Cobertura de baderna em SP e no Rio evidencia que a imprensa está cedendo às pressões de milícias, como a Mídia Ninja e o subjornalismo petralha, financiado por estatais e governos do PT. Nesse mundo, a ordem democrática se submete à violência e ao terror. O jornalismo terá de escolher: ou defende os valores que garantem a própria democracia ou também vandaliza
Vamos lá, meus caros, um texto longo, como há algum tempo não se lê aqui. Mas sempre chega essa hora. Vocês encaram? Acho que sim.
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Na sua fase “Mídia Ninja” — o que há de chefes de redação com inveja de Pablo Capilé, senão dos transes da ventura, ao menos dos dons do pensamento, é uma enormidade! —, é provável que os jornais tragam nesta quinta fotos da Polícia Militar, no Rio e em São Paulo, a reprimir aqueles patriotas que só querem um mundo melhor. É bem verdade que eles invadem, quebram, depredam, jogam pedras e bombas contra a polícia… Mas sabem como é. A “mídia”, que Capilé chama “tradicional”, é reverente ao espírito “Ninja” e faz uma cobertura escancaradamente enviesada, segundo a ótica dos manifestantes. É claro que há exceções, mas poucas. Lembra aqueles filmes B americanos em que os pais saem para descansar um fim de semana e largam a casa aos cuidados do filho adolescente. Só que, nesse “Brazilian Pie”, a droga é a ideologia, o álcool é a contestação, o sexo é a invasão de prédios públicos. Naquela impressionante — em razão da passividade dos interlocutores — entrevista concedida ao Roda Viva, o tal Capilé acusou a “imprensa tradicional” de ser parcial (ele quer uma ainda mais entusiasmada com as ruas) e admitiu que os ninjas também são, o que comporia, então, para usar a sua expressão, um painel de “multiparcialidades”. É claro que ele está errado nisso — como em tudo. Há certamente delinquentes na imprensa. A que se preza, já observei aqui, é, sim parcial: pertence àquela parte da sociedade que entende que as leis, num estado democrático e de direito, têm de ser respeitadas; que maiorias ou minorias não podem solapar os direitos fundamentais de pessoas, instituições e empresas; que os Poderes Constituídos não podem ser tomados de assalto por grupos de pressão, ainda que estes fossem dotados de uma inquestionável superioridade moral. A razão para que assim seja é simples: a alternativa é a utopia anárquica.
Os arquivos estão aí. Escrevi, creio, perto de uma centena de textos apontando que a demonização das Polícias Militares e das forças da ordem — e é evidente que jamais endossei brutalidade policial — nos empurraria para uma situação sem saída. Infelizmente, não foram as “mídias ninjas” da vida ou a multiplicidade de vídeos postados na Internet que encorajaram os violentos. Foi, isto sim, a adesão irresponsável da chamada grande imprensa ao que se passou a considerar um “direito”. E é evidente que seria dispensável dizer que ninguém tem assegurado o direito de impor aos outros a sua vontade, ao arrepio das garantias legais. Hoje é um bom dia para evocar a realidade egípcia, diga-se. A nossa imprensa, em regra, passou a cobrir as manifestações de protesto como se estivéssemos diante de uma reação da sociedade civil a uma ditadura ou a uma tirania. MAS ESPEREM! HÁ NISSO UM EQUÍVOCO ESTÚPIDO OU UMA MÁ-FÉ ESCANDALOSA! Vivemos numa democracia política plena, com amplo direito de organização e de manifestação. O Brasil não é o Egito. O Brasil não é nem mesmo a Turquia, uma ditadura que manda opositores para a cadeia, mas fazendo a mímica de país democrático. Se os políticos são lamentáveis, se os serviços são sofríveis, se a roubalheira é insuportável, a única forma — A ÚNICA! — de sairmos bem disso é exigindo mais respeito às leis (ou o efetivo respeito), não o contrário. Caso se passem a tolerar a agressão sistemática às leis e a violência como método ou de convencimento e de imposição de uma vontade, o resultado será um só…
Não se trata de combater por princípio qualquer espírito mudancista. Não se trata de conjurar os argumentos reacionários de sempre quando diante do novo, advertindo para o caos (para lembrar uma crítica de Albert Hirschman aos conservadores). Não se trata de fazer uma defesa da ordem, de qualquer uma, como valor em si. Refiro-me aqui a uma ordem em particular: a democrática. Sem ela, não há mudança que se consolide porque, por óbvio, seria tragada pela vaga mudancista seguinte, num suposto processo de depuração e excomunhão dos males da anterior. Não é o temor dos reacionários que fala, é a história: isso conduziria ao regime do Terror. O regime democrático é a única garantia que os homens conseguiram inventar para que os diferentes convivam sem buscar a eliminação do outro. Quando ele é rompido, temos as ditaduras. Quando é eliminado como expressão dos fracos, temos o fascismo, de esquerda ou de direita.
