Senado
Ao decretar o recesso parlamentar, presidente do Senado deixou pendente uma série de propostas que correm o risco de serem vetadas pela presidente
Marcela Mattos, de Brasília
Calheiros prometeu votar matérias antes do recesso parlamentar (Lia de Paula/Agência Senado)
“Todos os projetos a que me referi anteriormente serão votados nos próximos dez ou quinze dias e não haverá recesso até que esgotemos totalmente essa agenda que é urgente para o Brasil e, portanto, prioritária para o Congresso Nacional.” – Renan Calheiros, em 25 de junho
No último dia 25, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), subiu à tribuna para fazer um de seus principais pronunciamentos desde que assumiu o comando da Casa: anunciou uma lista de promessas a serem votadas antes do recesso de julho, sob a ameaça de os parlamentares perderem o descanso caso o prazo não fosse cumprido. Os congressistas entraram de férias nesta semana, mas a “agenda positiva” criada em resposta ao clamor das ruas não decolou: algumas propostas correm o risco de serem vetadas pela presidente Dilma Rousseff, e outras ainda aguardam consenso entre os parlamentares.
Além disso, a imagem do Legislativo também foi chamuscada com a revelação de que Renan e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), usaram aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para compromissos particulares. Na Câmara, Alves ainda gastou quase 30 000 reais dos cofres públicos para bancar um jantar de confraternização do PMDB.
Após a série de protestos por todo o país, o Senado se apressou para fugir da mira dos manifestantes: prometeu, entre as principais propostas, transparência na atuação dos senadores, maior punição a crimes de corrupção, gratuidade do transporte público para estudantes e mais recursos para a saúde e a educação.
Em menos de um mês, o plenário da Casa trabalhou em ritmo acelerado para apreciar as promessas de Renan, com direito a sessões de segundas e sextas-feiras, dias em que os parlamentares costumam estar fora de Brasília. Como resultado, foram aprovadas em plenário oito propostas que atendem às reivindicações das ruas, como a exigência de ficha limpa para servidores públicos.
Apesar do alarde com os avanços nas últimas semanas, nenhuma das mudanças está em vigor. Dependem, ainda, de aval da Câmara dos Deputados ou de sanção da presidente.
O que ficou pendente:
- • Plano Nacional de Educação, que destina 10% do PIB para o setor
- • Carreira de estado para médicos, para atuarem exclusivamente no Sistema Único de Saúde
- • Passe livre estudantil, que prevê a gratuidade do transporte público para estudantes
- • Fim do voto secreto em votações
- • Fim do foro privilegiado para parlamentares
- • Fim do auxílio-reclusão para detentos
- • Destinação de 10% da receita bruta da União para a saúde
- • Redução a zero das alíquotas do Pasep para estados e municípios
- • Instituição do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que aumenta a pena de traficantes
- • Endurecimento dos crimes de homicídio, não permitindo que os criminosos possam responder em liberdade
- • Destinação de 10% da receita bruta da União para a saúde
- • Mudança do indexador das dívidas estaduais
- • Rediscussão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
- • Vinculação de receitas líquidas da União, estados e municípios para a segurança pública, por um período de cinco anos
Trabalho incompleto – A promessa de Renan ficou pela metade. Muitos projetos esbarraram no curto prazo para votação diante da pretensiosa e extensa lista do presidente do Senado e no fato de que algumas propostas, apesar de alardeadas, ainda estarem em desenvolvimento.
Principal medida anunciada pelo senador alagoano, o projeto do transporte público gratuito para estudantes sequer existia quando foi anunciado em plenário – e ainda depende de outra votação para ser concluído. Falta a aprovação da nova lei de distribuição dos royalties do petróleo – tema que promete mais uma batalha na Câmara dos Deputados –, já que a ideia de Renan é que os recursos do passe livre sejam garantidos por meio dos royalties da educação. Ou seja: ninguém ainda sabe quanto o pré-sal vai render para a educação e tampouco qual o impacto financeiro da proposta.
Para camuflar a impossibilidade de avanço do passe livre neste momento, o plenário se adiantou e aprovou a urgência do projeto – uma forma apenas de acelerar a tramitação, ao ser excluída a necessidade de análise dentro das comissões.
“Eu daria nota dez para a alegoria, com duas semanas de trabalho direto, mas nota quatro para o enredo. Faltou um pouco mais”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). Ele citou a conclusão do projeto do fim do voto secreto e a cassação imediata do mandato de parlamentares condenados como exemplos de projetos de “temas candentes” que não obtiveram avanço na Casa. “Eu espero que essas matérias não sejam novamente engavetadas”, completou.
Maquiagem – Com o objetivo de maquiar a quantidade de pendências da pauta positiva, foram adicionados ao cardápio de projetos apreciados pelo Senado temas que já estavam programados para serem votados, como o repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE), ou que não estavam na pauta prioritária das manifestações, como a criação do Sistema Nacional de Combate à Tortura.
“É falsa a expressão de que o Senado Federal cumpriu o dever de casa votando matérias de interesse nacional. É falsa, igualmente, a sensação de dever cumprido”, avaliou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) durante discurso na tribuna, após Renan não ter cumprido a pauta que apresentou. “É mentira dizer que as coisas estão sendo feitas de maneira correta, com espírito público. É pura lorota”, continuou. Ele criticou o fato de a sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a perda imediata do mandato dos parlamentares condenados não ter entrado em votação no plenário e afirmou que o Senado estava “sentando” sobre uma proposta moralizadora.
Além de os principais pontos terem ficado apenas na promessa, outros foram apresentados sem qualquer consulta ao Palácio do Planalto – mais uma evidência de que faltou planejamento no trabalho do Senado.
A presidente Dilma Rousseff já sinalizou que vetará parte dos projetos, como o passe livre para estudantes e o fim da multa de 10% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) – que já foi aprovado na Câmara e ainda aguarda votação dos senadores –, pelo impacto nos cofres públicos.
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