Protestos
Índios, africanos, colonos insatisfeitos com a Metrópole, colonos leais ao rei de Portugal, nativistas, emancipacionistas e usuários de transporte público -- por mais de uma vez -- foram às ruas expor as suas queixas e reivindicações
Emprestado de uma campanha publicitária de uísque, o bordão “O gigante acordou” tomou as ruas do país nos últimos dias, levado por manifestantes que replicavam também o jingle de uma montadora de carros. Por trás dele, além do comercial que une um slogan nacionalista a uma assinatura em inglês, há também uma espécie de mito. A ideia de que o brasileiro, esse mesmo que saiu de casa agora para exigir respeito, melhores serviços públicos e o fim da corrupção, é passivo, acomodado, resignado. Uma ideia de fundo falso que a história ajuda a derrubar.
São cinco séculos de absurdos, é verdade, mas também cinco séculos de revoltas, motins e manifestações. Por motivos variados, índios, africanos, colonos insatisfeitos com a metrópole, colonos leais ao rei de Portugal, nativistas, emancipacionistas e republicanos foram às ruas expor suas queixas e reivindicações. No momento atual, o exemplo mais emblemático dessa tradição nacional de revoltas é o Motim do Vintém, levante popular que tomou as ruas do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, disparado pelo aumento de 20 réis – um vintém – na tarifa do bonde puxado por mulas.
“A ideia de que o brasileiro é passivo é absolutamente errônea”, diz Monica Duarte Dantas, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e autora dos livros Revoltas, Motins, Revoluções: Homens Livres Pobres e Libertos no Brasil do Século XIX (Alameda, 2011) eFronteiras Movediças: a Comarca de Itapicuru e a Formação do Arraial de Canudos (Hucitec, 2007). “A história do Brasil é repleta de movimentos de contestação, caso das revoltas escravas, como também de movimentos sócio-políticos nos quais a população se levantou contra impostos que considerava injustos, leis e decretos que interferiam no seu modo de vida e que, normalmente, visavam a uma maior opressão ou controle por parte dos governos.”
O historiador Fábio Pestana Ramos, um dos autores de Festa Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, vencedor do prêmio Jabuti em 2002, concorda. “Ao longo da história da formação do Brasil como nação, um processo ainda em andamento, seu povo nunca foi passivo. Ao inverso, da Independência do país, em 1822, até o fim do século XIX, foram registrados quarenta motins e revoltas. No século XX, tivemos um número superior de contestações. Muitas violentos, armadas e reivindicando mudanças políticas.”
De acordo com a pesquisadora da USP, a tese da passividade nacional começou a ser derrubada há pouco tempo por estudos que mostram sua falta de lastro. A ideia de que o brasileiro não reclama de nada é uma ideia construída (reproduzida em muitos livros didáticos) e que não encontra eco nas pesquisas recentes sobre o passado do país”, diz.
“Durante grande parte do século XX, os estudos sobre movimentos populares se debruçaram essencialmente sobre os chamados movimentos ‘messiânicos’ ou ‘milenaristas’, marcados pela existência de líderes carismáticos responsáveis pela mobilização de uma população taxada de ignorante e cuja principal característica seria o fanatismo religioso. Pesquisas recentes mostram que no cerne desses movimentos havia demandas não de cunho religioso, mas sócio-econômico ou político, como no caso de Canudos, em que a população originalmente se levantou contra a cobrança de novos impostos, e não por razões religiosas.”
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