"Fevereiro 3, 1954.
Caro Professor Einstein,
Muito obrigado por sua carta. Ela contém muitos bons conselhos, mas temo que para mim será quase impossível segui-los.
Para obter cidadania brasileira eu terei que ficar aqui por mais 20 meses pelo menos. E, mesmo assim, não é garantido que eu consiga. Tudo depende, crucialmente, do meu contrato com a universidade, que precisa ser feito antes de outubro.
Já estão circulando rumores de que eu sou um comunista e esses rumores vão tornar a renovação mais difícil."
Assim tem início a carta, escrita à mão, em inglês, em papel timbrado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), datada de 3 de fevereiro de 1954.
Ela é uma entre inúmeras escritas pelo físico e filósofo da ciência americano David Bohm para o seu amigo e colega Albert Einstein entre outubro de 1951 e janeiro de 1955, período em que Bohm viveu em São Paulo e trabalhou no Instituto de Física da USP.
O que levou um dos grandes físicos do século 20 a ir viver no Brasil?
Quais foram suas contribuições para a ciência?
Por que o Dalai Lama o chama de "meu guru cientista", e por que seu nome é tantas vezes associado ao do pensador indiano Jiddu Krishnamurti?
Figura multifacetada, cuja vida nos permite traçar a história política e as grandes conquistas científicas do século 20, David Joseph Bohm nasceu em 1917, na Pensilvânia. Seu pai, um imigrante húngaro, era comerciante.
Bohm sofreu perseguições do Estado americano por ser um simpatizante do comunismo que, acreditava-se, dominava "segredos nucleares". Também foi marginalizado na comunidade de físicos, que não aceitava suas ideias.
Hoje, é tido por seus pares como um dos mais brilhantes teóricos da Física do último século, com contribuições fundamentais para a ciência dos Plasmas e a Mecânica Quântica.
Seu legado inclui também contribuições filosóficas, onde ele usa as teorias da física para explicar, por exemplo, o que é a consciência humana.
Bohm morreu em Londres, Reino Unido, em 1992. Tragicamente, não obteve em vida o merecido reconhecimento.
Mas por que falarmos de David Bohm nesse momento? Veja o que respondem um biógrafo, um colega de Bohm e, antes deles, um cineasta:
"A pandemia global está revelando a vulnerabilidade de nossas estruturas políticas, espirituais, econômicas e sociais", disse à BBC News Brasil o cineasta britânico Paul Howard, diretor de um filme sobre Bohm, Infinite Potential (Potencial Infinito, em tradução livre), lançado no ano passado.
"Bohm nos mostra que estamos todos interconectados, ele nos direciona para a Totalidade do Universo. Quando pudermos compreender isso de uma forma mais profunda, perceberemos que deveríamos cuidar melhor de nós mesmos, uns dos outros e da casa que todos compartilhamos - o planeta Terra."
Para o físico, historiador e professor da Universidade Federal da Bahia Olival Freire, autor da biografia David Bohm: A Life Dedicated to Understanding the Quantum World (Uma Vida Dedicada à Compreensão do Mundo Quântico, em tradução livre), Bohm é relevante porque suas ideias continuam influenciando a ciência de hoje e do futuro.
"Bohm foi um pioneiro. Na década de 50, foi o primeiro grande físico a insistir na importância de uma reinterpretação da Mecânica Quântica - contrariando a ortodoxia. Então, foi precursor de uma área que nos últimos vinte anos explodiu no mundo: a Informação Quântica."
E qual a importância disso?
"Basta ver a disputa hoje entre Google e IBM para ver quem vai chegar ao primeiro computador quântico eficaz."
Freire diz que o pioneirismo de Bohm também apontou o caminho dos físicos na direção de uma nova grande fronteira a ser rompida: a almejada reconciliação entre Mecânica Quântica e Teoria da Relatividade Geral (hoje antagônicas) para criar uma teria unificada.
E entre os muitos cientistas queimando seus neurônios para juntar as peças desse quebra-cabeças está o homem que trabalhou com Bohm durante as três últimas décadas de sua vida, o físico e professor emérito da University of London Basil Hiley, hoje com 85 anos.
Por que falar de Bohm hoje?
"Por causa da imensa amplitude das explorações que ele fez."
"Ele foi um grande homem porque, apesar de entender muito de física, e de ter feito contribuições muito importantes para a física, estava interessado mesmo é no contexto maior."
"Se você pega um livro de graduação em Mecânica Quântica hoje, vai ver milhares de fórmulas sem qualquer discussão sobre o seu significado. E [entender] o significado da vida era a motivação, era quase a razão de existir de Bohm."
"Ele queria saber: o que é realidade? O que estamos fazendo aqui? Quem somos nós, seres humanos? O que é o nosso pensamento? Somos só neurônios ou existe algo mais?"
"E seus textos abrem os horizontes de todo mundo para um jeito de pensar que não é comum", diz Hiley.
