Certa tarde alguns meses atrás, um representante de vendas de 45 anos chamado Mike telefonou ao "The Dr. Harry Fisch Show", programa semanal sobre saúde do homem no canal Howard Stern na rádio via satélite Sirius XM, onde nenhum problema sexual ou médico masculino fica de lado.
Certa tarde alguns meses atrás, um representante de vendas de 45 anos chamado Mike telefonou ao "The Dr. Harry Fisch Show", programa semanal sobre saúde do homem no canal Howard Stern na rádio via satélite Sirius XM, onde nenhum problema sexual ou médico masculino fica de lado.
"Eu me sinto um homem de 70 anos num corpo de 45", Mike, de Vancouver, Colúmbia Britânica, afirmou a Fisch durante a transmissão ao vivo. "Eu quero me sentir bem. Não quero me sentir cansado o dia inteiro."
Ouvinte frequente, Mike tinha ouvido Fisch, urologista e especialista em fertilidade de Nova York, falar sobre o fenômeno "testosterona baixa". Fisch gosta de dizer que o nível de testosterona de um homem é a "vareta de nível" da saúde; regularmente, ele participa de programas televisivos como "CBS This Morning" para falar a respeito de doenças que podem coincidir com a testosterona baixa. Ele também é o especialista médico citado em IsItLowT.com, site informativo bancado pelo AbbVie, laboratório farmacêutico responsável pelo AndroGel, a testosterona em gel mais vendida do mercado norte-americano.
Como muitos homens que já viram esse site, comerciais ou questionários online sobre testosterona baixa, Mike suspeitava que a redução do hormônio fosse a causa de sua letargia. E esperava que, como as campanhas de marketing pareciam sugerir, tomar um remédio receitado para testosterona o deixasse se sentindo mais cheio de energia.
"Segui seu conselho e fui examinar minha testosterona", Mike disse a Fisch.
O médico do ouvinte lhe disse que a testosterona "estava um pouco baixa" e receitou um medicamento com testosterona.
Joe Morse/The New York Times
Mike também disse que tinha diabetes, pressão alta e 18 quilos de sobrepeso. Fisch explicou que condições como obesidade podem ser acompanhadas pela redução da testosterona e da energia, e pediu para Mike se exercitar mais e perder peso. Porém, caso Mike tivesse problemas para mudar a dieta e rotina de exercícios, Fisch afirmou que tomar testosterona poderia lhe dar o impulso necessário para tal.
Recomendações como a de Fisch e a comercialização da testosterona baixa como uma condição médica comum ajudou a aumentar a venda nos EUA de géis, adesivos, injeções e comprimidos do hormônio para cerca de US$ 2 bilhões no ano passado, segundo a IMS Health, empresa de informações sobre assistência médica. Em 2002, as vendas foram de meros US$ 234 milhões; mais ou menos naquela época, a Solvay Pharmaceuticals, que então comercializava o AndroGel, começou a usar o termo 'testosterona baixa', substituindo um eufemismo anterior para o envelhecimento masculino, 'andropausa'. Hoje em dia, a tendência da testosterona baixa é global. Entre 2000 e 2011, houve 'um aumento grande e progressivo' na utilização do hormônio em 37 países, segundo estudo recente publicado pelo 'Medical Journal of Australia'.
Esse rolo compressor do marketing está indo de encontro à posição crescente de pesquisadores médicos renomados e especialistas do setor. Para eles, o segmento farmacêutico expandiu enormemente o mercado para medicações à base de testosterona para muitos homens que talvez não precisem deles e podem se expor a riscos de saúde aumentados ao tomá-los.
Os laboratórios gastaram US$ 107 milhões em 2012 para anunciar as principais marcas de testosterona nos Estados Unidos, segundo a Kantar Media. O valor não inclui o marketing conhecido como campanhas sem marca, para aumentar a consciência da testosterona baixa em si.
A FDA, agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, regulamenta de perto anúncios de remédios receitados de marca registrada, mas não costuma regulamentar campanhas sem marca. Segundo John Mack, analista que mantém o blog Pharma Marketing, esse sistema de duas vias permitiu às empresas posicionar a testosterona baixa como uma doença com sintomas tão amorfos – indiferença, aumento da gordura corporal e mau humor – que podem ser vistos como atacando praticamente todos os homens, pelo menos de vez em quando.
'Você talvez não tenha a condição médica descrita no livro didático. Porém, pode ter testosterona baixa segundo a definição dos testes de perguntas e respostas de marketing e vai ao médico atrás de tratamento', explica Mack.
David Freundel, porta-voz da AbbVie, rejeitou os pedidos de entrevistas com executivos da empresa. Em comunicado oficial, Freundel escreveu que o 'AndroGel foi aprovado pela FDA para tratar homens adultos com testosterona baixa ou ausente (hipogonadismo) diagnosticados pelo médico, e tem mais de dez anos de dados clínicos, seguros e publicados desde o seu lançamento'.