Medo das ruas
Infelizmente, a imprensa, hoje, com as exceções de praxe, tem mais medo das ruas do que os políticos. Estes estão muito menos assustados do que parecem porque sabem que a estrutura do estado é complexa demais para dispensar a sua colaboração. O jornalismo, sim, parece ameaçado pelo pânico do suposto risco da irrelevância, como se cedesse àquela tolice de Capilé sobre as “multiparcialidades”. Na tal entrevista ao Roda Viva, o outro ninja presente, Bruno Torturra, afirmou que não censurava a violência dos black blocs porque, disse ele, não lhe cabia esse papel. De fato, nem poderia. Os chamados “ninjas” atuam como parceiros e documentadores das agressões promovidas por aqueles. Mas e a imprensa dita “tradicional”? A ela não compete, com clareza absoluta, fazer a escolha entre a ordem democrática e a quebradeira, entre a manifestação pacífica e a violência, entre a agressão e o respeito aos direitos fundamentais? É dessa parcialidade que a imprensa brasileira está com medo? Teme a sentença condenatória dos microguerrilheiros das redes sociais?
Infelizmente, a imprensa, hoje, com as exceções de praxe, tem mais medo das ruas do que os políticos. Estes estão muito menos assustados do que parecem porque sabem que a estrutura do estado é complexa demais para dispensar a sua colaboração. O jornalismo, sim, parece ameaçado pelo pânico do suposto risco da irrelevância, como se cedesse àquela tolice de Capilé sobre as “multiparcialidades”. Na tal entrevista ao Roda Viva, o outro ninja presente, Bruno Torturra, afirmou que não censurava a violência dos black blocs porque, disse ele, não lhe cabia esse papel. De fato, nem poderia. Os chamados “ninjas” atuam como parceiros e documentadores das agressões promovidas por aqueles. Mas e a imprensa dita “tradicional”? A ela não compete, com clareza absoluta, fazer a escolha entre a ordem democrática e a quebradeira, entre a manifestação pacífica e a violência, entre a agressão e o respeito aos direitos fundamentais? É dessa parcialidade que a imprensa brasileira está com medo? Teme a sentença condenatória dos microguerrilheiros das redes sociais?
Li muita coisa que foi publicada nos sites e portais nesta quarta-feira sobre os protestos em São Paulo — que micaram — e no Rio, que foram mais robustos. Nas duas cidades, houve confrontos violentos com as respectivas Polícias Militares. Na capital fluminense, como tem sido regra, os conflitos foram mais graves, mais violentos. Atentem para a linguagem em que são vazadas as reportagens e os registros. Já não se ouve mais — e essa perda faz o país regredir, não avançar — a voz da imprensa como um dos esteios daquele estado democrático e de direito. Ao contrário: os textos, escritos ou falados, reproduzem a voz da militância, o que acaba conduzindo a situações até engraçadas. Dei destaque para um registro da Folha sobre o protesto em São Paulo:“Manifestantes fazem barricada de fogo na rua e insultam policiais, que não se inibem e vão para cima para dispersar os protestantes”. Então os policiais “não se inibem”???
No Rio, mais uma vez, organizou-se um dos protestos violentos contra Sérgio Cabral. Numa reportagem de O Globo, colho este trecho: “Por volta das 22h50, houve um novo confronto. Manifestantes se abrigaram dentro da 9ª DP para fugir de ataques de gás lacrimogêneo e de disparos de balas de borracha. Mesmo com pedidos dos manifestantes para que parassem, a polícia continuou atirando e foi atrás de um grupo que saiu correndo pela Rua do Catete, em fuga da 9ªDP”. Como se vê, é a polícia que… ataca! Basta uma leitura objetiva dos fatos do dia, ancorada na cronologia, e se vai constatar que a Polícia Militar reagiu às agressões, o que também aconteceu em São Paulo.
Essa demonização das PMs, em qualquer praça, não torna melhor a instituição. Ao contrário. Mande para a rua homens treinados para o confronto, que já entram em cena sabendo que farão o papel dos vilões — embora tenham a incumbência de garantir a proteção ao patrimônio público e privado —, ponha do outro lado uma horda de provocadores (manifestante que tem uma causa política legítima não cobre o rosto nem promove quebra-quebra), à qual se concede uma espécie de licença moral para ignorar qualquer fundamento legal, e teremos, então, manifestações e reações a cada vez mais violentas.
