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Publicado no Estadão desta sexta-feira
DORA KRAMER
Não houve greve geral nem comoção nacional. Na comparação, o “Dia Nacional de Lutas” ficou a léguas de distância do impacto provocado pelas três semanas de protestos que deixaram o país em transe e o poder público em pânico.
Contou a ausência do fator surpresa, é verdade, mas evidenciou-se também uma mudança de paradigma: a sociedade prefere conduzir a ser conduzida e dá conta do recado com muito mais competência.
Fala-se de falta de foco nos protestos de junho, na ausência de lideranças, na desorganização e no caráter apolítico visto com receio de que signifique repúdio à atividade inerente ao sistema democrático.
Mas, ao que se viu nos embates das centrais sindicais durante os preparativos para as manifestações de ontem, a garotada mobilizada pela internet tinha mais apelo, se fazia entender muito melhor com sua variedade de bandeiras que os sindicalistas organizados em suas centrais bem estruturadas, sustentadas com verbas públicas e ligadas a esse ou àquele partido.
A massa junina saiu de casa para dizer que queria ser mais bem atendida pelo Estado, respeitada por integrantes dos Poderes constituídos e representada pelos eleitos. Já as centrais, a partir da pauta de reivindicações tradicionais, digladiaram entre dois objetivos: de um lado marcar posição contra o governo, de outro abrir espaço para a defesa de interesses do governo, entre eles a ressurreição do plebiscito da reforma política.
Todo mundo entendeu o sentido do movimento iniciado pela juventude: “Não é só pelos R$ 0,20″; era e continua sendo pelo conjunto da obra. Causou espanto a forma, mas o conteúdo estava explícito.
No caso dos sindicatos a forma é familiar, os instrumentos, tradicionais, mas o conteúdo é subentendido: uma tentativa de recuperar um território perdido – ou melhor, abandonado – desde que os chamados movimentos sociais organizados resolveram trocar as demandas daqueles que representavam por uma parceria (mais das vezes remunerada) com o governo que supostamente detinha o monopólio de todos os anseios.
Sendo um “governo popular”, para todos os efeitos os movimentos sentiram-se desobrigados de cumprir cada um o seu papel de acordo com as demandas dos respectivos segmentos. O governo em si daria conta da tarefa. De fato, o mundo oficial ocupou todos os espaços, tirou de cena a intermediação, cortaram-se as cordas vocais da população.
Aconteceu com os estudantes, com os acadêmicos, com os sindicalistas e com todos os grupos que agora são recebidos em Palácio pela presidente Dilma Rousseff a fim de se construir um ambiente de diálogo onde antes havia o monólogo. Consentido, diga-se.
Ficou todo mundo muito bem comportado, a sociedade submergiu. A opinião do público se expressou por intermédio das pesquisas, sempre registrando altos e crescentes índices de popularidade aos inquilinos do poder central. Dilma, um sucesso de bilheteria ainda maior do que Lula.
Quando a população emergiu na fagulha acesa pelo Movimento Passe Livre na fogueira da insatisfação acumulada, viu-se o quanto de fantasia havia no cenário paradisíaco.
Desfeita a miragem, lá se foram centrais, UNE, sem-terra e companhia tentar recuperar o território perdido, disputar as ruas como instrumento de pressão da opinião pública junto às instituições.
Destreinadas, afônicas, atordoadas, ficaram a reboque do abrupto grito anterior e, se prestaram bem atenção no descompasso, são alvos de desconfiança, fazem parte do balaio genericamente chamado de crise de representação.
Vão precisar se reinventar. Por ora tentaram sem grande êxito imitar o inimitável, igualar-se ao inigualável.
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