Muitas vezes, vemos uma proposta de políticos profissionais do pemedebismo e tendemos achá-la que é apenas fruto de ignorância. Raras vezes é. Na maioria das vezes, o oportunismo político é pura má fé!
Analise as questões políticas que estão por trás do anúncio de desengavetar a anacrônica proposta de conceder Independência ao Banco Central do Brasil (BCB), feito pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL). Sem obscurecer sua inesquecível maior façanha, ele e aliados próximos (inclusive regionalmente), como José Sarney (PMDB-AP), Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da CCJ, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder da bancada, estariam querendo pressionar o governo e o PT a apoiar candidaturas do PMDB a governador, em Estados nos quais os partidos estão em conflito.
Pelo substitutivo de Francisco Dornelles (PP-RJ), nomeado Ministro da Fazenda por seu tio Tancredo Neves, em 1985, a autonomia operacional do BCB ocorreria somente a partir de 2015, início do mandato do presidente a ser eleito em 2014. São duas as condições dessa autonomia operacional:
- concessão mandatos com duração determinada para o presidente e os diretores do BCB (seis anos), e
- determinação das metas de política monetária e cambial pelas autoridades políticas (Conselho Monetário Nacional).
Caberia ao BCB a atribuição de atingir essas metas e a competência para escolher os instrumentos para seu atingimento, esta última definida como autonomia de instrumentos. Exatamente por isso é equivocado! Os instrumentos de política econômica têm de ser coordenados com um propósito comum, preferencialmente, desenvolvimentista. A política monetária não pode “engessar” (sobredeterminar) os demais instrumentos!
A definição de Sistema Financeiro Nacional seria também alterada, enumerando-se os mercados que o compõem: financeiro, de capitais, de seguros, de capitalização e de previdência complementar (?!). A definição atual é um rol “vago, impreciso e incompleto”, segundo o relator, de instituições componentes. Curiosamente, a recente regulação do mercado de cartões de pagamentos, finalmente atribuída ao BCB, não é nem citada…
Enfim, é um besteirol inconsequente! Pior, tentaram envolver na trama o Lula, supostamente pautado por Antonio Pallocci e Henriques Meirelles, sugerindo que seria uma “segunda edição da Carta aos Brasileiros”, para dar a confiança de O Mercado para a reeleição da Presidenta Dilma! Parece que minha ex-aluna estrilou, dando um “passa-fora moleques! Lula declarou, simplesmente, que se fosse para ser adotada a Independência do BCB, ele teria feito em seu governo…
De fato, ele manteve a “sabedoria histórica do jeitinho brasileiro”: “todas as vezes que houver no BCB uma direção monetarista, deve haver como contrapartida direção desenvolvimentista nos bancos públicos“. Esta experiência evitou, justamente, o controle monetário geral de caráter recessivo. No primeiro mandato do Governo Lula, continuou o pensamento neoliberal dominante no BCB, com um único instrumento – taxa de juros – e uma única meta – controle da inflação. Na prática, o stop-and-go não foi ainda mais longe devido às “barberagens” da condução dessa política contra o crescimento, em 2004 e 2008, e as reações desenvolvimentistas através dos bancos públicos.
Mas os seguidores do Pensamento Único, o tão aclamado mainstream, não desistem de impor à Nação o Controle Geral da Demanda Agregada através da famigerada Selic, colocada em “mãos confiáveis”, ou seja, nas dos devotos de seu credo.
Dada a oportunidade, vale lembrar algumas velhas observações, que publiquei em meu livro — Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista — publicado em 1999.
O poder do Banco Central manipular O Mercado não é ilimitado. Nos extremos da escala, está circunscrito pelas forças fundamentais do custo do funding, do lucro, inclusive a produtividade, da arbitragem, dos fluxos e saldos cambiais, etc. Háfundamentos, entre outros, a paridade das taxa de juros, a paridade dos poder de compra, o nível de atividade econômica, que colocam limites aos movimentos das variáveis controladas pelo banco central.
Entre esses limites, no entanto, permanece certa área de indeterminação, devido à descoordenação do sistema, que provoca seu estado de incerteza. Os fatores especulativos erráticos, derivados do livre jogo das expectativas em curto prazo, dão margem para o Banco Central influir nas ditas expectativas incertas. A sinalização de preços básicos, para o mercado, permite alguma coordenação à medida que arrasta consigo a opinião do mercado e acaba influenciando, indiretamente, ospreços de mercado dos ativos financeiros.
