Entrevista: Eric Dishman
Americano que coordenou pesquisa em oito países, incluindo o Brasil, afirma que tecnologia permitirá a ampliação dos tratamentos domésticos
Renata Honorato
Eric Dishman, pesquisador da Intel (Reprodução/Twitter)
A Intel divulgou nesta segunda-feira uma pesquisa sobre o papel da tecnologia na inovação dos tratamentos de saúde. O estudo foi conduzido pelo instituto Penn Schoen Berland, sob a coordenação do americano Eric Dishman, gerente geral do grupo de Ciências da Saúde e Vida da Intel. Mais de 12.000 pessoas foram entrevistadas em oito países: Estados Unidos, Japão, França, Itália, Brasil, China, Índia e Indonésia. Segundo o levantamento, mais de 80% das pessoas disseram estar otimistas em relação ao uso da tecnologia na saúde. Metade dos entrevistados acredita que os hospitais tradicionais se tornarão obsoletos no futuro. Em entrevista exclusiva ao site de VEJA, Dishman diz que o Brasil é simpático às novas tecnologias. "De acordo com a pesquisa, 75% dos brasileiros testariam sensores para coletar dados sobre a sua saúde. Globalmente, 70% dos entrevistados aceitariam fazer a mesma coisa", explica. Dishman defende a ideia de tratamentos domésticos e do uso de equipamentos que possam monitorar a saúde dos pacientes a partir de uma base de dados. Para o cientista, o big data (processamento e análise de imensas quantidades de dados, provenientes de sistemas digitais) e os dispositivos "wearable" (gadgets para uso pessoal que podem monitora sinais do organismo do usuário) permitirão aos médicos oferecer tratamentos personalizados. Confira a entrevista a seguir:
Como a tecnologia pode ajudar o sistema de saúde no mundo? A tecnologia pode fazer da nossa casa o nosso hospital. O sistema de saúde em todo o mundo é caro e há ainda o risco de uma infecção hospitalar. Uma das linhas de pesquisa prioritária para a Intel e também a mais importante para o consumidor final, segundo mostra a pesquisa, prevê a capacidade de produzirmos um diagnóstico em casa, de forma independente, por meio de dispositivos de uso doméstico. Por exemplo: através de um smartphone ou tablet seria possível coletar dados sobre a saúde de uma pessoa e compartilhar essas informações com o médico. Mais da metade dos participantes da pesquisa afirmou que o hospital se tornará obsoleto. Isso significa que, no futuro, muitos dos tratamentos poderão ser realizados em casa e somente a tecnologia permitirá essa migração.
O que deve acontecer com os hospitais nesse novo cenário? Os hospitais serão utilizados apenas em casos extremos. Se você precisar fazer uma cirurgia, então terá que ir a um hospital, é claro. Agora, se o problema de saúde for uma gripe, por exemplo, não será necessário ir ao hospital. Alguns países, como os da Escandinávia, estão fechando leitos hospitalares e investindo em tratamento domiciliar. As consultas acontecem via videoconferência. As visitas são virtuais e utilizam alguns softwares inteligentes capazes de personalizar o tratamento para cada paciente, ainda que o diagnóstico seja o mesmo. Esse é o futuro. Em dez anos, os tratamentos de saúde acontecerão em casa, e não no hospital.
Escandinávia esta na frente, então? Na Escandinávia, há um programa nacional de monitoramento à distância, que permite aos médicos avaliar sinais vitais, rotina de exercícios ou ainda medir a pressão arterial. Os dispositivos e os sensores wearable permitem a pacientes e médicos coletar informações o tempo todo, ou com maior frequência, ao invés de apenas uma vez por ano, quando os pacientes fazem os tradicionais check-ups. É o caso do controle da pressão arterial. Algumas vezes, os pacientes são avaliados a partir de poucas medições, que não são suficientes para um diagnóstico correto. Se um paciente usar um aparelho wearable, ou mesmo um smartphone que colete informações, o diagnóstico será mais correto. Isso permitirá que os tratamentos sejam mais personalizados e individualizados.
