Tema Livre
Por Gilles Lapouge, correspondente doEstadão em Paris
Estupefação! O papa Bento XVI, esse homem tão discreto, tão racional e tão frágil, surpreende o mundo inteiro e desaparece repentinamente da nossa vista.
Após 28 de fevereiro, onde ele se encontrará? Talvez num mosteiro de sua terra natal, a Baviera, na Alemanha. Em todo caso, não será em Roma.
Uma decisão comovente, modesta, humana. Debilitado em consequência da idade, da doença, ele preferiu se afastar em vez se manter na função, uma vez que suas forças o abandonam.
As cruéis imagens do seu predecessor, João Paulo II, no fim da sua vida devem ter pesado na decisão de Bento XVI. Ele não queria oferecer aos fiéis, como fez João Paulo II, o espetáculo da sua infinita dor.
De uma certa maneira este papa tão discreto, tão pouco teatral, tão “conservador”, ao contrário de João Paulo II, terá concluído seu ministério com um gesto insólito e revolucionário: abandonando sua função de papa. É preciso de fato remontar séculos atrás para descobrir alguns precedentes.
Podemos citar Bento IX que abandonou o papado em 1045, mas neste caso ele tinha um motivo singular, pois amava uma mulher e pretendia se casar com ela. Mais tarde, em 1415, o papa Gregório XII se demite, mas era uma época muito particular: a Igreja vivia o drama do “grande cisma do Ocidente”. Havia um papa em Avignon; um segundo papa em Roma, enquanto, nos bastidores, um terceiro papa, um antipapa, manobrava. Gregório XII deixou o cargo para restaurar a unidade da Igreja, que não reconheceu o ato como renúncia.
Modelo do século 13. Na realidade conhecemos apenas um precedente da decisão do papa Bento XVI. Devemos remontar ao ano 1294. Celestino V, octogenário, assume o papado por alguns meses apenas, pois prefere se consagrar à meditação mística e se retira para um mosteiro.
Foi significativo, aliás, o fato de Bento XVI, em 2009, ao visitar o local atingido pelo terremoto em Áquila, nos Apeninos, ter se dirigido ao túmulo de Celestino V sobre o qual com frequência dizia que era um dos seus modelos.
Os bookmakers de Londres já abriram seus guichês.
E já circulam nomes para suceder Bento XVI. No momento duas regiões são cotadas: a África (com o nigeriano Francis Arinze e Peter Turkson, de Gana) e Itália (tendo entre outros o cardeal recentemente nomeado de Milão, Angelo Scola), mas os cardeais da América Latina, entre eles o de São Paulo, têm grandes chances, como também um canadense.
Não vamos fazer prognósticos além destes. Em primeiro lugar porque não sabemos nada.
E em seguida porque a vontade da Igreja é de preservar o segredo. O termo “conclave”, usado para designar a assembleia de cardeais de menos de 80 anos que formam o colégio eleitoral etimologicamente significa “Cum Clave”, ou seja “à chave”. Os cardeais são trancados na Capela Sistina até que um nome seja escolhido.
Esse isolamento tem razões históricas: em 1271, em Viterbo, na Itália, os cardeais não conseguiam chegar a um acordo quanto ao sucessor de Clemente IV. Então, os cristãos se enervaram.
E trancaram os cardeais a pão seco e água até chegarem a um consenso quanto a um candidato.
O novo eleito, Gregorio IX, achou o método excelente. E o transformou em norma, que vigora até hoje, com uma pequena nuance: os cardeais trancados na capela não estão mais condenados a pão seco e água.
Tarefa difícil. Seria o momento de fazer um balanço do pontificado de Bento XVI? Ser o sucessor de João Paulo II não era uma tarefa simples. E o frágil, tímido, introvertido, secreto Bento XVI não conseguiu apagar a memória deste atleta da fé, deste fulgurante tribuno que foi seu predecessor polonês.
Sem dúvida Bento XVI é um homem talhado para a meditação, o estudo, a teologia, a oração e a biblioteca e não para governar a Igreja num mar agitado, nestes tempos em que a fé sofre ataques vindos de todos os horizontes e quando se registra um recuo do cristianismo em vastas áreas do mundo, em particular na velha Europa que durante muito tempo foi um dos seus jardins – a França em primeiro lugar.
Bento XVI lutou com coragem. E precisou encontrar uma solução drástica para uma situação muito difícil que foram os escândalos de pedofilia em numerosas igrejas.
Diante do cisma dos fundamentalistas, tentou uma reconciliação com os seguidores do Monsenhor Marcel Lefèbvre. E, em 2007, chegou mesmo a liberar a missa em latim.
Em 2009 suspendeu a excomunhão de quatro bispos ordenados por Lefèbvre. Na ocasião, foi acusado de simpatizar com as posições do bispo. O que não era o caso, mas isso não importa. O essencial a seus olhos era restaurar o manto dilacerado da Igreja.
Resta a pergunta fundamental: Bento XVI estava pronto para pilotar a Igreja numa época em que a história devastada não é mais que uma sequência de violências inauditas e irracionais? Mas, diante dos desafios que os céus turvos do nosso tempo infligem aos homens, que chefe conseguirá cumprir sua tarefa?
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