Portanto, apresentar os limites da atuação do banco central é discutir sua capacidade de determinação de preços básicos, como juros e câmbio, e estoques nominais de moeda.
As funções de Banco Central são:
- banco do governo: agente de financiamento do governo, o que coloca certo limite para a taxa de juros;
- banco dos bancos: emprestador em última instância, o que é fator expansionista do estoque nominal de moeda;
- banco fiscalizador: supervisor do cumprimento da regulamentação do sistema financeiro nacional, visando a estabilidade sistêmica;
- banco de câmbio: protetor dos valores de troca entre a moeda nacional e a moeda estrangeira, estabilizando (ou não) a taxa de câmbio;
- banco controlador da oferta de moeda interna e dos termos de financiamento: busca cumprir a meta da programação monetária.
Houve, ao longo do tempo, redefinição da função prioritária do Banco Central. Historicamente, predominou seu papel como banco do governo e banco dos bancos. Mas, na era keynesiana, cabia a ele fazer a política monetária acomodar-se à política fiscal, oferecendo maior liquidez e cobrando menores juros, para favorecer o crescimento econômico. Na era monetarista, cabia evitar a política discricionária de ativismo de demanda, seguindo determinada programação monetária. Finalmente, na era contemporânea, a prioridade deixa de ser atingir a meta monetária, para ser, diretamente, alcançar oobjetivo inflacionário prefixado. Dessa forma, subordina a política fiscal à menor expansão de liquidez e à maior taxa de juros, para combater a inflação.
Função prioritária do Banco Central:
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Zelar pela confiança
no sistema financeiro? |
Zelar pela confiança
no valor da moeda? |
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Polêmica contemporânea ocorre a respeito da tese em defesa de que o Banco Central deve ser independente para cumprir o objetivo em relação à inflação. Adversários dessa posição acham que quem deve definir o objetivo da política econômica não é o Banco Central, mas sim o governo eleito.
Os defensores da tese da independência advogam que o Banco Central deve ter autonomia operacional, ou seja, mandatos para seus diretores que os livrem de pressão política, para conseguirem executar sua tarefa com eficiência.
Na discussão sobre a independência do Banco Central, é comum, por uma lado, entre os políticos, encontrar a crítica à criação de um quarto poder moderador, não eleito, superposto ao executivo, legislativo e judiciário, consagrando o corporativismo de seus funcionários e arriscando a descoordenação entre os vários instrumentos de política econômica. Por outro lado, é comum achar, entre os economistas ortodoxos, a opinião de que essa independência é garantia de se obter taxa de inflação baixa.
Critérios formais da independência do banco central:
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Independência orgânica:
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Independência funcional:
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Refere-se às relações institucionais entre o Estado e o Banco Central, nas condições tanto de nomeação dos dirigentes quanto de exercício de suas funções. | Compreende a liberdade de ação do Banco Central, na definição de suas atribuições e objetivos em matéria de política econômica e em termos de obter autonomia financeira própria. |
Devemos adotar certa metodologia, para fazer o balanço dos principais argumentos apresentados no debate. No plano da teoria monetária pura, é comum, entre os ortodoxos, partir-se da abstração do postulado da exogeneidade da oferta de moeda para a defesa da necessidade do Banco Central independente, incorrendo no “vício ricardiano” de ir, diretamente, dateoria pura para a ação política, sem nenhuma mediação.
No plano da teoria aplicada, a explicação da criação endógena da moeda incorpora as instituições e a experiência histórica ao esclarecimento do fenômeno tratado antes como puramente econômico. Historicamente, constata-se que nunca perdura a política de controle monetário quando esta provoca risco sistêmico. Neste caso, a política de apoio a substitui. Assim, Banco Central independente também não consegue controlar a quantidade de moeda em circulação efetiva. Esta depende das reações dos agentes econômicos, decidindo ativar a quase-moeda retida ociosamente ou fazer inovações financeiras fora do controle da autoridade monetária.
Cabe a crítica à mitologia do padrão-ouro, pois se não se subordina variáveis prioritárias socialmente, como o nível de renda e de emprego, a influência incontrolável como a disponibilidade de ouro, quanto mais a instituições controláveis, criadas pela ação política. Da mesma forma, merece reparo o mito do Bundesbank, pretensamente tido como o maior Banco Central independente e guardião da doutrina monetarista. Ele é, antes de tudo, pragmático: adota adaptabilidade para sua programação monetária, não seguindo inflexivelmente determinada regra.
