Congresso
Senadores começam a dar corpo ao texto de refroma, que pode alterar normas sobre temas sensíveis. Resultado final deve ser menos permissivo do que a proposta elaborada por juristas
Gabriel Castro, de Brasília
Reforma quer disseminar penas alternativas e reduzir benefícios de presos perigosos (Antonio Milena)
O Senado retoma nos próximos dias a discussão sobre um dos temas mais relevantes para o país: a reforma do Código Penal. O relator do texto na Casa, Pedro Taques (PDT-MT), deve apresentar seu voto aos integrantes da comissão especial criada para analisar a matéria e iniciar uma nova etapa do debate, que se estende desde 2011. E a elaboração do projeto passa por discussões espinhosas, como a legalização do aborto e da eutanásia.
O novo Código Penal foi discutido inicialmente por uma comissão de dezessete juristas, designados pelo então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), há dois anos. Os especialistas elaboraram um anteprojeto que se tornou a base daquilo que a comissão especial discutiria nos meses seguintes. Foi desse texto que Pedro Taques partiu para elaborar a sua proposta de reforma.
“Os juristas apresentaram um texto e nós recebemos 550 emendas, de vários senadores. Muitas delas foram consideradas, e eu fiz outras modificações. Mas quem decide é a comissão”, diz Taques, que prefere não adiantar o conteúdo de seu relatório. Depois que ele entregar seu texto aos colegas, será aberto novo prazo para emendas. Da comissão especial, o projeto seguirá direto para o plenário do Senado. De lá, quando aprovado, passará para a Câmara.
A ideia é concluir a votação do projeto na comissão até novembro, para que o tema possa – em tese – ser aprovado pelo plenário ainda neste ano. Assim, a bola passaria para a Câmara dos Deputados. Apesar do sigilo, o texto vem sendo debatido entre os membros da comissão, o que pode acelerar a votação do projeto: "O Pedro Taques tem sido muito correto com a comissão e com a presidência", diz Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do colegiado.
O anteprojeto elaborado pela comissão de juristas inclui a ampliação dos casos em que o aborto é permitido, a legalização da ortotanásia e a legalização do cultivo e do porte de certas quantidades de droga. Mas o texto deve sofrer inúmeras alterações, agora que os senadores assumiram a elaboração da proposta.
Do pré-projeto dos juristas, pouco deve restar já no relatório de Pedro Taques. Um ponto muito criticado na proposta original é a desproporção entre as punições previstas. O abandono de animal, por exemplo, recebe pena de um a quatro anos de prisão. Omitir socorro a criança abandona ou a uma pessoa ferida é tratado como um crime bem mais leve: a pena seria de um a seis meses. Este é um dos trechos que sofrerão mudanças.
Aborto – No caso do aborto, a tendência é que os senadores mantenham a proibição geral, com a exceção dos casos de estupro e risco de vida para a mãe. Os parlamentares também podem acrescentar a ocorrência de anencefalia como motivo para a realização de aborto, acompanhando a decisão tomada no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia dos juristas era mais radical: liberar o aborto sempre que a mãe não apresentasse "condições psicológicas" para levar a gravidez adiante.
Outro tema delicado é a eutanásia – interrupção da vida de um paciente em estágio terminal. Embora trate a prática como um crime, o projeto prevê uma pena bem menor do que a de homicídio (de dois a quatro anos de prisão) e inclui uma exceção: "avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima". Os críticos afirmam que a definição de eutanásia embutida no anteprojeto é tão genérica que inclui mortes por arma de fogo – desde que "por compaixão".
Quanto à ortotanásia – a suspensão do tratamento médico em casos irreversíveis –, também há resistências. Parte dos senadores teme que a permissão abra precedentes perigosos. Pelo texto dos juristas, basta a vontade de um familiar e o consentimento de dois médicos para que uma pessoa considerada irrecuperável possa ter o apoio artificial desligado.
Progressão de pena – A proposta em discussão também altera o cálculo da progressão de pena. A ideia geral é de que os bandidos de menor periculosidade devem ficar fora dos presídios, ao mesmo tempo em que os autores de crimes graves teriam o direito ao benefício restringido. Mas a mudança no anteprojeto é pequena: hoje, por exemplo, um réu primário que cometa crime hediondo tem direito à progressão após cumprir 40% da pena. Pelo novo texto, a exigência sobe para 50%.
Os juristas também propuseram mudanças na lei sobre drogas: o plantio e porte de quantidades "para consumo próprio" não seria crime. Mais um ponto em que o Congresso vai reescrever a proposta.
O endurecimento geral nas penas, como defende boa parte da população, deve ficar de fora do novo Código Penal. “O código atual foi feito pensando no criminoso. Precisamos entregar uma lei que priorize a vítima”, queixa-se o senador Magno Malta (PR-ES), que integra a comissão especial.
Por outro lado, há um bom número de senadores que pretende ampliar a aplicação de penas alternativas. "Dependendo do crime que o réu comete, ele vai preso juntamente com bandidos perigosos e acaba fazendo uma pós-graduação em criminalidade”, diz o senador Sérgio Souza (PMDB-PR), integrante da comissão.
O líder tucano no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), também é a favor do aumento das penas alternativas no texto do Código Penal. "É preciso que presos que não deveriam estar na cadeia possam, sem nenhum prejuízo para a sociedade, ir para a rua", afirma o tucano, que também faz parte do colegiado.
Eduardo Suplicy (PT-SP) concorda: quer que a Casa deixe nas ruas os presos de menor periculosidade: "Existem estudos mostrando que a reincidência é menor entre os condenados que cumprem penas alternativas", justifica.
Maioridade – Parte dos senadores também quer aproveitar a oportunidade para aumentar o rigor na punição adolescentes infratores. O Código Penal não trata da maioridade penal, mas a ideia dos parlamentares é apresentar um projeto separado, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para permitir que reincidentes sejam tratados como maiores de 18 anos. A decisão caberia ao juiz da Vara da Infância e da Juventude.
"Quem cometer um crime hediondo não vai ficar impune por ter 17 anos; mas a proposta também contempla aqueles que acham que a regra da maioridade deve ser mantida", diz o senador Eunício Oliveira. Ele defende que a proposta sobre a maioridade tramite de forma conjunta com o texto do novo Código Penal.
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