Rio em transe
A situação começa a ficar particularmente grave no Rio. Vocês sabem muito bem o que penso sobre o governo de Sérgio Cabral, em particular sobre sua política de Segurança Pública marqueteira. Jornalistas os mais qualificados, gente de inteligência realmente rara, pareciam, até havia três meses, abduzidos por José Mariano Beltrame, o secretário da área. Vênia máxima, o fato é que a imprensa carioca foi excessivamente tolerante com aquele que já cheguei a chamar de “Fanfarrão Minésio”. Num dado momento, até eu cheguei a me perguntar se a minha teimosia é que me impedia de enxergar as qualidades que se queriam excepcionais do governador.
A situação começa a ficar particularmente grave no Rio. Vocês sabem muito bem o que penso sobre o governo de Sérgio Cabral, em particular sobre sua política de Segurança Pública marqueteira. Jornalistas os mais qualificados, gente de inteligência realmente rara, pareciam, até havia três meses, abduzidos por José Mariano Beltrame, o secretário da área. Vênia máxima, o fato é que a imprensa carioca foi excessivamente tolerante com aquele que já cheguei a chamar de “Fanfarrão Minésio”. Num dado momento, até eu cheguei a me perguntar se a minha teimosia é que me impedia de enxergar as qualidades que se queriam excepcionais do governador.
Alto lá, no entanto! A crítica é um dos mais nobres exercícios do regime democrático. O vandalismo, o quebra-quebra, a invasão de prédios públicos, a imposição pelo grito, a manifestação violenta, tudo isso é a sua mais escancarada negação. Eu não gosto de Sérgio Cabral, mas o grito de guerra “Fora Cabral” é a mais pura, clara e evidente expressão da truculência, da estupidez e, sim!, do ódio à democracia. “Fora Cabral” por quê? Quais foram os crimes que o governador cometeu? Em que tribunal ele foi julgado? Com que autoridade esses brucutus tentam se impor? Ainda que 100% dos fluminenses achassem hoje a sua gestão “ruim ou péssima”, ele não pode ser retirado de lá a não ser por força da lei.
Sim, eu ganho um monte de desafetos quando escrevo o que vai agora, mas não estou nessa profissão para granjear simpatias (nem antipatias, diga-se, mas não temo pagar esse preço): quando a outrora chamada “grande imprensa” passa a fazer uma cobertura das manifestações pelos olhos dos que gritam “Fora Cabral” e trata os policiais como se fossem militares egípcios atirando contra a massa, então está investindo na barbárie e dando curso ao que chamo “ódio à democracia”.
Quem são essas pessoas?
Na manifestação fracassada de São Paulo, nesta quarta, os atores eram muito claros: PT CUT, Sindicato dos Metroviários, PSOL, PSTU, Movimento Passe Livre. Ainda que jornais, rádios e sites — além de todo o subjornalismo financiado por estatais ou por administrações petistas — tenham feito uma verdadeira convocação para o protesto, foram às ruas mil pessoas (segundo a PM) ou três mil (segundo o Datafolha). E os valentes não tiveram dúvida: resolveram compensar a falta de povo com a violência. Sabem que é muito fácil vilanizar a polícia. E no Rio?
Na manifestação fracassada de São Paulo, nesta quarta, os atores eram muito claros: PT CUT, Sindicato dos Metroviários, PSOL, PSTU, Movimento Passe Livre. Ainda que jornais, rádios e sites — além de todo o subjornalismo financiado por estatais ou por administrações petistas — tenham feito uma verdadeira convocação para o protesto, foram às ruas mil pessoas (segundo a PM) ou três mil (segundo o Datafolha). E os valentes não tiveram dúvida: resolveram compensar a falta de povo com a violência. Sabem que é muito fácil vilanizar a polícia. E no Rio?
Ora, neste momento, a Câmara dos Vereadores está “ocupada” — “invadida” é a palavra certa — por manifestantes. Na escalada da insanidade, não faltou nem mesmo o cárcere privado. Leiam este trecho de reportagem do Globo Online:
“O presidente da Câmara dos Vereadores, Jorge Felippe (PMDB), e outros vereadores permaneceram trancados por cerca de uma hora e meia, nesta quarta-feira, dentro do Palácio Pedro Ernesto, que estava cercado por manifestantes. Jorge Felippe conseguiu deixar o local por volta das 19h45m. Para isso, precisou de ajuda do Batalhão de Choque, que afastou os manifestantes de um dos acessos ao legislativo. Por precaução, ele sequer saiu a pé na rua. O carro que levaria o presidente entrou num pátio para que ele e a vereadora Laura Carneiro (PTB) embarcassem.