Ele acrescentou que a empresa continua a financiar a pesquisada de efeitos em longo prazo da terapia de testosterona e que iniciativas informativas sem marca, como o site IsItLowT.com, 'seguem a orientação da FDA'.
Contudo, especialistas em saúde pública alertam que a popularização dos remédios de testosterona está deixando para trás a eficácia e possíveis danos. Os rótulos das medicações alertam os usuários sobre o potencial para apneia do sono, insuficiência cardíaca e contagem baixa de esperma; os géis tópicos advertem que mulheres e crianças expostas às substâncias poderiam desenvolver características masculinas, tais como cabelo no peito. Outros citaram preocupações ligadas ao potencial para câncer de próstata e ataque cardíaco.
'O mais importante é que simplesmente não conhecemos o risco no longo prazo da terapia com testosterona no presente momento', disse Jacques G. Baillargeon, epidemiologista do centro médico da Universidade do Texas, campus de Galveston, que estudou as tendências na prescrição de testosterona nos EUA.
Buscando a fonte da juventude
Desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento dos órgãos sexuais masculinos, bem como na musculatura e pelo corporal, há muito tempo a testosterona é sinônimo de vigor juvenil e virilidade. E a corrida para protelar o envelhecimento manipulando o hormônio é um negócio antigo.
Perto do final do século XIX, Charles-Édouard Brown-Séquard, fisiologista francês, começou a injetar em si mesmo 'suco' extraído de testículos esmagados de cachorro e porquinho-da-índia, como noticiado em 'The Lancet' em 1889. Embora tenha afirmado que as injeções fossem rejuvenescedoras, pesquisadores subsequentes passaram a acreditar que aquilo se devia ao efeito placebo.
Nas décadas de 1920 e 30, cirurgiões começaram a transplantar testículos de macaco e bode em homens, disse o Dr. John E. Morley, diretor de endocrinologia e geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Saint Louis. Entretanto, a moda terminou rapidamente depois que um conhecido cirurgião implantou testículos de bode nos pacientes e estes pareciam emitir um odor repugnante.
'Esta é a história hilariante da testosterona', conta Morley, que no passado recebeu cachê como conferencista ou consultor de laboratórios que vendiam ou planejavam vender tratamentos com testosterona.
'Pode não ter melhorado muito, mas, nossa, que loucura era aquela.'
Por fim, pesquisadores conseguiram sintetizar a testosterona e as companhias farmacêuticas tiraram proveito da descoberta usando-a para desenvolver tratamentos médicos.
O distúrbio endócrino clássico para o qual os remédios de testosterona foram originalmente criados e aprovados em âmbito federal chama-se hipogonadismo. Tal condição pode ser causada por problemas como testículos que não desceram ou tumor na glândula pituitária, geralmente resultando em deficiência severa do hormônio, além de baixa libido, musculatura mínima e pouco pelo corporal.
'Este é o verdadeiro paciente hipogonadal, não o empresário com sobrepeso cujas ereções não são tão boas quanto costumavam ser', disse o Dr. Richard Quinton, endocrinologista da Universidade de Newcastle, Grã-Bretanha.
estes em que todos podem ser reprovados
Sua libido foi reduzida? Tem falta de energia? Anda triste ou resmungão? Cai no sono após o jantar? Notou uma deterioração recente na capacidade de praticar esportes?
Há mais de uma década, a Organon BioSciences, companhia farmacêutica holandesa, pediu a Morley que avaliasse um questionário cobrindo sintomas comuns a homens mais velhos com testosterona baixa. De acordo com Morley, o laboratório pediu que 'não fosse comprido demais e tivesse um toque sexy'.
Em troca, a Organon deu US$ 40 mil para pesquisa em sua universidade sobre os efeitos da testosterona no músculo. Ao longo do tempo, o questionário de Morley ganhou um nome oficial enfatizando o fato de que o público pretendido era o de homens mais velhos: teste da deficiência andrógena em homens envelhecidos.
O teste se tornou um item padrão em sites de remédios com marca registrada, tais como androgel.com, e informativos como o IsItLowT.com, da AbbVie, onde o questionário se chama 'será que é testosterona baixa?'. Se as perguntas levam muitos homens a se identificar como tendo testosterona baixa e a consultar médicos em busca de remédios, bem, é essa mesma a intenção.
O teste também se tornou polêmico. A maioria das questões evoca sintomas genéricos que poderia ser aplicados a muitos homens com depressão clínica ou simplesmente tendo um dia ruim – ou até mesmo mulheres, garante a Dra. Adriane J. Fugh-Berman, professora auxiliar do Centro Médico da Universidade Georgetown, em Washington.
'Existem testes nos quais todos são reprovados; e a ideia é essa', afirma Fugh-Berman, que dirige o PharmedOut, projeto de Georgetown que informa médicos a respeito de afirmativas do marketing de remédios. 'Sentir-se cansado após o jantar depende de quanto tempo se passou após o jantar. Todos nós terminamos nos nos sentindo cansados. Chama-se sono.'
Nenhum comentário:
Postar um comentário