sábado 31 2013

“Em vez de rolar a ‘dívida social’, todo mundo quer cobrá-la”


26 de agosto de 2013 
Autor: Comunicação Millenium
  
Bolivar-Lamounier
Em entrevista ao Instituto Millenium, o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier traça um diagnóstico da política nacional. Dentre suas principais preocupações, Lamounier destaca o déficit de legitimidade das instituições políticas e o vazio de lideranças.
O coautor de “A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade”, escrito em parceria com Amaury de Souza, também critica o desperdício de dinheiro público e a falta de ética dos governantes. “Muita lama foi jogada em todos os partidos”, opina.
Lamounier prefere não arriscar um prognóstico sobre as eleições de 2014. Contudo, afirma ter esperança no futuro. “Não sou pessimista. Temos um ano pela frente”, comenta.
Confira a entrevista.
Instituto Millenium: Durante o programa “Painel”, da GloboNews, exibido em 17 de agosto, o senhor afirmou que “o Brasil opera com um déficit permanente de legitimidade, que é compensado pela crença nas elites políticas e empresariais e nas instituições”. Hoje, as pessoas estão descrentes nesses setores da sociedade?
Bolívar Lamounier:
 Por vários motivos, dos quais vou mencionar três. Primeiro é preciso considerar que, durante quase 11 anos no poder, os governos Lula e Dilma exageraram no “oba-oba”. Disseram que o Brasil já estaria com um pé no Primeiro Mundo, que nos tornamos um país de classe média, que temos um dos melhores sistemas de saúde do mundo etc. A reação das pessoas de renda média-baixa e baixa parece ter se dado em duas etapas: primeiro elas acreditaram e, pacientemente, esperaram sua vez. Depois, sentiram-se tapeadas e resolveram cobrar a “dívida”, em vez de renová-la.
Um segundo fator, evidenciado pelos protestos de junho, é que as camadas de renda citadas fizeram o dever de casa: compararam a precariedade do transporte público, da saúde, da educação etc. com o colossal desperdício de recursos que o governo federal tem promovido, e que é simbolizado pelos estádios desnecessários e superfaturados para a Copa do Mudo.
Por último, mas não menos importante, a questão ética tem estado continuamente na agenda pública desde 1992, ano do impeachment de Collor. Muita coisa aconteceu nesses 20 anos: o PT, que então se proclamava o paladino da ética, teve suas entranhas escancaradas no episódio do mensalão; a divulgação de casos de corrupção (reais ou imaginários) aumentou enormemente e muita lama foi jogada em todos os partidos. Assim, o pouco crédito de confiança que a sociedade dava aos políticos e empresários foi retirado.
Imil: O senhor também declarou que a ausência de referências e o vácuo de liderança são preocupantes. Por quê?
Lamounier: 
Pela mesma razão indicada na resposta anterior: onde não há lideranças respeitadas, que os cidadãos aceitem como referências, os descontentamentos sociais tornam-se mais agudos. Dessa forma, em vez de rolar a “dívida social”, todo mundo quer cobrá-la e quer pagamento à vista, o que, evidentemente, não é possível.
Imil: As eleições de 2014 podem mudar esse cenário de enfraquecimento das instituições, da elite política e das convicções?
Lamounier:
 É difícil arriscar um prognóstico. Até o momento, as indicações não são promissoras: o governo Dilma já se desgastou bastante, e vai se desgastar muito mais, se não conseguir manter a inflação dentro de limites aceitáveis. A oposição, por sua vez, está à procura da “música” adequada, ainda não entrou no tom. Mas não sou pessimista. Temos um ano pela frente.
Imil: O senhor mencionou “O Leviatã”, de Thomas Hobbes, teórico político e filósofo inglês, ao falar das manifestações. Poderia explicar essa referência?
Lamounier:
 Invoquei Hobbes em conexão com dois pontos tratados acima: o déficit de legitimidade e o vazio de lideranças que a sociedade aceite como referências. Em “O Leviatã”, obra de 1651, referindo-se a uma situação imaginária, mas desse tipo, Hobbes sugeriu levar o raciocínio até o limite. Se todos os indivíduos gritarem “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como é que fica? É obvio que o conflito se generaliza, vira o que ele designou como uma “guerra de todos contra todos”.
Imil: No mesmo debate, o senhor questionou a utilidade dos estádios após a realização dos grandes eventos. Qual a sua opinião sobre esses investimentos?
Lamounier:
 A pior possível. Na situação atual do Brasil, trazer a Copa do Mundo foi um verdadeiro desatino. Depois dela, a média de público [nos estádios] será baixíssima, como vem sendo há muitos anos. Mas cada torcedor poderá ter o consolo de sentar-se em muitos milhões que todos nós pagamos com nossos impostos.

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