Congresso
Presidente reeleita prometeu enviar ao Congresso medidas para endurecer o combate à corrupção. Mas faltou dizer que propostas semelhantes estão esquecidas no Congresso há uma década
Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
A presidente Dilma Rousseff participa de um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. Rousseff falou sobre as realizações de seu governo em 2014 e o escândalo de corrupção na companhia petrolífera estatal Petrobras(Evaristo SA/AFP)
O ano era 2005. O Congresso Nacional ainda tentava assimilar as primeiras denúncias do escândalo do mensalão quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou para votação na Câmara a proposta de transformar o enriquecimento ilícito em crime. O tema fervilhava diante das suspeitas – comprovadas adiante pelas investigações – de que deputados federais recebiam uma mesada para votar projetos de interesse do Palácio do Planalto. Ao longo dos anos, outras propostas similares foram apresentadas por parlamentares, mas nenhuma delas jamais foi votada. Em comum, o desinteresse dos congressistas em levar o tema adiante.
O ano é 2014. Acuada diante de sucessivas denúncias de corrupção envolvendo um esquema bilionário de lavagem de dinheiro na Petrobras, a então presidente-candidata Dilma Rousseff, ameaçada pela mais imprevisível disputa eleitoral da história, promete a moralização da política brasileira e um ataque ferrenho a corruptos e corruptores. Como se não soubesse da existência do projeto bancado pelo próprio padrinho político, ela anuncia um “pacote anticorrupção”. Em 1º de janeiro, no discurso de posse no Congresso Nacional, volta ao tema e vaticina: “A luta que vimos empreendendo contra a corrupção e, principalmente, contra a impunidade, ganhará ainda mais força com o pacote de medidas que me comprometi durante a campanha, e me comprometo a submeter à apreciação do Congresso Nacional ainda neste primeiro semestre”.
O pacote anticorrupção dilmista, anunciado com pompa e circunstância na cerimônia de posse, não é novidade para os parlamentares e, de quebra, reúne temas bem familiares aos petistas. Além de prometer punir com rigor agentes que enriquecem ilicitamente – o então ministro da Casa Civil Antonio Palocci deixou o governo após crescimento suspeito de seu patrimônio –, o conjunto de propostas pretende tornar crime a prática de caixa dois, o velho ilícito utilizado como argumento pelo PT ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar escapar das duras penas no julgamento do mensalão. Mais: depois de utilizar os mais variados recursos judiciais para atrasar a execução do destino dos mensaleiros, o governo endossa agora a intenção de agilizar o julgamento de processos de desvio de recursos públicos e ainda acelerar investigações e processos movidos contra autoridades com foro privilegiado. Por fim, ainda promete encampar a criação de uma nova espécie de ação na Justiça para permitir o confisco de bens adquiridos de forma ilícita ou sem comprovação.
Nenhuma das propostas elencadas por Dilma é inovadora. Projetos idênticos ou com o mesmo propósito permaneceram esquecidos nos quatro anos de seu primeiro mandato. Projetos, diga-se, de autoria até de parlamentares governistas. Mas preocupada em conduzir um governo moldado em interesses outros – a contabilidade criativa é apenas o exemplo mais visível em 2015 – a presidente nunca mobilizou sua base aliada na Câmara e no Senado para aprovar definitivamente nenhum dos temas que hoje chama de pacote anticorrupção.
A ideia de transformar o enriquecimento ilícito em crime, por exemplo, foi amplamente discutida por uma comissão de juristas no Senado, entre eles o ex-ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que colaborou na reformulação do Código Penal. Na avaliação do grupo, há uma lacuna na Lei de Improbidade, que tipifica atos como corrupção e peculato, mas não especifica o crime de enriquecimento. O grupo tipificou o crime como “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público, ou por quem a ele equiparado, em razão de seu cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo, ou por outro meio lícito”, e definiu a pena de dois a cinco anos de prisão, além do confisco dos bens – outro projeto alardeado em tom de novidade pela presidente Dilma, mas que jamais recebeu seu empenho pessoal para sair do papel.
A comissão que discute o novo Código Penal também aprovou em seu parecer final a criminalização do caixa dois. Atualmente, a legislação prevê apenas punições como a desaprovação das contas do partido, o cancelamento do registro da candidatura ou, no limite, a cassação do diploma do eleito. Para os juristas, acostumados a lidar com brechas legais que acabam levando à impunidade, aqueles que recebem ou aceitam doações ilegais ou deixam de fazer o registro do montante recebido devem ser penalizados com dois a cinco anos de prisão. O texto discutido por eles traz ainda o endurecimento para outros crimes de corrupção, como o enquadramento da corrupção como crime hediondo, está à espera de votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Paralelamente às discussões da comissão discutiu a reforma do Código Penal, o senador Jorge Viana (PT-AC) também já havia apresentado há quase dois anos proposta de criminalização do caixa dois, com pena de prisão de cinco a dez anos, além de multa. “O caixa dois eleitoral viola a isonomia entre os candidatos concorrentes, afetando diretamente no processo eleitoral e no resultado das eleições”, diz o autor da proposta.
Também incluído no supostamente inédito pacote anticorrupção, desde 2011 aguarda votação um projeto de lei do deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), que estabelece prioridade para o julgamento de processos criminais contra autoridades que tenham foro privilegiado. O tema não é nenhuma novidade nos corredores do governo. Ao longo dos governos de Lula e Dilma, os congressistas apresentaram propostas para acabar definitivamente com o foro por prerrogativa de função, e para agilizar, por diversos mecanismos, o julgamento de processos contra autoridades com foro. Como os demais itens do pacote anticorrupção dilmista, nada saiu do papel.
Por fim, ainda que não completamente idêntica à promessa anunciada pela presidente reeleita, projeto apresentado por deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES) em 2007 guarda semelhança com a sugerida por Dilma, que defendeu a aceleração dos julgamentos de processos de desvios de recursos públicos. No texto, o deputado quer deixar claro - e minimizar interpretações jurídicas - que políticos devem, sim, responder por crimes de improbidade administrativa, além de propor que julgamentos que envolvam esse ilícito recebam tratamento prioritário na Justiça.
Pautado exclusivamente em projetos já em tramitação no Congresso, o pacote anticorrupção de Dilma é um caso notável de descumprimento da promessa de "ideias novas" apresentada pela então candidata na corrida presidencial e se resume a mais um de exemplo do recorrente "corta-e-cola" das políticas adotadas pela gestão da petista. Em um governo que, aficcionado pela propaganda, se especializou em reciclar políticas em andamento, batizar empreendimentos já iniciados, lançar programas de aceleração do crescimento com obras paralisadas e renomear projetos de adversários, não será novidade se, pelas mãos do ministro do Marketing João Santana, o velho pacote contra corruptos se tornar o novo mote da "Pátria Educadora".
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