Antes de se despedir, um pedido do ilustre cientista à repórter:
"Por favor, escreva uma reportagem que seja fiel a David Bohm", diz o físico. "Essa história precisa ser contada."
Vamos tentar, professor Hiley. Nesta reportagem, com uma "mãozinha" de Hiley e do historiador Olival Freire, apresentamos a você as várias facetas de David Bohm. O ser humano, o cientista, o filósofo e amigo dos gurus e o exilado professor da USP. E prepare-se também para mergulhar no mundo misterioso e intrigante da Mecânica Quântica. Não dá para entender David Bohm sem ela.
Mente brilhante e vida marcada por perdas e perseguições
Desde a Segunda Guerra Mundial, muitos homens brilhantes foram vítimas do que poderíamos chamar de "a maldição nuclear".
Bohm teria sido um deles. Mas no seu caso, diriam alguns, talvez possamos falar em duas maldições - a nuclear e a comunista.
O contexto é o seguinte: em 1942, um jovem David Bohm chegava à Universidade da Califórnia em Berkeley, para fazer seu PhD com o teórico da Física Robert Oppenheimer. O professor era também o chefe do Projeto Manhattan para a construção da bomba atômica americana - que se iniciava exatamente naquele ano.
Como é comum em situações como essa, o orientador pede ao aluno que resolva um certo problema de Física.
Enquanto trabalha em sua tese, Bohm e outros alunos de Oppenheimer entram em contato com ideologias comunistas. Alguns, como Bohm, resolvem se afiliar ao partido. Anos mais tarde, Bohm falaria da experiência ao colega e amigo Basil Hiley:
"Isso sim foi uma maldição sobre ele", comenta o físico. "Sabe por que ele se afiliou ao Partido Comunista? Porque queria encontrar pessoas com quem pudesse falar sobre [as ideias do filósofo Friedrich] Hegel."
"Eu perguntei a ele: 'David, com quantas pessoas [do partido] você discutiu Hegel?'"
"Nenhuma, não sabiam quem ele era", Bohm teria respondido. Nove meses depois, desapontado, ele teria cancelado sua afiliação.
De volta aos estudos na universidade.
Bohm resolve o problema de Física e entrega sua tese, mas algo inusitado acontece, explica o historiador Olival Freire.
"Oppenheimer tinha formulado o problema. E como a solução para esse problema tinha relevância para os estudos militares, a tese foi imediatamente classificada, considerada secreta."
Bohm nunca mais poria os olhos no trabalho. Ele obtém seu título de doutorado normalmente, diz Freire. "Mas esse episódio colocou Bohm num circuito problemático" - como veremos mais adiante.
Em julho de 1945, no Novo México, os Estados Unidos testam a primeira bomba nuclear da história. O teste dá início a uma corrida frenética entre outras potências com ambições nucleares. Quem não domina essa tecnologia precisa se virar, e uma das armas usadas nesse vale-tudo é a espionagem.
"Qualquer grande livro sobre espionagem no século 20 tem de reservar um capítulo enorme ao problema da espionagem atômica, com sequestros e assassinatos de cientistas envolvidos nisso", diz Olival Freire.
"O conhecimento nuclear se converteu em um conhecimento proibido e, portanto, maldito."
Em agosto de 1949, os soviéticos testam sua primeira bomba. Um clima de histeria toma conta do mundo.
"Os governantes sabiam que o uso desses arsenais nucleares poderia levar ao extermínio da espécie humana", diz Freire.
Nos Estados Unidos, a preocupação era: alguém vazara segredos nucleares para os soviéticos? Quem seria esse "inimigo entre nós"?
Inicia-se no país a era macarthista (personificado na figura do político Joseph McCarthy), período em que muitos americanos são acusados de traição e subversão por supostos vínculos com ideologias comunistas. Sofrem perseguições, perdem seus empregos. Alguns são aprisionados.
David Bohm, a essa altura, é um jovem professor na prestigiosa Universidade Princeton, em Nova Jersey.
Amigo de Albert Einstein, frequenta a casa do ilustre físico, que além de oferecer o jantar, ainda toca violino para os convidados.
Na carreira, Bohm começa a mostrar a que veio.
Convidado a dar um curso sobre Mecânica Quântica, se depara com um problema, conta Hiley.
"Ele deu o curso e, quando terminou, pensou, 'tem alguma coisa em Mecânica Quântica que eu não entendo… já sei! Vou escrever um livro.'"
"Então, ele escreveu o livro. E era um dos melhores que havia na época. Foi no começo dos anos 50, e esse livro se chamava Quantum Theory. Nenhum outro físico abordava as ideias do [teórico da Física Niels] Bohr daquela forma. Era cheio de insight."
Bohm desponta como uma nova estrela da Física. Mas a partir desse ponto, a trama começa a se complicar. Vários dos episódios narrados até agora, aparentemente isolados, vão se combinar e gerar uma reação em cadeia que mudará para sempre o destino do cientista.
