PUBLICADO EM 24 DE MARÇO DE 2010
Há menos de duas semanas, a blogueira cubana Yoani Sánchez endereçou ao presidente Lula uma carta cujo teor permaneceu desconhecido. Em primeira mão, VEJA.com reproduz a íntegra do documento.
Se venceu o medo da azia e, sobretudo, a ojeriza a oposicionistas cubanos, Lula já leu na diagonal ao menos o resumo da carta traduzida por algum assessor. Se o tradutor foi fiel à essência do texto, deve ter entendido que Yoani não pode ser enquadrada em nenhuma das categorias invocadas pela companheirada para desqualificar quem tem autonomia intelectual. É especialmente ridículo acusá-la de “agente do imperialismo ianque” ou enxergá-la “a serviço dos contrarrevolucionários de Miami”. É só uma jornalista que tenta ser independente na ilha subjugada pela mais velha ditadura do mundo. E só quer visitar o Brasil.
Em outubro de 2009, a primeira tentativa esbarrou nas autoridades de imigração, que lhe negaram o visto de saída necessário para apresentar aos brasileiros seu livro ”De Cuba, com carinho”. Sempre sem explicações, Yoani foi também impedida de viajar para a Polônia, para os Estados Unidos (onde receberia na Universidade de Colúmbia uma menção especial do prêmio Maria Moors Cabot) e para a Espanha, onde a aguardava o prêmio Ortega y Gasset.
Agora convidada para a sessão de estreia de um documentário em Jequié, na Bahia, ela enviou a carta que, em seu começo, recorda os tempos da escravidão. Na chegada dos navios negreiros à costa continental, conta a blogueira, famílias vindas da África eram esfaceladas pela divisão em dois lotes: um desembarcava em Cuba, outro no Brasil. A distância escavada entre escravos não pode ser reprisada no século 21. “Sonhamos com a livre circulação entre as nações americanas”, escreveu Yoani.
O documentário dirigido pelo brasileiro Dado Galvão trata das atividades da blogueira, do movimento Damas de Branco e do fechamento do Canal 36 durante a crise política em Honduras. A primeira apresentação está marcada para 1° de junho, no Centro de Cultura Antonio Carlos Magalhães, em Jequié. A entrada é livre. A liberação de Yoani depende do governo cubano ─ e de Lula.
“O senhor tem dado mostras de que confia na boa-fé do governo cubano”, registra o penúltimo parágrafo. “Para manter viva essa confiança”, imagina Yoani, o governo cubano não recusaria uma solicitação do amigo Lula. ”O senhor estaria pedindo o que para qualquer brasileiro ─ e para qualquer ser humano ─ é um direito inalienável”.
É a chance de Lula mostrar que a opção preferencial pela ditadura companheira, sempre vergonhosa, não é de todo inútil. Depois de curvar-se tantas vezes à vontade de Fidel, depois de repreender o preso político Orlando Zapata por ter morrido de fome, o presidente brasileiro pode demonstrar que atitudes desonrosas trazem algumas vantagens. Por exemplo, conseguir que os irmãos Castro prmitam que uma jornalista conheça o Brasil.
Mais uma vez, Lula está obrigado a escolher entre as cavernas e a civilização, entre a generosidade e a infâmia. Ele decide.
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