Pelo menos em abelhas. Observar o comportamento de abelhas, o modo como elas se organizam em castas, com funções e responsabilidades bem definidas, sem questionamentos, é fascinante. A grande questão, que tem intrigado os cientistas há muito tempo, é como essas tarefas, que elas exercem com perfeição, são determinadas. Como todas as abelhas de uma colmeia possuem os mesmos genes, a explicação não está neles. Sugere outros mecanismos, entre eles os epigenéticos, isso é, alterações não nos genes, mas no modo como eles se expressam. Falamos disso nas últimas colunas com a divulgação do projeto ENCODE.
Um grupo de cientistas americanos resolveu testar essa hipótese de modo muito engenhoso. Os resultados dessa pesquisa em abelhas acaba de ser publicada na revista Nature Neuroscience. Os resultados são surpreendentes. Os cientistas descobriram que o comportamento das sub-castas de abelhas é controlado pela ativação ou silenciamento de genes e o mais interessante é que esse comportamento é reversível.
Recordando: como se organizam as abelhas nas colmeias?
Nas colmeias, existem as rainhas que são alimentadas com geleia real e passam a vida colocando ovos e as sub-castas das operárias que são estéreis. Entre as operárias as funções e responsabilidades são também bem definidas e organizadas. Quando jovens, elas exercem a função de cuidadoras (nursing em inglês) e são responsáveis por cuidar da rainha e das larvas dentro da colmeia. Mais tarde, elas se tornam “provedoras” ou abelhas campeiras (forager em inglês), isto é, saem da colmeia para buscar alimentos (pólen, néctar e água).
O que determina essas diferenças de comportamento?
Essa era a grande questão a ser pesquisada. Para verificar se o comportamento e as responsabilidades entre os diferentes grupos eram controlados por uma expressão (ativação ou silenciamento) diferente (ou específica) dos genes, os pesquisadores compararam quatro grupos de abelhas:
a) rainhas versus operárias
b) cuidadoras versus provedoras
Usaram uma técnica chamada CHARM ( do inglês comprehensive high-throughput array-based relative methylation) que identifica no DNA as regiões que estão ativas ou silenciadas.
Quais foram os resultados?
Os pesquisadores não conseguiram detectar diferenças na expressão dos genes entre rainhas e operárias. Essa questão ainda é uma incógnita. Mas, surpreendentemente, encontraram diferenças significativas no padrão de expressão dos genes quando compararam as “abelhas cuidadoras” e as “abelhas provedoras”. Regiões do genoma que estavam ativas nas cuidadoras, apareciam silenciadas nas provedoras e vice-versa. Seria isso regulado pela idade, já que as provedoras são mais velhas? Ou poderia ser um processo reversível? Algo como dizer que a perda de pigmentação dos nossos cabelos está relacionada com a idade e sabemos que, infelizmente, nesse caso é um processo não reversível.
Qual foi o próximo passo?
Para tirar isso a limpo, os pesquisadores então fizeram o seguinte experimento. Colocaram abelhas mais velhas, que já tinha assumido a função de provedoras em uma colmeia onde só havia rainhas e larvas, sem operárias cuidadoras. O que aconteceu? Um grupo de provedoras permaneceu como estava, enquanto em outro grupo houve uma reversão e as abelhas reassumiram a função de cuidadoras. Essa alteração de comportamento foi acompanhada pela mudança na expressão dos genes. Estava provado que as funções eram realmente controladas pela expressão dos genes, em resposta a uma sinalização ambiental, e mais ainda, que esse controle é reversível.
As próximas questões
Pela primeira vez foi demonstrado que a variação na expressão dos genes em resposta ao ambiente induz uma mudança comportamental. Os pesquisadores esperam que essas observações possam nos ajudar a entender melhor como são controlados comportamentos complexos em seres humanos como apendizado, stress, doenças de humor que involvem interações entre o ambiente e a expressão dos genes. Demonstrar – por enquanto em abelhas – que é possível atuar em padrões comportamentais e alterar a expressão dos genes deve soar como uma música para meus colegas psicanalistas.
http://veja.abril.com.br/blog/genetica/sem-categoria/ambiente-pode-atuar-na-mudanca-de-comportamento-e-expressao-dos-genes/
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