A tese classificada e a passagem pelo Partido Comunista farão dele uma figura "perigosa".
"Ele era suspeito, aos olhos do macarthismo, de ser um comunista que dominava segredos nucleares", diz Freire. "Sabemos hoje que nenhum desses segredos seria capaz de levar à bomba, mas não era assim que se pensava naquela época."
Em 1949, Bohm é chamado a prestar depoimento à Comissão de Atividades Antiamericanas, Ele se recusa a dizer se é ou não membro do Partido Comunista e por isso é preso.
"Ele foi libertado sob fiança e depois inocentado, mas não se sentia seguro", conta Freire.
Pouco tempo depois, Bohm perde seu cargo em Princeton.
Em 1950, em um caso que se tornaria emblemático da Guerra Fria, o casal Julius e Ethel Rosenberg é preso, acusado de espionagem. Em 1953, os dois serão executados na cadeira elétrica.
Temeroso, Bohm usa seus contatos. Com a ajuda do físico brasileiro Jaime Tiomno, obtém um cargo de professor de Física Teórica no Instituto de Física da Universidade de São Paulo e vai morar no Brasil.
Bohm não pode imaginar que, quatro anos mais tarde, deixará o Brasil como cidadão brasileiro, e que nunca mais voltará a viver nos EUA. Ele também não sabe que este será um duplo exílio: seu jeito original de pensar Mecânica Quântica fará dele um "dissidente" também entre seus colegas físicos.
Na mira do macarthismo: David Bohm e o exílio no Brasil
"6 de outubro, 1953
Querida Hanna,
Tenho de me desculpar por não ter respondido sua última carta, mas ando cansado e deprimido, e por isso tendo a deixar a resposta para depois. Fico feliz em saber que você está bem, e tão feliz quanto alguém pode estar nesses tempos. (...)
Quanto a mim, temo que eu e o Brasil jamais consigamos nos acertar.
Primeiro, tem o clima, que é muito quente para mim (mesmo em São Paulo, e especialmente no Rio), e que torna muito difícil, para mim, trabalhar. Eu poderia me acostumar ao clima, se houvesse algum fator atrativo como compensação, mas não há."
Bohm, como revela essa carta, endereçado à ex-namorada Hanna Loewy, não é feliz no Brasil.
Além do calor, ele reclama do barulho de São Paulo e da comida, e diz que sua saúde não vai bem (na carta acima, comenta que sofre com diarreia constante, que ele associa à comida).
Na universidade, não se entusiasma com as alunos, que ele acha "desinteressados". Também reclama da corrupção.
Mas para Olival Freire, dois fatores impedem que Bohm avalie de forma equilibrada sua experiência brasileira.
Primeiro, o trauma profundo de perder seu país, seu cargo na universidade e o convívio com os amigos e colegas.
"Ele não tinha planos de vir para o Brasil. Em quatro ou cinco meses, perde a vida que tinha", diz Freire.
O segundo fator é que, intimamente, Bohm sente a ameaça constante do macarthismo, e teme ser deportado. Isso explica a carta que abre essa reportagem, escrita por ele ao amigo e colega Albert Einstein.
"Parte da insatisfação [com o Brasil] era devida ao medo que ele tinha das perseguições norte-americanas", diz o historiador.
"Ele chega a São Paulo, o consulado americano o chama para uma entrevista e pede seu documento. Ele entrega o passaporte e o consulado retém o passaporte. Dizem que o passaporte será devolvido quando ele quiser retornar aos Estados Unidos", conta Freire.
Bohm está efetivamente preso no Brasil. Não pode participar de conferências internacionais, essenciais à vida de qualquer cientista. O único país para onde ele pode viajar são os EUA.
"Mas ele tinha medo de voltar. Ele carrega essa tensão até os últimos dias aqui", diz o historiador.
Todo esse drama pode ser acompanhado na correspondência que Bohm mantém com amigos nesse período. Entre eles, um tem papel de destaque: Albert Einstein.
"Einstein foi extremamente solidário a David Bohm em todo o processo do macarthismo", conta Freire.
Além de aconselhar Bohm a obter a cidadania brasileira, Einstein usa sua influência pessoal para tentar ajudar o amigo.
"Ele escreveu cartas apoiando Bohm. Temos publicada aqui no Brasil uma carta dirigida ao presidente da república, Getúlio Vargas, para ser utilizada caso houvesse necessidade de defender Bohm em algum momento", diz o historiador.
A carta, mais tarde publicada pela revista Estudos Avançados da USP, data de 24 de maio de 1952.
"Caro Sr. Presidente,
(…)
O dr. Bohm, que eu conheço há vários anos é, na minha opinião, um físico teórico muito destacado e original. Profissionalmente, ele tem contribuído para o crescimento do nosso conhecimento da Mecânica Quântica e, mais recentemente, tornou-se muito interessado nas implicações filosóficas fundamentais daquele teoria.
