta entrar em contato com seus chefes de 40 anos atrás?”, perguntou ela ao cineasta.
Num dos momentos mais esperados do filme, Ryan White pergunta a Freda: “Você saiu com algum deles?”. “Não”, ela responde. Depois de uma pausa, tenta esconder um sorriso tímido. “Houve histórias, mas não quero ninguém arrancando os cabelos... Isso é pessoal!”, encerra. Pelo visto, algumas histórias sobre os Beatles permanecerão desconhecidas. Nossa Querida Freda tem sessões no dia 5 de outubro, às 16h30 e às 21h30, no Roxy 3.
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