domingo 11 2021

Mutação genética explica por que uns aguentam mais frio intenso que outros

 

Mulher entrando na água

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Razão genética que permitiu que nossos ancestrais se aventurassem ao norte também pode oferecer a alguns de nós uma vantagem competitiva na prática de esportes

Mergulhar em uma banheira de gelo após o treino pode ser a forma como alguns atletas profissionais optam por se recuperar do exercício intenso, mas qualquer pessoa que tente se manter em forma no inverno sabe que o frio pode ser tão forte quanto rejuvenescedor.

Para Matilda Hay, uma nadadora amadora, não há dúvida na hora de escolher entre uma piscina aquecida ou a água gelada de uma piscina natural. Embora esta última opção seja enaltecida por seus benefícios à saúde, ela não é para todos e certamente não para Hay.

"Quando tentei nadar na natureza, não consegui ficar muito tempo — aguentei talvez alguns minutos antes de sair correndo", diz Hay. "Minha irmã é capaz de ficar muito mais tempo do que eu por algum motivo. Acho que lidamos com o frio de maneira diferente."

As evidências de alguns dos benefícios de nadar na água fria para a saúde mental citados na mídia também são um pouco tênues. São amplamente baseados no estudo de caso de uma mulher de 24 anos.

Mas por que se mostrou tão popular? E será que Hay está certa: algumas pessoas apenas lidam melhor com o frio do que outras?

O clima afeta nossos níveis de desempenho.

No frio, nossos músculos ficam mais lentos, demoram mais para ficar tensos, reduzindo tanto nossa capacidade de entrar em ação quanto a quantidade total de energia gerada (embora isso possa ser amenizado com um bom aquecimento prévio).

As razões para essa diminuição no desempenho em climas frios são um pouco complexas, até porque a tolerância ao frio depende da nossa genética, níveis de gordura subcutânea — a gordura logo abaixo da nossa pele — e tamanho do corpo.

Duas jovens com roupa de mergulho conversando

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Algumas pessoas nascem com mais habilidade para lidar com o frio?

Uma sugestão é que, quando nosso corpo esfria, o ritmo com que liberamos energia nas células musculares diminui.

Mas o exercício no frio também tem sido associado a uma melhor saúde cardíaca, um sistema imunológico mais forte e à conversão de células de gordura branca em marrom, contribuindo para maior perda de peso. Portanto, se feito com segurança, pode trazer sérios benefícios à saúde.

O 'gene da velocidade'

Alguns de nós podem ter uma certa vantagem quando se trata de praticar exercício no frio. Uma em cada cinco pessoas não possui a proteína α-actinina-3 na fibra muscular.

Essa mutação revela um pouco sobre nossa história evolutiva e explica por que alguns atletas modernos são bem-sucedidos no frio, enquanto outros ficam paralisados ​​na linha de largada.

Conhecida como "gene da velocidade", a α-actinina-3 oferece aos atletas uma vantagem competitiva quando se trata de explosões poderosas de energia e recuperação muscular, mas pode ser menos útil em outras situações.

Todos os nossos músculos esqueléticos são compostos de uma combinação de dois tipos de fibras: fibras musculares de contração lenta e fibras musculares de contração rápida.

"Os músculos têm fibras de ambos os tipos, mas as porcentagens de cada uma podem diferir de músculo para músculo e de pessoa para pessoa", diz Courtenay Dunn-Lewis, fisiologista da Universidade de Pittsburgh, nos EUA.

As fibras musculares de contração lenta são responsáveis ​​por ações aeróbicas mais lentas.

Essas fibras nos mantêm em pé, evitam que nossa cabeça caia para frente ou que nossa mandíbula se abra e nos impulsionam em formas mais suaves de exercícios, como caminhadas e corridas leves.

Se você já fez ioga ou meditação e foi orientado a relaxar conscientemente todos os músculos do corpo, deve estar familiarizado com a quantidade de músculos subconscientemente envolvidos nos bastidores.