(…)
Acredito que saiba que o dr. Bohm teve algumas dificuldades políticas nos Estados Unidos. Eu não tenho nenhuma hesitação em afirmar que, na minha opinião, aquelas dificuldades resultam da tensa situação do pós guerra e em nada dizem respeito ao caráter moral do dr. Bohm. Eu tive no passado, e continuo a ter, a mais elevada confiança nele, tanto como cientista quanto como pessoa.
Respeitosamente,
Albert Einstein"
A carta não será usada. Quase dois anos mais tarde, no dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas comete suicídio. Três anos após escrevê-la, em 18 de abril de 1955, morre Albert Einstein. Seu plano, porém, é bem-sucedido.
Quatro meses antes da morte do amigo, Bohm deixa o Brasil como cidadão brasileiro rumo a Israel, onde viverá por dois anos. De lá, seguirá para o Reino Unido, que será seu lar até sua morte, em 1992. Ele conservará sua cidadania brasileira por mais de três décadas.
Mas afinal, o que o Brasil deu a Bohm? E o que Bohm deu ao Brasil?
"Eu diria que o Brasil deu a Bohm um porto num momento difícil da vida dele, em que ele não se sentia seguro. Também não se sentia completamente seguro no Brasil, mas passou três anos e meio aqui sem ser incomodado."
"E era um porto seguro dentro de um departamento de Física", acrescenta.
Enquanto muitos de seus colegas nos Estados Unidos sofrem perseguições e perdem seus empregos, Bohm segue trabalhando. Publica artigos com os brasileiros Jaime Tiomno e Walter Schutzer. E nesse período, conhece um dos mais importantes teóricos da Física do Brasil, o também matemático, crítico de arte e político Mário Schenberg.
"Ele aqui encontrou Mário Schenberg, com quem teve divergências quanto à interpretação da Mecânica Quântica. Mas Schenberg teve influência sobre ele. Na obra filosófica e cientifica de David Bohm a gente encontra as marcas da influência de Mário Schenberg."
Com financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas), que acabara de ser criado, ele traz outros físicos para trabalhar no Brasil.
Bohm, por sua vez, contribui para a consolidação do Departamento de Física da Universidade de São Paulo.
"As pessoas que estudaram com ele se referem aos bons cursos que ele deu no Brasil."
Alguns desses alunos, diz Freire, se tornarão grandes físicos.
"Vou citar dois ou três nomes. Ernesto Hamburger, Newton Bernardes e Moysés Nussenzveig. Três dos melhores físicos que já tivemos no Brasil. O Moysés está vivo."
Também é durante o exílio no Brasil que Bohm verá publicado o seu artigo propondo uma interpretação diferente da teoria quântica. A publicação, em janeiro de 1952, colocará Bohm em confronto com a ortodoxia na comunidade de físicos.
Entre seus críticos mais veementes no período está o homem que ganhara o Nobel de Física em 1945, Wolfgang Pauli. O cientista chama a teoria de Bohm de "metafísica artificial".
Bohm também sofre ataques por suas contribuições no campo da filosofia da ciência.
Em resenha na revista Physics Today sobre o livro de Bohm Totalidade e a Ordem Implicada, publicado em 1980, o físico Martin Curd diz: "Suas ideias são, com frequência, expressas não matematicamente, por meio de metáforas e analogias parciais (…) e caracterizadas por considerável imprecisão e vagueza".
Bohm só será reabilitado anos mais tarde. Na opinião de alguns, tarde demais.
"É uma pena, é muito triste mesmo, que ele não tenha vivido para ver como sua reputação explodiu recentemente. Sua interpretação da Mecânica Quântica está se tornando respeitada não apenas pelos filósofos da ciência mas também pelos físicos quadradões", escreveu a amiga de Bohm Melba Philips em carta ao físico e co-roteirista de Infinite Potential David Peat, no dia 17 de outubro de 1994, dois anos após a morte de Bohm.
Em resposta às críticas, conta Basil Hiley, Bohm dizia o seguinte:
"Basil, a maneira como eu abordo a Física Teórica é: eu faço propostas. Podem estar certas, podem estar erradas. Mas são propostas."
Fascinante, misteriosa, bizarra: o que é Mecânica Quântica?
David Bohm fez contribuições fundamentais para várias áreas da Física, como a ciência dos plasmas, por exemplo. Mas o campo da Física que desafiará Bohm até o último dia de sua existência chama-se Mecânica Quântica. Ele dedica sua vida a compreendê-la, sugere Freire no título de sua biografia.
E olhando de perto, não é difícil entender o que atraiu Bohm.
Veja como o físico David Peat explica a Mecânica Quântica em seu filme:
"A Mecânica Quântica nos fala de uma realidade que não pode ser entendida na nossa experiência cotidiana. É um mundo misterioso, onde não existe espaço nem tempo linear. Um universo não dividido, onde tudo está interconectado, incluindo nós próprios. Tudo o que existe no universo conhecido vem desse lugar e tudo o que nós somos depende dele."
