Entrevista: Nicolás Catena
Nicolás Catena colocou a Argentina no mapa dos países produtores e exportadores de vinhos de qualidade
Tânia Nogueira
Nicolás Catena colocou a Argentina no mapa dos países produtores e exportadores de vinhos de qualidade - Divulgação
Ao fazer do malbec argentino um dos vinhos mais conhecidos no mundo, Nicolás Catena mudou a história da indústria vinícola em seu país. Dizem até que a vitivinicultura - o processo de fabricação de vinho - na Argentina se divide em a.C. e d.C, antes de Catena e depois de Catena. Sua influência, na verdade, há muito ultrapassou as fronteiras da Argentina, tanto que as duas principais publicações especializadas em vinhos já o colocaram na lista dos grandes: em 2009 foi eleito “Homem do Ano” pela revista inglesa Decanter e em 2012 recebeu o prêmio “Distinguished Service Award”, da americana Wine Spectator. Os vinhos top de Catena são de fato bons, mas esses prêmios não foram dados pela maciez dos taninos nem pela complexidade dos aromas de seus rótulos - eles são o reconhecimento da sensibilidade e da habilidade de Nicolás Catena como homem de negócios que sabe crescer criando progresso à sua volta.
Nascido em Mendonça numa família de importantes produtores de vinhos, o empresário de 73 anos nunca estudou enologia, mas sempre participou de todas as etapas de elaboração dos vinhos de suas três vinícolas: Bodega Catena Zapata, Alamos e Tília. Formado em Economia pela Universidade de Columbia, em Nova York, ele teve uma relevante carreira acadêmica: chegou a ser professor-convidado da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Mas Catena destacou-se sempre por uma visão de mercado oportuna, capacidade que o fez acreditar no potencial da Argentina para torná-lo um grande exportador de vinhos, desde que mudasse o estilo do que produzia. Mais que isso, ao perceber a qualidade do malbec de Mendonça, Catena o transformou numa marca capaz de conquistar a fidelidade de milhões de consumidores no Brasil, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e vários outros mercados importantes.
É comum dizerem que antes dos anos 80, o vinho argentino era muito ruim. Isso é verdade? Não, os vinhos não eram ruins. Quando comecei, a Argentina produzia vinhos no antigo estilo italiano. O vinho era guardado em grandes tonéis de madeira por três ou quatro anos e sofria uma oxidação gradual, como ainda hoje se faz com o Porto ou o Jerez. Antigamente, o vinho Chianti, por exemplo, era um vinho oxidado, mas a Itália estava mudando. No Piemonte, quem mudou foi o Angelo Gaja. Na Toscana, o (marquês Piero) Antinori. Nos anos 70, no mundo todo, vinho oxidado era considerado o oposto de um vinho de qualidade. O produto argentino continuava com o estilo oxidado. Isso não quer dizer que fosse ruim ou tivesse defeitos como aroma e sabor de vinagre. Pessoalmente, continuo gostando de vinhos oxidados.
No entanto, o senhor pôs fim à era do vinho oxidado na Argentina. Nos anos 80, começou a produzir tintos ao estilo de Bordeaux e brancos ao estilo da Borgonha. Por quê? Foi casual. Em 1982, fui convidado a dar aulas de Economia na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Lá, um dos meus primeiros passeios foi ao Napa Valley, onde visitei a vinícola de Robert Mondavi. Experimentei um cabernet sauvignon e um sauvignon blanc equilibrados, cheios de aromas de fruta, sem oxidação, que pareciam franceses. Foi uma revelação. Eu tinha crescido com a ideia de que ninguém poderia fazer nada nem sequer parecido com o vinho francês, de tão superior que ele era. Na Califórnia, descobri que era possível fazer um vinho tão bom quanto o francês.
Acredita mesmo que o vinho californiano é tão bom quanto o francês? Com minha mulher, Elena, costumo provar bons vinhos de Bordeaux e da Califórnia, para estudar e também por prazer. Sou obrigado a confessar que, na maior parte das vezes, gosto mais dos de Bordeaux. Os californianos, no entanto, queriam tanto imitar os franceses e superar Bordeaux que estudaram tudo sobre a França: como os franceses plantavam, como vinificavam, como amadureciam o vinho. E acabaram fazendo um vinho parecido. Isso me impressionou tanto que decidi fazer um projeto parecido na Argentina.