Mais de 70% dos entrevistados são receptivos a usar sensores em banheiros (pias ou vasos sanitários), embalagens de medicamentos capazes de avisar ao médico se o paciente esqueceu de tomar uma pílula, ou mesmo a engolir um sensor para coletar informações sobre a saúde. Quão longe estamos dessa realidade? Temos que separar o que já existe, ainda que em fase de testes, do que já é adotado em larga escala. Todas essas inovações citadas na pesquisa já estão sendo usadas por médicos e pacientes, mas apenas em um pequeno número de países emergentes. Esses sensores estarão disponíveis em grande escala em cinco ou seis anos. Os brasileiros, inclusive, estão acima da média: 78% das pessoas ouvidas são receptivas à adoção desses sensores, enquanto a média global é de 70%.
A pesquisa mostra que somos muito recepctivos a novas tecnologias porque acreditamos que elas podem reduzir preços de remédios e também dos planos de saúde. Sim. Nos últimos dois anos, conversei com políticos e esse problema de custo é real. As novas tecnologias permitirão diagnósticos mais rápidos e melhores resultados. Se você usar a tecnologia para personalizar o tratamento dos indivíduos, a cura também será mais rápida e efetiva. Hoje em dia, coletamos dados apenas dos pacientes que vão ao hospital. Quanto mais dados forem cruzados, mais fácil serão os tratamentos.
Já existem softwares capazes de coletar e cruzar as informações dos pacientes? O que existe hoje é um dispositivo que coleta apenas um tipo de dado. O médico pode deixar um aparelho na casa de um paciente e assim monitorar uma determinada informação. Com a ajuda de técnicas de big data, será possível cruzar informações como pressão arterial, desempenho físico ou mesmo mapeamento genético. Combinando todos esses dados, será possível entender perfeitamente o que acontece no organismo de cada pessoa. Esses experimentos estão apenas começando e devem se tornar populares em dez anos.
Os millennials (pessoas nascidas entre 1980 e 2000) se sentem menos confortáveis em compartilhar informações sobre saúde, como resultados laboratoriais, do que as pessoas acima de 55 anos. Em contrapartida, eles não se importam em compartilhar informações pessoais. Por que isso ocorre? O que acontece é que os jovens, no geral, não refletem sobre a saúde. Essa é a grande diferença entre eles a as pessoas mais velhas. Essa turma pensa que será jovem para sempre. Eles acham que são imortais. Os millennialsnão veem necessidade em colaborar para um sistema de saúde melhor. O grande desafio para a imprensa e para o poder público é conseguir convencer os jovens da importância da prevenção.
Qual dado mais chamou a atenção do senhor na pesquisa? O que me surpreendeu foi perceber que as pessoas estão prontas para usar as novas tecnologias em favor da saúde.
Por que a Índia foi o país que se mostrou mais disposto a compartilhar dados para contribuir com a inovação no que se refere à saúde? Trata-se de um país com uma população muito grande e o sistema de saúde não consegue atender todos da mesma maneira. Não há hospitais para tanta gente. Então a busca de uma alternativa é natural. Assim como na China, a população de idosos cresce. Não é economicamente viável investir na construção de mais hospitais. Eles definitivamente estão prontos para um sistema de saúde virtual. Em países geograficamente extensos e populosos, como é o caso do Brasil, há quem tenha que viajar horas para chegar até um hospital. As consultas via videoconferência podem resolver esse problema.
Por que o senhor decidiu dedicar sua carreira à inovação tecnológica na saúde? Eu não escolhi trabalhar nessa área. Foi o contrário: o sistema de saúde me escolheu. Recebi o diagnóstico de um tipo raro e perigoso de câncer de rim quando tinha 19 anos. Recebi também o prognóstico de que viveria pouco mais de um ano. Eu acabei vivendo um pouquinho mais, afinal, hoje tenho 45 anos (risos). Vivi em hospitais e clínicas fazendo quimioterapia e outros tratamentos. Percebi que meu médico não tinha muitos dados sobre mim. Eles me medicavam com base em suposições, o que incluía perigosos coquetéis de remédios. Aquilo estava me matando. Se existissem dados que pudessem mostrar o que estava acontecendo com o meu corpo, talvez tudo fosse diferente. Foi por isso que decidi trabalhar com tecnologia e saúde. A cada vez que minha situação se agravava, não era o câncer que estava tentando me matar, mas infecções. Foi, então, que comecei a questionar por que as consultas não podiam ser virtuais. Sempre soube que isso podia dar certo. Tudo começou com uma necessidade pessoal.
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