(Peat, que faleceu em 2017, foi amigo de David Bohm e é autor da primeira biografia do físico, Infinite Potential - The Life and Times of David Bohm. Em tradução livre, Potencial Infinito - A Vida e os Tempos de David Bohm. O livro foi publicado em 1997.)
Agora, vamos a uma definição mais detalhada. O que é Mecânica Quântica?
A Mecânica Quântica é uma das grandes teorias da Física. Há outras, como a Teoria da Relatividade Geral, por exemplo.
Mas enquanto a Relatividade se ocupa do Universo macroscópico, das coisas grandes - o cosmos, o espaço, o tempo, a gravidade -, a Mecânica Quântica está interessada nas menores coisas do Universo.
Ela descreve o comportamento de partículas infinitamente pequenas, como átomos, moléculas, partículas subatômicas. E descreve a interação dessas partículas com a luz (a radiação eletromagnética).
Bem, como toda teoria da Física, a Mecânica Quântica tem uma estrutura matemática.
Lembrando que, no caso da Mecânica Quântica, a realidade que a teoria está descrevendo é tão infinitamente pequena que a humanidade não tem como conhecê-la visualmente. Um grão de areia contém mais átomos do que toda a areia de todas as praias do planeta, diz Peat em seu roteiro.
Os cientistas não podem ver o mundo quântico, mas expressam esse mundo por meio de equações matemáticas.
E como é que eles sabem que as equações estão certas? Porque elas predizem certos fenômenos físicos, explica Olival Freire. Esses cálculos levaram a humanidade a criar, por exemplo, a bomba atômica (criada com base na Mecânica Quântica e na teoria da Relatividade), o transistor, o laser, a ressonância magnética nuclear e o microscópio eletrônico. Hoje, são a base de indústrias de bilhões de dólares, como as dos telefones celulares e tablets.
"Há consenso entre matemáticos, físicos e engenheiros quanto ao modo como você calcula e extrai predições da Mecânica Quântica. Não há dúvida sobre como conectar dois chips para produzir certo efeito na hora que você constrói, por exemplo, o celular", diz Freire.
Os problemas começam a surgir quando os cientistas tentam usar as equações como ponto de partida para dizer o que é a realidade.
Por exemplo, eles se perguntam: a realidade é feita de partículas ou de ondas? (E por que isso importa? - você talvez queira saber. Porque veja bem: um ponto está em um lugar definido. Mas uma onda é algo espalhado, ela está em vários lugares ao mesmo tempo. Ou seja, a diferença entre as duas coisas é muito grande, é fundamental.)
Na busca da resposta, um dos instrumentos disponíveis aos cientistas é o experimento da dupla fenda, um clássico da Física criado no século 19 para o estudo da luz.
"Você ilumina dois pequenos buraquinhos muito próximos, furados por agulhas. E o que você vai ver do outro lado são faixas brancas, portanto iluminadas, e faixas mais escuras, portanto não iluminadas", explica Freire.
Esses padrões são a melhor evidência da natureza ondulatória da luz, ele diz, porque só ondas têm a propriedade de gerar esse tipo de figura.
Os físicos quânticos decidem então reviver esse experimento. Eles disparam elétrons ou fótons na direção das duas fendas. E observam algo muito estranho: o experimento traz duas respostas diferentes.
Quando o cientista monitora o comportamento do elétron, ou seja, quando o cientista "está olhando", o elétron se comporta como um ponto e passa por uma das fendas. Então, o que se vê do outro lado é uma mancha única, um borrão. Mas quando o cientista tira o marcador, ou seja, quando ele "não está olhando", o elétron se comporta como uma onda e passa pelas duas fendas ao mesmo tempo. Como resultado, a imagem produzida pelo elétron é uma mancha com faixas brilhantes e escuras.
"É um experimento icônico porque desde 1927 ele vem sendo debatido e objeto de inquietação" diz Freire.
"Uns, como o dinamarquês Niels Bohr, por exemplo, viram aqui uma nova lição filosófica, epistemológica. Uma dependência do que é observado em relação ao observador."
É nesse ponto que começa a emergir o conceito que, décadas mais tarde, vai permitir o inusitado encontro entre David Bohm e o pensador Jiddu Krishnamurti: a noção de que o observador é o observado e o observado é o observador.
Mas voltemos à pergunta que os físicos não conseguem responder (a realidade é feita de ondas ou partículas?). Diante desse impasse, a ortodoxia da Física decide o seguinte: não dá para resolver essa questão, chegamos até onde dava para chegar. A Mecânica Quântica está resolvida, ela funciona, certo? Deixemos esse assunto de lado e bola para a frente com a Física!
"Outros físicos, como o Einstein, nunca gostaram dessa ideia, achavam que havia uma insuficiência na teoria. Essa é a grande cisão na Mecânica Quântica", diz Freire.