Não se trata de "rigidez" muscular, é uma função corporal normal chamada tônus ​​— a maneira que as fibras musculares de contração lenta nos impedem de ficar cambaleando.

As fibras musculares de contração rápida, por outro lado, respiram anaerobicamente, podem se contrair em explosões rápidas, mas se cansam com mais facilidade.

Essas fibras são ativadas apenas quando precisamos levantar algo, pular, correr em alta velocidade ou fazer qualquer movimento explosivo que pode ser necessário em exercícios anaeróbicos.

A proteína α-actinina-3 é encontrada apenas nessas fibras musculares de contração rápida.

Mulher correndo na neve

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Apenas os atletas de elite têm altas concentrações de fibras musculares de contração rápida ou lenta, dependendo de sua especialidade

"Cerca de 80% das fibras musculares de um atleta de elite são de contração rápida, se for um atleta de força, ou de contração lenta, no caso de atletas de resistência", diz Dunn-Lewis.

"Considere o físico longo e esguio de um corredor de maratona, cujas fibras musculares predominantemente de contração lenta podem ser pequenas, mas são resistentes à fadiga e fornecem energia duradoura quilômetro após quilômetro. Essa pessoa também está queimando menos energia em uma determinada unidade de tempo."

"Em comparação, um jogador de futebol americano ou jogador de hóquei tem predominantemente fibras musculares de contração rápida grandes, se move com força e velocidade, mas cansa muito rapidamente", acrescenta o fisiologista.

"Atletas com 80% de um tipo de fibra simplesmente nascem com sorte. Para o resto de nós, as porcentagens estão próximas de 50% de contração rápida e 50% de contração lenta, e esse percentual é determinado no nascimento."

"O tipo de fibra é determinado estritamente pelo sistema nervoso e, por esse motivo, não pode ser alterado com exercícios", explica.

Uma maneira de imaginar a diferença entre esses dois tipos de fibras é pensar no frango.

A carne da coxa do frango é escura porque é mais densa em fibras musculares de contração lenta e mioglobina (proteína que se liga ao oxigênio, levando-o aos músculos como parte da respiração aeróbica). Como a mioglobina é rica em ferro (um pouco parecida com o sangue), ela dá aos músculos uma cor escura e avermelhada.

Na verdade, quando você corta um bife, a substância vermelha que sai é a mioglobina — e não sangue, que obtém sua coloração vermelha da hemoglobina relacionada.

A carne do peito, por sua vez, é clara porque é mais densa em fibras musculares de contração rápida e, portanto, menos densa em mioglobina.

Os músculos do peito de frango são necessários apenas para explosões anaeróbicas curtas, intensas quando os pássaros batem suas asas, enquanto suas coxas estão sendo usadas de forma mais consistente.

Em humanos, a diferença é menos óbvia. Nossos músculos são compostos de uma combinação dessas duas fibras em quantidades menores e maiores.

Pessoas sem proteína α-actinina-3 resistem melhor ao frio

Essas fibras também desempenham um papel importante em nos manter aquecidos. Quando está frio, nossas fibras musculares de contração rápida se contraem repetidamente e rapidamente — é o que significa tremer de frio.

Cada contração minúscula e rápida nos aquece um pouco à medida que a energia é liberada. É uma forma que consome muita energia para nos manter aquecidos, mas é rápida e eficaz.

"Um dos métodos mais eficazes para aumentar o calor corporal é a contração muscular", diz Dunn-Lewis.

"Na verdade, durante o exercício, 70-80% das calorias queimadas resultam em calor."

Enquanto isso, nossas fibras musculares de contração lenta estão sendo sutilmente engajadas como parte do tônus, produzindo calor eficiente.

A proteína α-actinina-3 não está presente em cerca de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo.

Embora ainda tenham fibras musculares de contração rápida, seus músculos são menos explosivos e, em vez disso, são mais densos em fibras de contração lenta, o que significa que raramente têm sucesso em esportes que exigem força e explosão, mas são bem-sucedidos em esportes de resistência, de acordo com os autores do artigo.

