Imprensa
Decisão liminar do ministro lança luz sobre os parâmetros do STF para o direito de resposta e para o trabalho da imprensa nos períodos eleitorais
O PODER E O CRIME - Enivaldo Quadrado (à direita), o chantagista, é pago pelo PT para manter em segredo o golpe que resultou no desvio de 6 milhões de reais da Petrobras, em outro caso de chantagem que envolve o ministro Gilberto Carvalho, o mensaleiro José Dirceu e o ex-presidente Lula (Montagem com fotos de Ailton de Freitas-Ag. O Globo/Joel Rodrigues-Folhapress/Rodolfo Buhrer-Estadão Conteúdo/Jeferson Coppola/VEJA)
Desde que sepultou a Lei de Imprensa promulgada no regime militar, num julgamento histórico de 2009, o Supremo Tribunal Federal vem construindo, sentença após sentença, uma sólida jurisprudência em resguardo da liberdade de expressão – “irmã siamesa da democracia”, na expressão do ex-ministro Carlos Ayres Britto. Nesta quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes reforçou os alicerces desse edifício, ao negar um pedido de resposta ajuizado pelo PT contra VEJA. A decisão foi liminar, e ainda será discutida no plenário do STF. Mas suas 37 páginas, apoiadas em decisões recentes do tribunal, lançam luz sobre a arquitetura traçada pelo Supremo em dois temas – os parâmetros para o direito de resposta e para o trabalho da imprensa nos períodos de eleição – que ainda ensejam decisões contraditórias de outras instâncias do Judiciário.
A reportagem que levou o PT e requerer um direito de resposta foi publicada por VEJA na edição de 17 de setembro com o título O PT sob chantagem. O subtítulo informa: “Para evitar que o partido e suas principais lideranças sejam arrastados ao epicentro do escândalo da Petrobras às vésperas da eleição, a legenda comprou o silêncio de um grupo de criminosos – e pagou em dólar”. O partido alegou que a reportagem era inverídica, difamatória e extrapolava os limites da liberdade de imprensa. A reclamação tramitou na Justiça Eleitoral e, em 25 de setembro, o TSE acolheu o pleito do PT e determinou que uma resposta de uma página fosse publicada na revista.
VEJA recorreu ao Supremo. A petição assinada pelo advogado Alexandre Fidalgo procurou demonstrar que a sentença do TSE contraria o entendimento do STF sobre liberdade de imprensa – em especial, os acórdãos da ADPF 130 e da ADIN 4451, que consagram o direito da imprensa não apenas de informar, mas também de exercer a crítica, ainda que nos termos mais contundentes, mesmo em período eleitoral. Argumentou-se, além disso, que o rito sumário dos processos na Justiça Eleitoral não permite avaliar adequadamente a veracidade das informações de uma reportagem – mais ainda de uma reportagem de caráter investigativo. Assim, durante as eleições, a imprensa poderia acabar submetida a um regime mais rígido do que aquele aplicado aos próprios políticos, aos quais o TSE só costuma conceder direito de resposta quando os ataques de um rival são flagrantemente mentirosos. Foram esses os argumentos acolhidos pelo ministro Gilmar Mendes em sua sentença.
Mendes observa que a reportagem de VEJA foi calcada em depoimentos à Polícia Federal ou ao Ministério Público, em conversas com a polícia e em fatos revelados por CPIs. “Essa espécie de matéria jornalística, baseada na investigação de documentos e de depoimentos prestados por investigados às autoridades estatais, deve, para ser honesta e cumprir a função de informar, revelar as fontes nas quais se baseou. Esse foi exatamente o procedimento adotado pela revista”, afirma o magistrado. E acrescenta: “É simplesmente impossível afirmar, desde já e em processo de cognição sumária, típico da celeridade requerida da Justiça Eleitoral, que os fatos descritos pela reportagem impugnada no TSE sejam inverídicos”.
Em termos genéricos, o que o ministro defende é que “o direito de resposta admitido constitucionalmente é aquele decorrente de informação falsa, errônea. Significa dizer que é preciso haver comprovação nos autos de que a informação veiculada na mídia é inverídica”. Se for reafirmada no STF, essa tese deve limitar bastante as chances de autoridades e partidos políticos tentarem constranger a imprensa valendo-se das circunstâncias eleitorais. A tese está em perfeita consonância com aquilo que o tribunal já afirmou sobre a centralidade da liberdade de expressão para o Estado de Direito. A menos, é claro, que se considere que o processo eleitoral é uma espécie de estado de sítio, em que a informação deve ser tolhida, em vez circular com maior intensidade.
A reclamação do PT, é bom que se diga, não foi a primeira nem a última desse tipo ajuizada pelo partido. Em 2010, também durante a campanha presidencial, a legenda obteve sucesso num pedido de direito de resposta contra VEJA. E, neste momento, tramita contra a revista pedido semelhante contra a reportagem O Núcleo Atômico da Delação - Paulo Roberto Costa diz à Polícia Federal que em 2010 a campanha de Dilma Rousseff pediu dinheiro ao esquema de corrupção da Petrobras, veiculada em 1º de outubro. Sobre esse fato, escreve Gilmar Mendes: “A similitude entre as representações e, portanto, a provável similitude entre as decisões do TSE em ambos os casos leva à real e iminente possibilidade de que a Corte Superior Eleitoral transforme-se em corresponsável pela edição da revista, em virtude da jurisprudência que está a construir em homenagem ao direito de resposta e em desprestígio da liberdade de imprensa e de informação”.
Diz Alexandre Fidalgo: “A meu ver, a questão já está definida no Supremo. Esperamos que a sentença de Gilmar Mendes ajude a criar um novo paradigma para todo o Judiciário na apreciação do material jornalístico no período eleitoral.”
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