Entra em cena David Bohm. Ele vai avançar a Física Quântica de várias formas, mas vamos focar em duas. Primeiro, vai "brigar" com os ortodoxos, insistindo que tem outras formas de você interpretar aquelas equações matemáticas. Depois, ele vai ajudar a identificar outras bizarrices da Mecânica Quântica - os chamados Efeitos Quânticos.
Vejamos algumas das contribuições de Bohm.
A Reinterpretação de Bohm para a Mecânica Quântica
David Bohm é da mesma opinião que o amigo Einstein. Tem alguma coisa errada com a Teoria Quântica, ele pensa.
E em 1952, no exílio no Brasil, Bohm publica seu (mais tarde famoso) artigo das Variáveis Escondidas, no qual propõe uma interpretação diferente das equações matemáticas da Mecânica Quântica.
A nova interpretação leva aos mesmos efeitos, ou, nas palavras de Freire, "é empiricamente indistinguível da interpretação aceita até então". (Ou seja, com base nela também dá para construir iPads e celulares.)
"Na interpretação do Bohm, o elétron será sempre um ponto e uma onda. De modo que o ponto passa apenas por uma das fendas e a onda passa pelas duas fendas ao mesmo tempo", explica o historiador.
Mas como é possível isso?
Essa ideia está na base do conceito de Totalidade, a noção de que tudo o que existe no Universo está interconectado, tudo é uma coisa só. Voltaremos a ele mais adiante.
Do ponto de vista pessoal, a reinterpretação de Bohm para a Mecânica Quântica tem um custo alto: o físico, levado ao exílio por perseguições políticas, torna-se um "dissidente" também entre os colegas. (Esse é, aliás, o título de um outro livro de Freire, The Quantum Dissidents, que conta a história de vários rebeldes quânticos, entre eles, David Bohm.)
Por mais que tentem, os cientistas não conseguem encontrar erros nos cálculos de Bohm, explica Freire.
"Mas durante décadas, sua interpretação da Mecânica Quântica foi tratada com um misto de indiferença e às vezes até hostilidade pela comunidade de físicos", ele diz.
Hoje, reconhecida como um dos grandes legados de David Bohm para a ciência, a teoria é ponto de partida para pesquisadores que estudam a chamada Cosmologia Quântica - um ramo da Física que tenta combinar Teoria Quântica com Gravitação (ou seja, Teoria Quântica com Teoria da Relatividade).
Bem, um outro legado de Bohm são as explorações que fez sobre os chamados Efeitos Quânticos. Estranhos, quase mágicos, eles são capazes de abalar as certezas dos racionais mais convictos.
Vamos explicar um deles, o Efeito Aharonov-Bohm, que Bohm descreve com seu aluno Yakir Aharonov em 1959, já vivendo no Reino Unido. O artigo sobre esse efeito é o mais citado de Bohm e valeu à dupla indicações ao Nobel de Física.
Emaranhamento Quântico e Efeito Aharonov-Bohm: quando ciência pura parece magia
A Teoria Quântica prevê fenômenos que contrariam as leis da nossa vida cotidiana. Ela diz, por exemplo, que duas partículas subatômicas que estão separadas espacialmente estão instantaneamente correlacionadas. Ou seja, se você interferir em uma delas, a outra, não importa quão distante esteja, também será afetada.
(Você talvez pense, já vi isso antes. Não é isso que um imã faz? Não, responde Freire. Porque quando você aproxima o imã de um parafusinho, por exemplo, vai haver um intervalo de tempo até o efeito magnético do imã chegar ao parafuso. No caso das duas partículas subatômicas, as duas são afetadas simultaneamente.)
Esse efeito à distância, ou, nas palavras de Freire, "essa dependência que existe entre duas partículas que estão afastadas", chama-se Emaranhamento.
Fazendo uma analogia, imagine partirmos uma laranja ao meio e colocarmos uma metade na redação da BBC News Brasil em Londres e a outra na nossa redação em São Paulo. Segundo o efeito de Emaranhamento, se um repórter movimentar a metade da laranja em São Paulo, a metade que está em Londres também vai se mexer.
Outra analogia: imagine que você leitor mexe no seu cabelo e, em outra cidade, sua mãe sente alguém fazendo nela um cafuné.
Pois é, no universo das coisas infinitamente pequenas descrito pela Física Quântica, algo análogo a isso é possível.
"Einstein chamava isso de 'spooky action at a distance', ação fantasmagórica à distância", explica Freire. "Ele recusava a possibilidade desses efeitos existirem na natureza, mas o desenvolvimento da Física demonstrou que eles existem."
E veja aqui como Bohm interpreta esse efeito estranho previsto pela Mecânica Quântica:
"Esse emaranhamento entre duas partículas distantes para o Bohm não era problema porque, para ele, as duas partículas são partículas e ondas ao mesmo tempo. Então, o que é que está interagindo um com o outro? São as ondas, não as partículas", explica Freire.
O Emaranhamento Quântico ocorre entre duas partículas. Mas a Mecânica Quântica também prevê uma dependência entre uma partícula e um campo magnético, mesmo que a partícula esteja fora do alcance desse campo.
