quinta-feira 14 2013

A retomada dos vinhedos eslovenos


Por Eric Asimov- The New York Times News Service/Syndicate
O Leste Europeu tem uma antiga cultura do vinho, embora isso nem sempre seja óbvio nos vinhos de hoje. Assim como a Lei Seca nos Estados Unidos desligou a indústria americana moderna de suas origens nascentes, o comunismo separou esses países de séculos de tradição vinícola.


A retomada dos vinhedos eslovenos
O Leste Europeu tem uma antiga cultura do vinho, embora isso nem sempre seja óbvio nos vinhos de hoje. Assim como a Lei Seca nos Estados Unidos desligou a indústria americana moderna de suas origens nascentes, o comunismo separou esses países de séculos de tradição vinícola. O rejuvenescimento pós-comunista dessas tradições, e sua adaptação ao mundo moderno, estão hoje entre as histórias mais empolgantes do vinho.
Alguns desses países, como a Geórgia, no Cáucaso, foram berços da história da bebida e, embora sejam menos conhecidos e entendidos, estão começando a deixar novas marcas. Já os vinhos húngaros, tanto os secos quanto os doces, estão novamente emocionando, aproveitando investimentos internacionais. Também a Croácia está começando a estabelecer uma presença global com seus vinhos secos.
Mas talvez nenhuma das antigas repúblicas comunistas tenha chegado tão longe quando a Eslovênia na recuperação de uma vibrante viticultura.
Na Eslovênia, ao menos na região oeste de Primorska, o vinho e a identidade regional transcendem a política. Nas colinas verdes onde esse país faz fronteira com a região do Friuli-Venezia Giulia, ao nordeste da Itália, há pouca evidência física da divisa para além de escassos e vazios postos de guarda. Os vinhedos do Collio italiano prosseguem em direção ao Brda esloveno, as fileiras de vinhas desatentas às divisões políticas.
A lealdade à terra talvez já faça parte de um povo cujo território foi disputado durante séculos. Tanto o império dos Habsburgo quanto Napoleão conquistaram esta região, e o século XX lhe trouxe uma guerra após a outra, e consigo as doenças e a miséria. As vinhas atravessaram com constância todo esse tumulto político e social.
Paul Lukacs, an English professor and the author of "Inventing Wine," in a wine closet in the cellar of his home in Baltimore, Jan. 27, 2013. In his new book, "Inventing Wine," Paul Lukacs makes the point that the idea of "tradition" in wine has been thoroughly mutable. (© Steve Ruark/The New York Times)Assim como qualquer vinho da Europa do Leste, os de Brda inspiram-se nos do Ocidente. O Friuli-Venezia Giulia tem sido um foco de experimentação criativa nessa área. Ali, produtores como Gravner e Radikon têm explorado tradições antigas, adaptando-as ao século XXI. Outros produtores, como Miani e La Castellada, são artesãos cuidadosos, cujos vinhos são incomumente profundos e articulados. Esse fermento se estende até o Brda, onde produtores como Movia e Edi Simcic parecem ser em grande medida parte dessa cultura particular, embora sejam também distintivamente eslovenos.



O Leste Europeu tem uma antiga cultura do vinho, embora isso nem sempre seja óbvio nos vinhos de hoje. Assim como a Lei Seca nos Estados Unidos desligou a indústria americana moderna de suas origens nascentes, o comunismo separou esses países de séculos de tradição vinícola.

