segunda-feira 14 2013

PALAVRAS E IMAGENS, BAI BAI BRAZIL!

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preto
Foto de Manuel Bandeira, Mário de Andrade e outros 14 escritores na Semana de Arte Moderna de 1922. O articulista não obteve a tempo as 16 autorizações dos herdeiros para publicá-la.

1. Armou-se um vendaval, uma tormenta em torno de biografias não-autorizadas. Roberto Carlos se entristece se publicarem algo sem que ele  leia primeiro. Outros artistas resolveram aderir, sem se dar conta da complexidade do tema.
2. A batalha se dá no campo da honra (artigo 20 do Código Civil), tanto no tocante a palavras quanto a imagens. Nem umas nem outras podem afrontar a privacidade pessoal ou macular a imagem (compreendida aí imagem como algo que fira, insisto, tanto por palavras quanto por fotografias a “imagem” de alguém).
3. Se o artista ou seu herdeiro estiverem diante de abusos, que processem o meliante que usurpou, atacou, vilipendiou, comercializou, mercantilizou imagens ou assacou palavras contra o dito cujo biografado, artista ou não. A lei já lhes faculta isto.
4. Ocorre que não é, infelizmente, com bom senso que a vida é vivida. Os editores que, até então, publicavam livros voltados à história do país, qualquer história (da música, do teatro, do futebol) ficaram de pés e mãos atados. Ninguém publica mais nada sem a necessidade de uma enxurrada de autorizações prévias de familiares, muitas vezes até sobrinhos-netos (embora a lei só permita este eventual direito a descendentes diretos), que entram na Justiça a fim de “ganhar algum”.
5. Assim,  na famosa foto da visita de Manuel Bandeira a São Paulo para a Semana de Arte Moderna de 1922, em que ele posa ao lado de Mário de Andrade e outros 14 escritores, será preciso ir atrás de todos os 16 herdeiros para obter a autorização de publicar a foto. Essa interpretação equívoca da lei não existe em nenhum país da Terra! Em contrapartida, é público e notório que o poeta Ledo Ivo tentou, em seu livro de poesias, publicar uma singela foto sua ao lado de Bandeira e não obteve a autorização.
6. Curiosa a sanha contra os “biógrafos e editores que ganham fortunas”. Parece o roto correndo atrás do esfarrapado, num país em que a porcentagem de recursos na cultura não chega a milésimos do dinheiro público. Simples assim: em relação aos Estados Unidos temos dez vezes menos bibliotecas e um índice de leitura per capita dez vezes menor também.
7. Por outro lado, temos o custo Brasil para tudo. Além do octogésimo-nono lugar em educação e acima do centésimo posto em competitividade entre os países da ONU, choramos na sarjeta as 2600 horas/ ano dispendidas com pagamentos de impostos, quase 10 vezes mais do que a média de outros países. Chegamos lá: o editor de livros, filmes, videos, documentários – seja lá o que for, que não imprensa – precisará gastar o mesmo tempo com autorizações.
8. Não são apenas as imagens fotográficas, mas também as imagens das obras artísticas. É sabido que a ninguém mais é permitido reproduzir uma pintura de Volpi – mesmo que em livro escolar, apenas para dar um exemplo – sem pagar valores a pretensos advogados das partes da mesma família.
9. E assim vamos atacando as imagens e fazendo um fuzuê interpretativo quanto à honra (já que os herdeiros sempre consideram o que quer que seja como uma mácula, esperando ganhar o alento de algum juiz desprevenido), e dando “bai-bai brazil” à palavra e à imagem, num país abandonado pelos políticos e, agora, surpreendentemente, abandonado pelos próprios intelectuais.
10. Por isso, já soube, que depois que a Justiça, a pedido do filho de Renato Russo, proibiu a paródia a Eduardo e Mônica (Deus! Uma paródia que o tempo e o vento levam!), a Procure Não-Rir / Associação dos Portugueses Enxovalhados,  e Papagaios Ofendidos já está contratando advogados para impedir que piadas sejam proferidas sem o devido pagamento de direitos autorais…
P.S.  Imprensa, prepara-te: do jeito que as coisas vão, o seu dia de ficar sem o direito a palavras e imagens também há de chegar!

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