Bohm e Aharonov decidiram criar um experimento para provar a existência desse efeito. Olival Freire descreve como a dupla fez isso:
"Eles pegaram uma espécie de bobina, que é um cilindro, com um fio circulando o cilindro. Quando você põe a carga elétrica ali, para circular naquele fio, dentro do cilindro você tem um campo magnético uniforme. E fora do cilindro o campo é zero."
"Então, eles pegaram esse cilindro, fizeram os cálculos e mostraram que uma partícula carregada que passasse distante dessa bobina seria afetada pelo campo magnético confinado na bobina."
Essas são algumas das contribuições de David Bohm no que Freire chama de "terreno rochoso da ciência".
Agora, vamos conhecer um pouco do legado de Bohm, o filósofo da ciência, para a humanidade.
Os 'voos audaciosos' do filósofo David Bohm: Consciência, Potencial Quântico, Totalidade e Ordem Implicada
Basil Hiley lembra-se bem de seu último encontro com David Bohm.
"No dia em que ele morreu, estivemos juntos no [Birkbeck] College. Ele sempre passava na minha sala quando estava na cidade."
Os dois conversam um pouco. "Coisas de rotina, nada que me chamasse a atenção."
Hiley decide ir para casa mais cedo e se despede do amigo. Pouco depois, Bohm telefona para a esposa, Sarah. Diz que vai pegar um táxi para casa. E acrescenta:
"É quase insuportável - acho que estou muito, muito perto de algo importante", ele teria dito.
"Quando cheguei em casa, recebi a notícia de que ele tinha morrido", conta Hiley.
O físico não sabe o que se passou na cabeça do amigo naquele dia de outono em 1992, mas tem uma suposição.
"Ele estava interessado na relação entre a mente e a matéria. Naquela época, nos perguntávamos se a Mecânica Quântica nos daria a chave para entendermos a mente. Um tema muito difícil, que ocupou a vida dele 24 horas por dia nesse período final."
"Por isso, acho que provavelmente ele viu alguma coisa relacionada à consciência."
Bohm propõe que uma teoria que seja uma generalização da Mecânica Quântica vai nos levar também à explicação do fenômeno da consciência, diz Olival Freire. "Para ele, a consciência é parte da realidade, não um domínio separado."
Para o historiador, essa e outras das propostas filosóficas de Bohm são "voos audaciosos" que representam o aspecto mais conjectural de seu trabalho.
Teria Bohm, no último dia de sua vida, encontrado a chave que desvendava o mistério da consciência humana?
Jamais saberemos. Mas suas ideias continuam sendo investigadas por cientistas hoje. Entre eles, o ganhador do Nobel de Física em 2020, Roger Penrose, amigo e colega de David Bohm. Penrose discute a questão da consciência em seu livro "A Mente Nova do Rei".
Outros voos audaciosos de Bohm são seus conceitos de Potencial Quântico, Totalidade e Ordem Implicada. Vamos a eles:
O que é Totalidade segundo David Bohm?
Para fazer a Reinterpretação da Mecânica Quântica em 1952, Bohm introduziu um conceito que ele chamou de Potencial Quântico.
"Trata-se de uma função matemática que conecta instantaneamente partículas muito distantes", diz Freire.
"Nos anos 1960, quando já estava em Londres, ele formulou a hipótese de que tanto a Mecânica Quântica quanto o Potencial Quântico estariam sugerindo uma ideia de Totalidade."
Bohm discute esse conceito com seu colaborador Basil Hiley em um livro que os dois escreveram juntos, Totalidade e o Universo Indiviso.
Eis aqui algumas analogias, cortesia do próprio professor Hiley para a BBC News Brasil:
"Na nossa filosofia reducionista, presumimos que o todo pode ser analisado como partes independentes em interação umas com as outras. O sistema é um gigantesco mecanismo de relógio em que todas as rodas dentadas podem ser separadas e depois colocadas juntas para que voltem a funcionar."
"Agora, pense em um sistema no qual as propriedades das partes são determinadas pelo todo. Você não pode retirar as peças e 'colocá-las na mesa' como as rodas dentadas."
"Um exemplo simples - os redemoinhos em um rio. Você não pode retirar o redemoinho e colocá-lo numa mesa. É o movimento do líquido que cria o vórtice. O todo gera as partes."
"Organismos vivos são bons exemplos. Você não pode pegar um embrião em crescimento, parti-lo em pedaços, colocar tudo junto de novo e esperar que ele cresça."
A ideia de Totalidade ganha uma conotação quase mística quando aplicada a nós, seres humanos.
"Você é uma observadora, eu sou um outro observador e estamos conversando como se fôssemos pessoas independentes", diz Hiley.
"Mas na verdade, não somos. E tem muito pouco de nós que é independente um do outro."
"E o que nós observamos quando chegamos nas coisas muito pequenas é que você não pode separar a partícula do seu ambiente. [Niels] Bohr estava certo. Você não pode separar o observador do observado."