Perhaps none of the former Communist countries have come quite so far as Slovenia in redeveloping a vibrant wine culture. This photo was posed for use as illustration. (© Tony Cenicola/The New York Times)


Para além da Primorska, a indústria do vinho está crescendo nas regiões de Podravje, na fronteira nordeste do país, e de Posavje, no sudeste. Os vinhos são diferentes daqueles do oeste, feitos em geral de outras uvas, e em outros estilos. Embora a Eslovênia produza muitos tintos, ali é bem mais fácil encontrar os brancos.
Para explorar os vinhos agora disponíveis da Eslovênia, o painel de vinhos provou uma amostragem de vinte garrafas de vinho branco de safras recentes. Florence Fabricant e eu fomos acompanhados nessa degustação por Joe Campanale, diretor de bebidas e proprietário de quatro restaurantes nova-iorquinos, e Chris Cannon, restaurateur veterano que está trabalhando em projetos em Nova York e em Morristown, no estado de Nova Jersey.
Naturalmente, numa degustação generalizada como esta, esperávamos certa diversidade de estilos e tipos de vinho, e não fomos desapontados. Alguns deles eram de um estilo limpo e moderno, não tão diferentes dos brancos italianos feitos para o mercado de massa. Mas outros, do estilo Brda, eram bastante distintivos. O painel definitivamente se interessou mais por estes últimos.
Os quatro vinhos melhor avaliados foram todos produzidos, em graus variados, usando técnicas antigas, mais típicas dos tintos. Ao contrário dos vinhos brancos modernos, nos quais o suco da uva é quase imediatamente separado das cascas para obter maior leveza e claridade, nestes vinhos o suco e as cascas são macerados juntos, o que confere à textura uma aspereza agradável de tanino, e um tom rosado, às vezes de âmbar, ao vinho.
Nas últimas semanas, este estilo, às vezes chamado de vinho laranja, tem sido bastante criticado. Alguns críticos têm atacado o que veem como vinhos malfeitos, oxidados, que apesar disso adquiriram uma popularidade fugaz. Bem, o estilo é definitivamente controverso. Assim como no caso dos vinhos naturais, os vinhos convencionais e qualquer outro gênero de vinhos, sempre é possível encontrar bons e maus exemplos. Mas continuo sendo fã desse estilo, e fascinado pelas texturas e pelos sabores sutis a que seus melhores produtores conseguem chegar.

O vinho mais bem avaliado é um excelente exemplo disso. O Kabaj de 2006 não apenas é um vinho laranja, mas também recebeu o tratamento Gravner completo, tendo sido fermentado por muitos meses em ânforas de argila e, por isso, chamado no rótulo de 'Amfora'. O vinho resultante, uma mistura das uvas ribolla gialla, tocai friulano e malvasia, era rico, de tonalidade âmbar, e dotado de texturas e sabores amáveis e complexos. Foi também, de longe, o vinho mais caro da degustação, saindo a 83 dólares.
Outro vinho da Kabaj, o Sivi 2009, era um pouco mais convencional, embora mantivesse o aspecto advindo da maceração da casca. Sivi é o termo esloveno para a uva pinot grigio, embora este vinho, com seus sabores minerais sobrepostos, com leve sabor de mel, ainda parecesse exótico. Pegou o terceiro lugar e, a 20 dólares, foi o melhor custo-benefício.
Nosso segundo lugar ficou com um dos três vinhos que estão entre nossos 'dez mais' da Movia, vinícola superstar da Brda, com vinhedos que atravessam a fronteira com a Itália. Gostamos muito do Veliko 2007, um blend das uvas ribolla gialla, sauvignon blanc e pinot grigio que estava suculento e maleável, com sabores persistentes de ervas e frutas tropicais. O outro vinho da Movia, que obteve em nossa lista o quarto lugar, foi o Rebula 2008, que é o termo esloveno para a ribolla gialla. Era mais profundo, rico, e tinha mais textura, com um toque agradável de carvalho.
Ainda outro vinho da Movia, o Lunar 2008, também feito da ribolla gialla, era completamente diferente e muito incomum, um vinho natural, laranja, desprovido do conservante de dióxido sulfúrico normalmente utilizado, fermentado em barris de carvalho e engarrafado sem filtragem. As garrafas devem ficar de pé por um longo período – o produtor diz uma semana – para serem então decantadas, ou então o sedimento na garrafa produzirá uma névoa no vinho. Estava complexo e frutado, com apenas um leve toque de fedor.
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