Rio de Janeiro
Em guerra com o PT no Rio, PMDB precisa tirar do chão a candidatura do atual vice-governador. Com alta rejeição, Sérgio Cabral deixa aberta possibilidade de concorrer a deputado federal, abrindo mão do Senado
Daniel Haidar, do Rio de Janeiro
Sérgio Cabral e Pezão em reunião com prefeitos de cidades afetadas pela chuva: anúncio de 'patrulha de limpeza' (Shana Reis/Divulgação-Governo do Estado do Rio de Janeiro)
“Os candidatos do PMDB para deputado federal e deputado estadual não são malucos. Não vão para uma chapa que não tem chance nenhuma de decolar. O Pezão já está atrás há seis meses. Por que iria decolar? Parece que o ciclo do PMDB no estado se fechou”, avalia o cientista político Ricardo Ismael
Depois de o governador Sérgio Cabral (PMDB) virar o alvo principal das manifestações que arrastaram multidões contra políticos no ano passado, 2014 começa como uma grande página em branco para o PMDB do Rio de Janeiro. O partido tenta evitar maiores estragos e se manter no comando do Executivo no Estado. O principal movimento nesse sentido será a saída de Cabral do Palácio Guanabara, em 31 de março, para entregar as chaves do cofre e a caneta ao vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). Pré-candidato ao Guanabara, ele terá sete meses no comando da máquina estatal para tentar fazer decolar sua candidatura e conservar no poder o grupo que comanda o Rio desde 1998. A partir de abril, Cabral estará exclusivamente dedicado a traçar seu futuro político, deixando para Pezão a missão de reverter a impopularidade que herdará do atual governador.
Pezão termina o ano em meio a uma disputa fratricida do PMDB com o PT no estado, sócios desde que Cabral chegou ao Palácio Guanabara em 2007. Setores peemedebistas já admitiram publicamente abrir mão de candidatura própria depois que a última pesquisa do Instituto Datafolha de 2013 mostrou Pezão com 5% das intenções de voto, em quinto lugar. Os dissidentes aceitam uma composição com o senador Lindbergh Farias (PT), opção defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e refutada nos últimos meses por Cabral e pelo presidente do diretório fluminense do PMDB, Jorge Picciani. Este último, particularmente, tem péssima relação com Lindbergh e diz que a candidatura de Pezão ao governo estadual é a única certeza para 2014. Afirma só ter dúvidas sobre quem será o adversário de Pezão no segundo turno. É um cenário bem distinto da realidade detectada pelo Datafolha, nos dias 28 e 29 de novembro de 2013, que identificou na liderança Anthony Garotinho (PR), ex-aliado de Pezão e hoje maior inimigo do grupo do PMDB, com 21% da preferência, seguido por Lindbergh Farias (PT) e Marcelo Crivella (PRB), empatados com 15%. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM), com 11% dos votos, também está à frente do vice-governador.
"No PMDB, a única coisa concreta é a candidatura do Pezão, que na nossa avaliação está muito bem, acima da expectativa. A dúvida é quem será o adversário no segundo turno", diz Picciani.
O ano de 2014 vai começar com a guerra de petistas e peemedebistas a pleno vapor. Lindbergh defende a saída em massa dos 1.250 militantes petistas do governo Cabral e prepara um reforço na campanha a partir de janeiro. Lula tenta convencer o PMDB a aderir à candidatura do senador petista. Picciani promete manter o discurso de que isso não vai acontecer em hipótese alguma e já chegou a falar que um divórcio vai deixar a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff sem a máquina eleitoral do PMDB no Rio.
"Aqui ninguém dita regra. Respeitamos o Lula, mas ele não tem influência no PMDB do Rio", disse Picciani, no último dia do ano, ao site de VEJA.
Cabral se despede de 2013 com uma postura diferente da humildade que prometeu depois dos protestos que perturbaram por meses a tranquilidade dos vizinhos do governador no Leblon e o forçaram a criar um código de conduta que proibiria andar de helicóptero em compromissos pessoais. A voz das ruas era clara: mais benefícios para a população e menos para políticos. Ele não só ignorou os motivos dos protestos ao retomar os voos para Mangaratiba, no litoral fluminense, com dinheiro do contribuinte, como também terminou o ano com a sanção de uma série de benefícios salariais para si próprio, aliados políticos, Judiciário e Ministério Público.
Se a candidatura de Pezão é certa, não há nada mais duvidoso que o futuro político do atual governador. No começo de dezembro, ele admitiu pela primeira vez concorrer ao Senado, mas aliados já cogitam uma candidatura para a Câmara dos Deputados. Até o fim de março, terá de calcular se consegue os votos necessários para virar senador ou se a tentativa de virar deputado federal é mais realista. A retórica do presidente do diretório fluminense do PMDB deixa as duas possibilidades em aberto.
"Cabral poderá ser candidato a qualquer coisa. Essa é uma decisão que ele, como líder maior do partido, irá tomar. Tem toda a liberdade", afirma Picciani.
Com Pezão atrelado à avaliação negativa (ruim ou péssimo) do governo Cabral, que saiu de 36% na pesquisa de junho do Datafolha para 38% no levantamento feito nos dias 28 e 29 de novembro, fica mais difícil avançar nas intenções de voto. O cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, acredita que esse cenário de rejeição traz risco até mesmo para a manutenção da candidatura. Sem um candidato majoritário competitivo, a legenda fica prejudicada na atração de votos para a Câmara dos Deputados (46 vagas do Rio em disputa) e para a Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (70 cadeiras), de acordo com a análise do especialista. Para eleger um deputado federal e um deputado estadual, cada partido do Rio de Janeiro precisou obter 174.129 e 118.580 votos, respectivamente, na eleição de 2010, para alcançar o chamado quociente eleitoral (divisão de votos válidos pela quantidade de vagas em disputa).
“Os candidatos do PMDB para deputado federal e deputado estadual não são malucos. Não vão para uma chapa que não tem chance nenhuma de decolar. O Pezão já está atrás há seis meses. Por que iria decolar? Parece que o ciclo do PMDB no estado se fechou”, avalia Ismael.
Como parte da estratégia de construir o candidato Pezão como um "fazedor de obras", ele já é a figura central das ações de governo. É ele quem assume, há dois anos, a linha de frente de obras nas regiões afetadas pelas chuvas, as inaugurações de obras de infraestrutura e até o Maracanã – reforma que conduziu como secretário de Obras. As realizações deveriam estar, nesta fase da pré-campanha, no papel de cartão de visita do projeto do PMDB. Mas a guinada na opinião pública transformou obras em problemas. Os gastos acima de 1 bilhão de reais para reformar o estádio foram alvo de protestos durante a Copa das Confederações e são um ponto de preocupação em 2014, quando novas manifestações podem tumultuar as partidas da Copa do Mundo. As obras prometidas para as vítimas da chuva na Região Serrana estão atrasadas, como mostrou reportagem do site de VEJA.
O vice-governador também não terá a seu favor o programa que foi a peça principal de propaganda para Cabral em 2010: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O programa, que ocupava grande parte das inserções de TV e rádio da campanha de Cabral à reeleição, atravessa uma crise. Favelas como o Morro de São Carlos, a Rocinha e a Cidade de Deus têm constantes conflitos armados, e os desvios de conduta – como a tortura e a morte do pedreiro Amarildo de Souza – maculam a imagem do programa.
O cenário de protestos e a descida acelerada de Cabral favoreceram as candidaturas de oposição. “Há uma tendência certamente de alternância de poder no Rio. Quem tiver maior capacidade de mostrar diferença em relação à atual administração deve ter melhor desempenho”, afirma Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências.
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