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A sétima mulher de Vinicius de Moraes conta que, na última década de vida, ele optou por uma produção mais popular porque estava cansado do meio intelectual e se revoltava com a velhice
Tanto quanto a poesia e a música, as paixões fulminantes, nas quais mergulhava de corpo e alma, marcaram a vida de Vinicius de Moraes, o grande parceiro de Tom Jobim.
Vinicius casou-se nove vezes. As paixões duraram, como diz seu verso, o tempo de a chama se apagar. O casamento mais resistente foi com Beatriz Azevedo de Mello, sua primeira mulher. Durou onze anos.
O mais curto acabou em menos de um ano. Foi com Cristina Gurjão, a sexta esposa.
Com Gesse, o relacionamento mais explosivo
O mais público e explosivo relacionamento de Vinicius, com a atriz baiana Gesse Gessy, a sétima, produziu levas de comentários maldosos enquanto durou – de 1970 a 1976. Os amigos acusaram a atriz, quase trinta anos mais jovem, de, literalmente, carregar Vinicius para a Bahia, iniciá-lo no candomblé, afastá-lo das “boas companhias” e encaminhá-lo para uma muito criticada veia de criação popularesca.
Hoje com 73 anos, Gesse, produtora cultural em Salvador, conta sua versão em uma biografia ainda sem título que deve lançar até o fim do ano. Ela nega responsabilidade pelas mudanças na vida ou na personalidade de Vinicius, “o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão”, segundo dizia Carlos Drummond de Andrade.
Vinicius se mudou para a Bahia para se afastar de três episódios dramáticos
Entre histórias inéditas da vida do casal, Gesse afirma que foi ele quem propôs que se mudassem para a Bahia. Queria se afastar do Rio de Janeiro para se recuperar de três episódios dramáticos: a perda da mãe, em 1968, a expulsão do Itamaraty, no ano seguinte, e, pouco depois, a tumultuada separação de Cristina Gurjão.
Segundo Gesse, o “branco mais preto do Brasil, na linha direta de Xangô” (como se apresenta no Samba da Bênção) era agnóstico e nunca pisou em um terreiro de candomblé. No golpe definitivo na imagem do grande pensador enfeitiçado por sua musa, a ex-mulher conta que ele se afastou dos versos mais eruditos simplesmente porque estava “cansado” dos intelectuais que o cercavam.
Gesse e Vinicius engataram seu romance em 1969, quando Cristina Gurjão estava grávida de poucos meses. O desfecho foi difícil. Cristina chegou a agredi-lo com um castiçal, ferindo sua testa, e quando a filha deles, Maria, nasceu, só permitiu que ele a visse dias depois.
Gesse conta que certa vez, quando Vinicius ainda estava casado, os dois foram passar uns dias em um hotel em Ouro Preto. Numa manhã, Cristina apareceu de surpresa, transtornada. Chegou a subir até o quarto levando um revólver na bolsa. Por sorte, o casal foi avisado pela recepção e Vinicius conseguiu esconder Gesse na suíte ao lado.
A saída do Itamaraty: “Demitam esse vagabundo”
O compositor, malvisto pelo governo militar, havia acabado de ser expulso do serviço diplomático, depois de 26 anos de carreira. A acusação, diga-se, não foi de subversão. Vinicius foi afastado por “conduta irregular”, ou seja, era artista e bebia.
[Há uma versão bem fundamentada de que a ordem de sua aposentadoria compulsória veio diretamente do presidente militar de plantão, marechal Arthur da Costa e Silva, nos seguintes termos: "Demitam esse vagabundo".]
Sua fase de maior sucesso de público
No livro Chega de Saudade, Ruy Castro diz que, ao receber a notícia, Vinicius chorou copiosamente, pois adorava o Itamaraty. Segundo Gesse, ele ficou sentido pela maneira como foi demitido, mas já não tinha a menor paciência com a diplomacia. “Achou que havia sido vítima de uma injustiça e ficou magoado, mas preferiu não fazer estardalhaço”, diz.
Foi a gota d’água para dar as costas ao ambiente restrito da intelectualidade carioca que reverenciava o “Poetinha”, como era chamado contra sua vontade. Vinicius mudou de cidade e de gostos.
Nasceu assim a parceria com o violonista Toquinho. Foi sua fase de maior sucesso de público.
Encarando a velhice e a proximidade da morte
Na Bahia, Vinicius encarou a velhice e a proximidade da morte.
A diferença de idade entre ele e Gesse o perturbava. Reagiu com um palavrão quando o recepcionista de um hotel na Espanha elogiou a beleza da “sua filha”.
Alcoólatra e diabético, odiava exercícios físicos e não considerava a hipótese de deixar a bebida. Escondia doces no bolso e, quando Gesse descobria, usava sempre a mesma desculpa: “Trouxe para você”. A cada três meses, ela o internava para um período de desintoxicação em uma clínica.
A vida em Salvador, paradoxalmente, não foi passada sob o sossego da sombra de um coqueiro. Gesse conta que o compositor de Tarde em Itapuã (inspirada em um pescador) odiava o sol e só muito raramente a acompanhava ao banho de mar.
A madrugada na banheira
Vinicius acordava às 6 da tarde, começava a beber e entrava na banheira, onde passava a madrugada. Só dormia ao amanhecer. Certa noite, propôs a Gesse um pacto de morte. Planejou inclusive como se mataria: comendo uma bandeja de papos de anjo, seu doce predileto, e entrando em coma diabético. “Uma morte suave, em que parece que a pessoa está viajando para o Polo Norte”, disse.
O casal se separou em 1976. Vinicius morreu quatro anos e dois casamentos depois, vítima de edema pulmonar, mergulhado na banheira de sua casa no Rio de Janeiro.
(Reportagem de Marcelo Bortoloti publicada na edição impressa de VEJA)
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/dica-de-leitura/livro-o-outono-de-vinicius-de-moraes-o-grande-poetinha/
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