Buscar evidências empíricas, calculando, por exemplo, “índices da Independência do Banco Central (IBC)”, não resolve a polêmica de maneira científica. Correlação não é causalidade: as duas variáveis correlacionadas – o IBC e qualquer outro agregado macroeconômico – podem ser resultantes de terceiro fator, indicando espuriedade.
A questão da independência do Banco Central está mais afeita ao plano da ação da política econômica: não há limitação física, regulamentar ou institucional qualquer que, nas crises inflacionárias graves, coloque obstáculos à ação discricionária. Na realidade, o debate regra versus política discricionária é a respeito de quanto de autoridade deve ser delegada ao formulador de política monetária.
Nesse sentido, Milton Friedman afirma que “a proposta do Banco Central independente não é a proposta monetarista”. Isto é por que ele é contra o arbítrio colocado à disposição da diretoria de Banco Central independente. Os monetaristas reconhecem que o que acontece, nessa realidade, é a endogeneidade da oferta de moeda, devido à prática de fixação dos juros. No caso, o Banco Central pode tomar essa decisão de maneira independente sem, no entanto, atingir a meta monetária.
A experiência brasileira de estabilização inflacionária demonstra que ter Banco Central independente não é nem condição necessária nem suficiente, para combater a inflação. Para o sucesso dessa política, há sim necessidade de adotar política macroeconômica abrangente e coordenada, envolvendo política de abertura comercial, política fiscal, política de rendas, política cambial e política de juros, em condições internacionais propícias ao acúmulo de reservas internacionais e à sobrevalorização da taxa de câmbio.
A independência do Banco Central também não consegue controlar a endogeneidade da oferta de moeda, ou seja, a remonetização determinada pela nova demanda por moeda dos agentes econômicos nas condições de estabilidade inflacionária.
O verdadeiro objetivo dos defensores da independência ao Banco Central do Brasil, é traçar separação institucional ou legal entre:
- os que decidem sobre a emissão monetária;
- os que executam a decisão sobre o gasto público;
- os que decidem sobre os gastos públicos.
Como a reforma fiscal que aumentasse a progressividade da carga tributária e a reforma do mecanismo de financiamento do setor público implicaria em crowding out do setor privado, que os neoliberais brasileiros não aceitam, eles vendem a idéia, para a opinião pública, de que o Banco Central independente impediria o financiamento monetário dos gastos públicos, seja obrigando o governo a cortá-los, seja impedindo o aumento de impostos. Por esta última ser “medida impopular” (sic), conseguem convencer a muitos incautos.
Os cidadãos bem informados devem estar alertas para o risco da independência do Banco Central em relação ao governo levar a sua “privatização”, ou seja, à total subordinação aos interesses privados do mercado.
Post-scriptum:
Sempre acho graça nesse debate imaginando a seguinte situação: qual seria a reação dos economistas neoliberais se os desenvolvimentistas ganhassem mandato de seis anos no comando do Banco Central do Brasil?!
A própósito, leia Eduardo Campos (Valor, 31/10/13) informando sobre o pensamento de um atual Diretor do BCB. Pela primeira vez, desde a era neoliberal, a diretoria do BCB deixou de ser dominada por O Mercado e foi constituída por funcionários do próprio Banco Central.
“O diretor de Assuntos Internacionais e Regulação do Banco Central (BC), Luiz Awazu Pereira, propõe que países emergentes como o Brasil promovam mudanças nos seus regimes de metas de inflação para incorporar explicitamente preocupações com a estabilidade financeira, adotando um sistema que ele chama de regime de “metas integradas de inflação”. Com esse novo regime, além de buscar preços estáveis, o BC também inibiria a formação de bolhas financeiras.
A proposta faz parte de estudo de Awazu em coautoria com o economista Pierre-Richard Agénor, da Universidade de Manchester, publicado como texto para discussão na página do Banco Central (BC). O estudo não necessariamente reflete a visão do BCB.
O que Agénor e Awazu defendem é que os bancos centrais manipulem a taxa de juros não apenas de olho na inflação e na capacidade ociosa da economia, como ocorre hoje com o uso disseminado da chamada de regra de Taylor. Eles defendem uma versão ampliada da regra que inclua um parâmetro que capture o eventual crescimento excessivo do crédito. Há uma ressalva sobre essa variável crédito: ela funciona desde que o país não conviva com distorções causadas pelo crédito direcionado excessivo.