Mais cedo, houve tumulto, e alguns atiraram pedras e ovos em vereadores e funcionários que deixavam a casa. A vereadora Laura Carneiro (PTB) contou que eles tentaram no início da noite sair, sem sucesso, por um acesso alternativo pela Rua Evaristo da Veiga para evitar o tumulto.”
Quem promove esse tipo de cerco? No caso da Câmara, é o PSOL de Marcelo Freixo, o socialista preferido do Leblon, de Ipanema e de Copacabana. E, desta feita, o que é um pouco chocante, com o apoio da Justiça. A juíza Margaret de Olivaes Valle dos Santos negou liminar de reintegração de posse e justificou a sua decisão com um texto que agride os fundamentos da democracia representativa:
“Membros das Casas legislativas são cidadãos brasileiros que foram eleitos, salvo prova em contrário, através de voto livre e consciente de seus concidadãos que, em princípio, podem e devem nelas ingressar encaminhando suas reivindicações e propostas, uma vez que um dos pilares do Estado de Direito é o dever à prestação de contas. Assim, em princípio, não há qualquer impedimento para o ingresso e permanência do cidadão nas Casas Legislativas para assistir as reuniões plenárias de seu interesse, sendo legítimas suas manifestações, sejam elas favoráveis ou não ao poder constituído, desde que estas preservem o diálogo, respeitem às regras mínimas de urbanidade e respeito à dignidade humana das pessoas envolvidas e ao patrimônio público”.
Alto lá! Ninguém estava tentando impedir o ingresso de cidadãos à Câmara. O que se quer é que os manifestantes não impeçam os vereadores de exercer as suas atividades, como se verifica. Ocorre à juíza que aqueles “cidadãos invasores” não podem privatizar a democracia e que os vereadores não representam esse ou aquele leitores, mas o conjunto do eleitorado? Impedi-los de trabalhar implica cassar a prerrogativa de um dos Poderes municipais. É lícito que 100 pessoas decidam, de certo modo, privatizar, tomar para si, o Poder Legislativo, ainda que suas intenções sejam as melhores? Um país que adote esses marcos se torna ingovernável. A OAB-RJ, que se comporta como babá de manifestantes, terá de dizer, em algum momento, que estado de direito tem em mente. Se, na relação com o poder público, as pessoas podem desrespeitar a lei para fazer justiça, por que a relação entre as pessoas haveria de ser diferente?
Caminhando para o encerramento
Em algum momento, alguém terá de falar em nome da ordem democrática. Ou, então, se dê de barato que só é ouvido e tem poder quem se organiza em milícias e se impõe na base da força bruta. Encerro com o jornalismo, que abre este texto: ninjas e penas de aluguel financiadas por estatais são as forças milicianas da opinião pública. A imprensa é uma das instituições do estado democrático e de direito. Se as suas referências deixam de ser os marcos legais desse estado, então aí estaremos no mundo do tal Capilé, o das “multiparcialidades”. Nesse mundo, quem pode mais chora menos. Esse mundo representa a morte da democracia. Afinal, nesse ambiente, o lobo que alega que o cordeiro que bebe rio abaixo está a sujar a sua água seria apenas a expressão de uma das parcialidades possíveis…. O compromisso do jornalismo, nesse caso, não é nem com o lobo nem com o cordeiro. É com as leis da física!
Em algum momento, alguém terá de falar em nome da ordem democrática. Ou, então, se dê de barato que só é ouvido e tem poder quem se organiza em milícias e se impõe na base da força bruta. Encerro com o jornalismo, que abre este texto: ninjas e penas de aluguel financiadas por estatais são as forças milicianas da opinião pública. A imprensa é uma das instituições do estado democrático e de direito. Se as suas referências deixam de ser os marcos legais desse estado, então aí estaremos no mundo do tal Capilé, o das “multiparcialidades”. Nesse mundo, quem pode mais chora menos. Esse mundo representa a morte da democracia. Afinal, nesse ambiente, o lobo que alega que o cordeiro que bebe rio abaixo está a sujar a sua água seria apenas a expressão de uma das parcialidades possíveis…. O compromisso do jornalismo, nesse caso, não é nem com o lobo nem com o cordeiro. É com as leis da física!
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/cobertura-de-baderna-em-sp-e-no-rio-evidencia-que-a-imprensa-esta-cedendo-as-pressoes-de-milicias-como-a-midia-ninja-e-o-subjornalismo-petralha-financiado-por-estatais-e-governos-do-pt-nesse-mundo/
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