Você leitor talvez esteja se perguntando: mas então como é possível que duas pessoas conversem, e que eu esteja aqui lendo essa reportagem?
Para encaixar a experiência humana da realidade em suas conjecturas sobre o mundo quântico, David Bohm introduz o conceito de Ordem - a Ordem Implicada, ou Implícita, e a Ordem Explicada, ou Explícita.
Bohm chama o mundo em que o professor Hiley conversa com a repórter da BBC News Brasil de ordem "explícita" ou "explicada".
Mas esse mundo é apenas a superfície, propõe Bohm. Existe algo subjacente a essa realidade. Uma ordem profunda onde tudo está internamente ligado a todo o resto: a ordem implicada. Nesse lugar, o mundo subatômico, das coisas infinitamente pequenas, não há objetos separados, e sim um processo em movimento constante. A realidade que vivenciamos na nossa vida cotidiana resulta desse processo, diz Bohm.
David Bohm e Jiddu Krishnamurti - Um diálogo de 25 anos
Para quem gosta de filosofar, as conjecturas de Bohm são um convite a viagens profundas da imaginação.
Físicos respeitados, o líder espiritual do Tibet Dalai Lama e o renomado escultor britânico David Gormley discutem algumas delas no filme Infinite Potential. Mas na década de 1960, quando Bohm trabalha nesses conceitos, a maioria dos seus colegas não se mostra muito interessada. (Lembrando que, nesse período, Bohm é um "dissidente" na comunidade de físicos.)
Um dia, por acaso, a esposa de Bohm encontra em uma livraria um livro de um pensador indiano chamado Jiddu Krishnamurti que dizia: "o observador é o observado".
Essa descoberta casual dá início a um diálogo que começa em 1960 e durará 25 anos. Dele restam vários livros e também vídeos disponíveis hoje no YouTube.
Para muitos, fica também uma pergunta: como se explica essa afinidade tão profunda entre um cientista e um pensador indiano?
O indiano Krishnamurti nasceu em 1895 e morreu em 1986. Foi educado segundo os preceitos da Teosofia para um líder espiritual da humanidade, mas rejeitou essa missão e trilhou seu próprio caminho como pensador.
Para Basil Hiley, os diálogos do amigo com Krishnamurti eram uma espécie de exercício filosófico.
"Ninguém na comunidade de físicos conversaria com Bohm sobre os temas que ele discutia com Krishnamurti."
"Ninguém, nem mesmo eu", admite.
"As ideias de Bohm iam sendo desenvolvidas à medida que ele conversava com as pessoas. E ele precisava de alguém que [assim como ele] percebesse o problema do observador e do observado."
"[Os diálogos] eram um exercício em uma área em que ele não podia exercitar seu cérebro, a não ser por meio dessa amizade com Krishnamurti."
Olival Freire lembra que amizades entre físicos e pensadores religiosos não são raras. "Há vários casos", diz. "O ponto é: a Mecânica Quântica abre espaço para conjecturas."
Mas depois de estudar em detalhe a vida de Bohm, o historiador sugere uma motivação a mais para esse encontro: decepcionado com a experiência comunista soviética, Bohm estaria buscando um caminho alternativo para a transformação da sociedade.
"Essa é a minha interpretação", diz Freire.
"Até 1956, Bohm tinha convicções marxistas profundas e essa conexão [com o ideal marxista] se manteve no Brasil e em Israel."
Mas dois eventos na história do século 20 mudariam isso, diz Freire. As denúncias dos crimes de Josef Stalin em 1956 e a invasão da Hungria pela União Soviética em 1957.
"A correspondência de Bohm evidencia impacto imenso desses acontecimentos. Para ele, o mundo acabou", conta o historiador.
"Entrevistei o físico brasileiro Jean Meyer, que esteve com Bohm em Paris em 1957, na época da invasão soviética da Hungria. Ele me contou que Bohm chorava feito criança depois de ouvir a notícia."
Olival Freire faz uma ressalva:
"A busca de espiritualidade por Bohm não é uma busca individual. É uma busca para a sociedade. De elevação da sociedade pelo autoconhecimento, pela superação da fragmentação entre seres vivos."
Quase três décadas após aquela última conversa com David Bohm, Basil Hiley admite que ainda sente falta de trocar ideias com ele. Físicos são pessoas muito conservadoras, comenta. Bohm era diferente.
"Era um cara muito aberto."
Bem humorado, Basil Hiley lamenta também a caixa de champagne que, na opinião dele, Bohm ficou lhe devendo.
Bohm prometeu dar a champagne a quem resolvesse um famoso problema de Física, a Equação de Dirah.
"Bem, eu resolvi esse problema mas ele foi se esconder lá em cima para não ter de pôr a mão no bolso e comprar a champagne."
*Os documentos e cartas de David Joseph Bohm incluídos nessa reportagem foram gentilmente cedidos pela Birkbeck Library, Birkbeck, University of London
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