Oslo, Noruega – O programa de televisão sobre lenha consistia, em grande parte, de pessoas vestidas com parcas conversando e cortando lenha na floresta, e depois mais oito horas de fogo queimando numa lareira. Mesmo assim, logo depois de começar, no horário nobre numa sexta-feira em fevereiro, as respostas furiosas começaram a chegar.
Oslo, Noruega – O programa de televisão sobre lenha consistia, em grande parte, de pessoas vestidas com parcas conversando e cortando lenha na floresta, e depois mais oito horas de fogo queimando numa lareira. Mesmo assim, logo depois de começar, no horário nobre numa sexta-feira em fevereiro, as respostas furiosas começaram a chegar.
'Nós recebemos cerca de 60 mensagens de texto de pessoas reclamando do empilhamento do programa', disse Lars Mytting, cujo best-seller 'Solid Wood: All About Chopping, Drying and Stacking Wood – and the Soul of Wood-Burning' ('Madeira sólida: tudo sobre como cortar, secar e empilhar madeira – e a alma da queima de madeiras') inspirou o programa. 'Cinquenta por cento reclamaram que a casca da árvore estava virada para cima, e o resto reclamou que a casca estava virada para baixo.'
Ele explicou: 'Uma coisa que realmente divide a Noruega é a casca da árvore'.
Uma coisa que não divide a Noruega, aparentemente, é seu amor pelas conversas sobre a madeira norueguesa. Quase 1 milhão de pessoas, ou 20 por cento da população, sintonizaram o canal durante algum ponto do programa, que foi ao ar pela emissora estatal, a NRK.
Segundo Rune Moeklebust, diretor dos programas da NRK na cidade de Bergen, na costa oeste, em um país onde 1,2 milhão de famílias têm lareiras ou fogões a lenha, o assunto naturalmente se presta à televisão.
'Meu primeiro pensamento foi: 'bem, porque não fazer uma série de TV sobre lenha?'', Moeklebust disse em uma entrevista. 'E isso acabou se transformando em um programa de 12 horas, com quatro delas de produção comum de televisão, e depois mais oito horas de uma cena de lareira queimando ao vivo.'
Kyrre Lien/The New York Times
Kyrre Lien/The New York Times
Não há dúvidas de que isso seja um assunto popular. 'Solid Wood' passou mais de um ano na lista de best-sellers de não ficção na Noruega. As vendas, até agora, passam de 150 mil cópias – o equivalente, pela porcentagem da população, a 9,5 milhões nos Estados Unidos – não muito abaixo dos números da versão norueguesa de E.L. James de 'Cinquenta Tons de Cinza', prova de que a emoção se dá de muitas maneiras.
'Noite Nacional da Lenha', como foi chamado o programa, começou com a apresentadora Rebecca Nedregotten Strand prometendo 'tentar chegar ao coração da cultura norueguesa da lenha – já que a lenha é a base de nossas vidas'.
Várias pessoas discutiram seu significado histórico e pessoal. 'Estaremos serrando, separando, empilhando e queimando', disse Nedregotten Strand.
Mas a verdadeira diversão chegou quando a ação passou, quatro horas depois, para uma lareira em uma fazenda de Bergen.
Seria muita ignorância confundir a extravagância de oito horas de lareira com a tora exibida nos Estados Unidos no Natal.
Enquanto a tora de Natal tira proveito de uma repetição constante, o fogo na 'Noite Nacional da Lenha' queimou a noite toda, em formas improvisadas e cheias de suspense. Madeiras frescas foram colocadas ao longo do tempo por uma fotógrafa da NRK chamada Ingrid Tangstad Hatlevoll, ajudada por telespectadores que mandavam dicas pelo Facebook sobre onde exatamente posicioná-las.
Durante a maior parte do tempo, o único som vinha do fogo. O rosto de Hatlevoll não apareceu na tela em nenhum instante, mas, ocasionalmente, suas mãos podiam ser vistas colocando toras na lareira, ou esquentando salsichas e marshmallows em gravetos.
'Eu não conseguia dormir de tão empolgada', disse uma espectadora chamada niesa36 no site do jornal Dagbladet. 'Quando vão colocar mais toras? Bem antes de eu conseguir me afastar, eles devem ter aberto um pouco o cano da chaminé, porque bem na hora as chamas foram um pouco mais alto.'
'Não estou sendo irônica', continuou a espectadora. 'Por alguma razão, essa transmissão foi muito relaxante e muito emocionante ao mesmo tempo.'
Para ser sincera, o programa não foi universalmente aclamado. No Twitter, um espectador chamado Andre Ulveseter disse: 'Fui jogar uma tora no fogo, me atrapalhei, e a arrebentei direto na TV'.
Mas Derek Miller, americano expatriado e autor do romance 'Norwegian by Night', disse que a transmissão apelou para a nostalgia norueguesa por uma vida mais simples, assim como demonstrou a importância da lenha em suas vidas.
'A ideia de criar calor, tanto simbólica quanto literalmente, para compartilhar conversas, comida, silêncio, é essencial para a identidade norueguesa', disse ele em entrevista.
'Solid Wood', o título do livro de Mytting, tem duplo significado em norueguês, podendo também significar uma pessoa com um caráter forte e fidedigno. Sua publicação parece ter dado aos homens noruegueses mais velhos, um grupo tradicionalmente reservado, permissão para revelar seus pensamentos mais profundos enquanto aparentemente discutem sobre lenha. Dessa forma eles se assemelham muito aos pescadores apaixonados que despertam de interlúdios monossilábicos por assuntos como qual mosca usar e como realmente entender o que uma truta está pensando.
'O que eu aprendi é que você não deveria perguntar a um norueguês o que o atrai na lenha, mas como ele a empilha – por que é assim que ele vai se revelar', disse Mytting. 'Você pode dizer muito sobre uma pessoa pelo modo como ela empilha lenha.'
O livro se mostrou particularmente popular como presente para homens que não são fáceis de agradar.
'As pessoas os compram para seus pais, tios: 'Eu não sei o que dar a ele, mas ele sempre gostou de madeira'', disse William Jerde, funcionário da livraria Tanum, no centro de Oslo.
Tobias Sederholm, funcionário de outra loja, disse que um cliente apareceu depois do Natal tendo recebido exemplares de diferentes membros da família.
Petter Nissen-Lie, de 44 anos, um advogado de Oslo que todas as manhãs antes do café da manhã acende uma lareira com madeira que ele mesmo cortou, disse entender perfeitamente o que era todo aquele bochicho.
Outro dia, disse ele, um de seus três machados quebrou na sua casa de férias nas montanhas, e ele o levou de volta à loja onde o havia comprado uma década antes. Quando tentou pagar pelos reparos, ele disse, o comerciante declarou que 'esse tipo de coisa não deveria acontecer com nossos machados', e insistiu em fazer o serviço de graça.
'É muito importante para esse homem vender machados de qualidade', Nissen-Lie disse em uma entrevista.
De que lado fica Nissen-Lie na importante questão sobre a casca da árvore em uma pilha de madeiras?
'Eu gosto de deixar a casca da árvore para baixo', explicou ele, resumidamente. 'Esse é o jeito como aprendi com o meu avô, e eu acredito que fique a lenha fique mais seca desse jeito. Mas eu respeito o fato de que existam diferentes formas de fazer isso – e, basicamente, a coisa mais importante a saber é quanto ar deixar entre as toras.'
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