“Esse regime pode ser definido como um regime de metas flexível. Por esse regime, o mandato do Banco Central é explicitamente ampliado para incluir o objetivo de estabilidade financeira. A taxa de juros é determinada para responder diretamente a uma bem definida medida de crescimento excessivamente rápido do crédito. As políticas monetária e macroprudencial são calibradas em conjunto para a estabilidade macroeconômica [preços] e financeira“, diz o estudo.
Adicionalmente, defendem os autores, o BC também pode atuar no mercado de câmbio para mitigar o excesso de volatilidade e seu efeito adverso sobre os setores financeiro e real da economia.
Também é necessária uma sólida posição fiscal do país, que mantenha os prêmios de risco baixos e estáveis.
Desde a crise internacional, cujo marco foi a quebra do banco Lehman Brothers, economistas do mundo todo têm chegado à conclusão de que o sistema de metas de inflação puro, que visa a inflação baixa e constante, não tem sido suficiente para evitar períodos de instabilidade financeira. De forma crescente, especialistas defendem que os bancos centrais tenham como meta explícita a estabilidade financeira.
O consenso que vem se formando é que os bancos centrais usem mais de um instrumento de política monetária para atingir esse objetivo duplo. No caso, medidas macroprudenciais seriam usadas em conjunto com a taxa de juros paragarantir a estabilidade financeira e a variação dos preços sob controle.
Para os autores, o uso dessa “função reação” ampliada de política monetária pode ser benéfica para os países de renda média. Isso porque o BC terá a habilidade de estimar, monitorar, reagir e mitigar alguns catalisadores do mercado de crédito, que, quando deixados de lado, podem levar a um crescimento excessivo dos financiamentos e inflar o preço dos ativos financeiros.
Este não é o primeiro trabalho de Awazu que discute as implicações da crise sobre o Brasil e a política monetária de países emergentes. Um recente trabalho abordou como a política do Federal Reserve (Fed), banco central americano, resultou em ingresso de recursos no país. Awazu é o diretor que representa o presidente do BC, Alexandre Tombini, em fóruns internacionais, como G-20 e FMI, e também foi um dos diretores que votaram contra o aumento da Selic em abril, quando a taxa básica estava em 7,25% ao ano.
Para adotar essa regra de Taylor ampliada, o BC terá de escolher como calcular essa diferença entre o crescimento real e o crescimento potencial do mercado de crédito. Neste ponto, diz o trabalho, o BC tem de decidir qual será a medida de crédito a ser utilizada. Isso passa pela definição de uma variável de crédito real ou nominal e se será utilizada uma medida agregada ou um componente total, como o crédito privado, por exemplo.
Feito isso, há que se definir como o crescimento potencial do mercado de crédito será estimado. Esse potencial pode ser calculado utilizando parâmetros estatísticos e filtros. Mas dado que os países de renda média ainda passam por um processo de amadurecimento financeiro, a melhor saída, sugerem os autores, pode ser a busca de uma relação crédito sobre PIB de equilíbrio, que seria obtida relacionando fatores fundamentais da economia.
Os autores ponderam que, como esses países sofrem com um elevado grau de incerteza em estimar o PIB potencial em tempo real, esse “credit growth gap” pode produzir uma medida mais tempestiva e confiável sobre o excesso de demanda na economia.
Outro ponto que pode ser considerado na composição dessa função reação ampliada é alguma medida de volatilidade da taxa de câmbio, diz o estudo. Movimentos de fluxos de capital, bem como a determinação da taxa de juros, têm implicações sobre o câmbio e, consequentemente, sobre o mercado de crédito. Isso já foi testado aqui, quando o BC adotou medidas para limitar posições vendidas em câmbio que eram utilizadas pelos bancos como forma de se obter reais para irrigar o mercado de crédito.
Finalmente, e talvez o mais importante, na visão dos autores, é que o BC terá de lidar com os temas credibilidade e expectativas, e ambos podem ser afetados pela introdução da nova política.
“A introdução de uma ‘função reação’ modificada pode ter implicações para a credibilidade se seus objetivos não forem comunicados de forma adequada e bem compreendidos pelo público. Não dar a devida atenção para isso pode afetar as expectativas inflacionárias. Esse fato será de máxima importância para o BC que embarcar no regime de metas integradas de inflação”, concluem os autores, apontando que muitos países estão, implícita ou explicitamente, utilizando alguma forma do regime de metas integradas de inflação proposto quando enfrentam os desafios impostos pelo pós-crise.”
Questão-chave: o BCB controlaria as IFPF?! A política de estabilização submeteria a política de desenvolvimento socioeconômico?!
IFPF: Instituições Financeiras Públicas Federais
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