quinta-feira 13 2014

Morre o poeta Manoel de Barros, aos 97 anos


Memória

Escritor foi internado em outubro, na cidade de Campo Grande, para tratar uma obstrução intestinal

Manoel de Barros, poeta brasileiro

Morreu nesta quinta-feira o poeta mato-grossense Manoel de Barros, aos 97 anos. Internado desde o dia 24 de outubro no Hospital Proncor, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Barros deu entrada na unidade para tratar uma obstrução intestinal. Na quarta-feira, ele era mantido sedado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), com condição clínica instável, segundo boletim médico. A causa da morte ainda não foi divulgada. 
No início de 2014, Barros teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o deixou sem andar, falar e escrever e passou a ficar aos cuidados da mulher, Stella, e da única filha viva, Martha, na casa da família, em Campo Grande. O poeta havia perdido seus dois filhos homens, João e Manoel, em 2007 e 2013, respectivamente.
Autor de duas dezenas de livros de poesia, Barros também se aventurou pela literatura infantil, em que retratou as mesmas paisagens rurais dos versos e rememorou sua própria infância. Vencedor de dois prêmios Jabuti, em 2002, por O Fazedor de Amanhecer, e em 1990, por O Guardador de Águas, o poeta também foi reconhecido por prêmios da Academia Brasileira de Letras (2000 e 2012) e do Ministério da Cultura (1998).
O sepultamento do escritor será no cemitério Parque das Primaveras, em Campo Grande. Ainda não há informações sobre o velório. 
Trajetória — Manoel de Barros nasceu em 19 de dezembro de 1916 em Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso. Filho de fazendeiros, passou parte da infância no Pantanal, até começar os estudos em um colégio interno em Campo Grande. Quando do lançamento de seu primeiro livro, Poemas Concebidos sem Pecado, em 1937, Barros morava no Rio de Janeiro, onde conheceu amigos que o ajudaram na tarefa de fazer, artesanalmente, os 21 exemplares da coletânea de poemas.
Depois de se envolver e se decepcionar com o Partido Comunista Brasileiro, quando seu líder, Luis Carlos Prestes, declarou apoio a Getúlio Vargas, o poeta vive em trânsito, morando em países como Bolívia, Peru e Estados Unidos -- por lá estudou cinema e artes visuais. De volta ao Brasil, ele conhece Stella, com quem se casa em três meses. Os dois se mudam para o Mato Grosso do Sul e administram a propriedade rural deixada pelos pais do escritor. Barros continua a escrever sua poesia, mas sem receber reconhecimento por ela.
Na década de 1980, assina contrato com sua primeira editora, a Civilização Brasileira, e sai do anonimato graças a Millôr Fernandes, que passa a elogiar o então recém-publicado Livro de Pré-Coisas (1985), quando já contava quase 70 anos. Desde então, Barros arrebanhou fãs anonimos e famosos, como Antonio Houaiss, que o chamou de "visionário da humildade", e Carlos Drummond de Andrade, que na época o titulou como o "maior poeta brasileiro" vivo. 
Os elogios deram verniz à obra do cuiabano, que preferia uma vida reclusa, o que dificultava a divulgação de seus textos. Em 1989, ganhou seu primeiro prêmio Jabuti, por O Guardador de Águas. O segundo viria em 2002, com O Fazedor do Amanhecer. Também foi laureado com o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto de sua obra, em 1998. 
Manoel de Barros passou pelas editoras Civilização Brasileira, Record e Leya, cujo contrato venceu no final de outubro. A obra do poeta foi levada pela família para o selo Alfaguara, da Objetiva, que passa a publicá-la em 2015. 
A poesia de Manoel de Barros

Rio inventado

“No caminho, antes, a gente precisava
de atravessar um rio inventado.
Na travessai o carro afundou
E os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.”
(Exercícios de Ser Criança, editora Salamandra)

Normalidade

“Desfazer o normal, há de ser uma norma.”
(Memórias Inventadas: A Segunda Infância, editora Planeta)

Coisas do mundo

“Eu não sei nada sobre as grandes coisas do mundo, mas sobre as pequenas eu sei menos.”
(Memórias Inventadas: A Segunda Infância, editora Planeta)


Quando sou árvore

"Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos.”
(Memórias Inventadas: A Segunda Infância, editora Planeta)

Infantil

O menino ia no mato
E a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do
menino
E ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que
o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando meu corpo
E eu desviei depressa.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.
(Poesia Completa Brochura, editora Leya)

Meninice

Um dia deu de olho com a menina
com a menina que ficou reinando
na sua meninice
Dela sempre trazia novidades:
— Em seus joelhos pousavam mansos cardeais…
Está com um leicenço bem na polpa
quase pedi o carnegão pra isca de rubafo…
Dela sempre trazia novidades:
— A ladeira falou pro caminhão: “pode me
descer de motor parado, benzinho…”
Era o pai dela no guidão
(Poesia Completa Brochura, editora Leya)

'Tranver' o mundo

“O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê. É preciso transver o mundo.”
(Livro sobre Nada, editora Record)

Mãe

“No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.”
(Livro sobre Nada, editora Record)

'Avoar'

"Mais alto que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava.
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava."
(Memórias Inventadas: A Segunda Infância, editora Planeta)

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