O senhor se tornou amigo de Robert Mondavi? Ele o ajudou a fazer as mudanças que queria? Amigo, eu não diria. Mas ele era extremamente generoso, revelava o segredo de seu sucesso, ensinava como fazer, sem nunca se preocupar se você era um concorrente ou não.
Hoje, o senhor é conhecido como o pai da malbec. Por que decidiu investir nessa casta que os franceses tinham desprezado? Quando voltei da Califórnia, de início, plantei cabernet cauvignon e chardonnay. Não pretendia fazer um malbec no novo estilo, apesar de a empresa da minha família ter vários vinhedos de malbec. O primeiro varietal de malbec veio só em 1994, por insistência de minha filha, Laura (que hoje é presidente da Bodega Catena Zapata). A partir daí, minha ideia deixou de ser fazer algo parecido com um Bordeaux. Resolvi oferecer ao consumidor um sabor e um aroma diferentes e o deixar decidir.
O que levou o seu avô e outros viticultores do fim do século 19 e início do século 20 a escolherem a malbec como casta principal da região de Mendonça? Meu avô Nicola contava que, quando chegou da Itália, não conhecia a malbec. Mas os vizinhos disseram que aquela era a melhor uva tinta, a que dava mais cor ao vinho. Ele plantou malbec, meu pai, Domingo, continuou com a malbec e a empresa foi muito bem. Quando decidi fazer o vinho no novo estilo, sem oxidação, como o francês e o californiano, meu pai, que morreu em 1985, insistia para que eu fizesse uma experiência com a malbec. Não segui seu conselho, mas aquilo ficou na minha cabeça. No início dos anos 90, Laura me convenceu de que valia a pena fazermos uma experiência. No entanto, quando nosso malbec recebeu uma pontuação alta da Wine Spectator, fiquei bastante surpreso. Na época, os grandes tintos, aqueles que mereciam reconhecimento internacional, sempre tinham uma predominância de cabernet sauvignon no seu blend. Os 92 pontos da Wine Spectator foram uma surpresa muito boa, pois minha família tinha plantações importantes de malbec, muitas vinhas e vinhas muito velhas. Nós aproveitamos essas vinhas.
Mas também plantou vinhas novas com essa uva. Uma noite, jantando com um consultor francês, dei nosso malbec para ele provar e ouvi: “Esse vinho tem algo que me preocupa. Tem sabor e aroma de uma região quente.” Imediatamente, pensei: “Tenho de plantar em zonas frias para conseguir vinhos elegantes”. Depois disso, plantei malbec, cabernet sauvignon e chardonnay numa altura limite, acima da qual há muito risco de geadas, em regiões de Mendonça ainda mais altas do que Rivadavia, onde estavam os vinhedos de meu pai. Em Tupungato, plantamos um vinhedo de 120 hectares de malbec, a 1500 m de altitude.
Fazer da malbec um ícone da Argentina foi consequência do terroir ou uma estratégia de posicionamento no mercado? Quando percebi que o aroma floral da malbec e seu sabor sem nenhum amargor eram tão bem aceitos internacionalmente, decidi concentrar todos os nossos esforços em produzir um grande vinho malbec, porque acreditava que era o que de melhor poderia produzir na Argentina, com o nosso terroir.
Por que a Bodega Catena Zapata, em Agrelo, tem a forma de uma pirâmide maia sendo que os maias não estiveram na Argentina? Quando decidi que queria um novo estilo de vinho, não oxidado, quis construir uma vinícola que representasse essa nova fase da empresa. Pensei em algo em estilo italiano, já que minha família era de origem italiana; francês, porque era o vinho mais famoso, ou espanhol, por causa da nossa colonização. Mas nada disso indicava um terroir diferente. Eu queria algo que marcasse nossa diferença. E arquitetura maia é o que a América Latina tem de mais grandioso. Nossa vinícola se inspirou no grande Templo de Tikal, na Guatemala.
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