Embora possam ser menos capazes de fazer movimentos anaeróbicos, elas podem usar a energia com mais eficiência.

Uma mutação no gene que codifica a α-actinina-3 resultou na perda da proteína pelos ancestrais dos humanos que migraram da África para a Europa há 50 mil anos.

Esta mutação genética pode ter ajudado os ancestrais europeus a lidar com o clima mais frio, desperdiçando menos energia tremendo, em vez de depender do calor eficiente de seu tônus.

"[Este genótipo] tende a ser visto com menos frequência em grupos étnicos associados a climas mais quentes — 1% em quenianos e nigerianos, 11% em etíopes, 18% em caucasianos, 25% em asiáticos", diz Dunn-Lewis.

"De acordo com o modelo fora da África, isso sugere que esse polimorfismo genético aumentou à medida que as pessoas migraram para climas mais frios."

Pessoas sem a α-actinina-3 são melhores em se manter aquecidas e, em termos de energia, são capazes de suportar um clima mais rigoroso.

O papel da gordura na proteção ao frio

Outro aspecto da nossa genética pode determinar como lidamos com o frio: nossa gordura.

Assim como temos dois tipos principais de fibras musculares esqueléticas, temos dois tipos de gordura — gordura branca e gordura marrom —, que é importante para nos mantermos aquecidos.

A bióloga celular Kristin Stanford e seus colegas da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, conduziram uma revisão de pesquisas publicadas sobre o papel do tecido adiposo marrom (gordura marrom) na regulação do nosso calor.

A gordura marrom é termogênica, o que significa que, como nossas fibras musculares de contração lenta, nos aquece sem a necessidade de tremer.

Homem correndo na neve

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Corredores de longa distância podem ter um desempenho melhor quando está frio

A simples exposição ao frio já é suficiente para ativar nossa gordura marrom, que pode levar à perda de peso. Stanford sugere que esta pode ser uma área de investigação para o tratamento da obesidade.

No entanto, o exercício parece ter um efeito conflitante em nossa gordura marrom.

Parece que o exercício inibe essa atividade — talvez porque, ao nos exercitarmos, estamos gerando calor suficiente por outros mecanismos —, mas os autores enfatizam que a pesquisa ainda é inconclusiva nesta fase.

Embora o tempo frio possa impedir a queima de gordura marrom e nossos músculos possam ter velocidades de condução nervosas mais lentas e pior desempenho esportivo, "na prática, se um indivíduo faz o aquecimento adequadamente... seu corpo se aquece muito facilmente", diz Dunn-Lewis.

Não há razão para não fazer exercícios no frio.

"Na verdade, os melhores tempos de maratona costumam ser no frio, uma vez que o frio ajuda a dissipar melhor o calor gerado durante o exercício", diz ela.

"Se não fosse pelo clima frio, o corpo teria que redirecionar os recursos do desempenho muscular durante os exercícios de resistência para se livrar do calor."

No entanto, nem todos os atletas de ponta se dão melhor no frio. O tempo frio agrava a asma induzida por exercícios, que afeta mais de 35% dos atletas olímpicos de inverno.

O ar mais frio é menos úmido, uma vez que o vapor d'água presente no ar congela. Acredita-se que o ar seco inicia uma resposta inflamatória nos pulmões, causando broncoconstrição.

Portanto, há razões genéticas pelas quais alguns de nós têm mais dificuldade do que outros.

A ligeira vantagem concedida a algumas pessoas com a mutação α-actinina-3 pode explicar seu desejo de madrugar para nadar em águas abertas, enquanto outros lutam para sair da casa para correr no parque.

Para Matilda Hay, a piscina pública aquecida perto de sua casa será suficiente por enquanto.

Mutação genética explica por que uns aguentam mais frio intenso que outros - BBC News Brasil

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