Isto Aconteceu comigo. Hoje, depois de 19 anos, ainda lembro da enfermeira dizer: levanta daí, " não se faça de coitadinha". Ao sair da cama onde fui colocada logo após o parto, caiu no chão uma bolha de sangue que dava para encher duas mãos. Ela me faz agachar e limpar/ pegar o bolha no chão, mesmo eu estando totalmente debilitada!! Foram muitos outros acontecidos que me custa muita dor ao lembrar. Ainda me faz chorar!!
O assunto é sério, o projeto é impactante e as imagens são sensíveis, tocantes e profundas. Um momento que deveria ser repleto de felicidade, plenitude, respeito e renascimento junto ao filho, é permeado por marcas, não só no corpo, mas com feridas desrespeitosas que traumatizam mulheres pela vida toda.
Pode não ter acontecido com você nem com alguém próximo, mas a triste realidade é que a violência obstétrica é um fato no Brasil. Uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo mostra que 1 em cada 4 mulheres brasileiras sofre algum tipo de violência no atendimento ao parto.
Falta respeito desde o início, quando nem um direito garantido em lei, como a presença de um acompanhante, é respeitado. Falta liberdade para escolher onde e como dar à luz, na privação de água e alimentação, na falta de um carinho no momento de dor.
Muitas mulheres sofrem caladas essas e outras violências e, com o objetivo de materializar a violência obstétrica e provocar a reflexão sobre a condição de nascimento no país, a fotógrafa Carla Raiter, junto com a produtora cultural Caroline Ferreira, criou o projeto 1:4: Retratos da Violência Obstétrica.
“O projeto fotográfico rompe o silêncio das mulheres que têm suas histórias retratadas em partes de seus corpos – através de uma tatuagem temporária -, em uma linguagem que as trata de forma serializada, anônima e sem considerar a individualidade, assim como fazem os protocolos médicos nas maternidades públicas e privadas brasileiras”.
Carla Raiter diz que o projeto surgiu de forma despretensiosa: “Eu já trabalhava com fotografia de partos humanizados, já levantava a bandeira da humanização. Um dia, a Caroline me mandou um e-mail – que por pouco não se perdeu e nunca foi lido – me perguntando se eu nunca tinha pensado em fazer algum trabalho sobre violência obstétrica. Realmente caiu minha ficha de olhar para o outro lado, justamente para o oposto: essas histórias horríveis de partos traumáticos, de abuso, de violência verbal e física, de procedimentos desnecessários que tiram a autonomia da mulher no momento que deveria ser o mais empoderador de sua maternidade. Quando li o e-mail, foi uma epifania, passou um filme na minha cabeça com as imagens que eu queria fazer e que hoje produzimos”, lembra a fotógrafa.
Depois de lançado o projeto, Carla e Caroline contam que não estavam preparadas para a avalanche de e-mails com relatos de mulheres que queriam ser ouvidas, fotografadas, ou, simplesmente, superar o que aconteceu em seus partos. “Muitas histórias tristes, de dar nó na garganta, mesmo, de nos fazerem chorar ao ler. E então a gente entendeu que aquilo era um caminho sem volta, e que o projeto tinha um tamanho muito maior do que podíamos ter imaginado”, afirma Carla.
Sobre o futuro do projeto, Carla diz não elas não têm verba nenhuma. Pelo contrário, arcam com vários gastos, como por exemplo o alto custo do papel importado para fazer as tatuagens temporárias. “Nossa intenção é expandir o ‘Projeto 1:4’, fotografar no Brasil todo, fazer uma exposição, talvez transformá-lo em livro porque a verdade é que temos muito mais que as fotos para mostrar”, planeja a fotógrafa.
Todas as fotos © Carla Raiter
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