Entrevista - Maurício Ribeiro Lopes
Promotor de Habitação fala sobre a obscura relação da gestão Haddad com os sem-teto. E sobre irregularidades na obra do gigantesco Templo de Salomão
Eduardo Gonçalves
O promotor Mauricio Antônio Ribeiro Lopes, da 5º promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo(Fabio Arantes/Secom/VEJA)
"Se eu fosse prefeito, governador ou presidente, não receberia o Guilherme Boulos, porque ele não tem nada a contribuir, visto que seu movimento é movimento político", Maurício Lopes
Das ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) à construção do gigantesco Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, os temas urbanos mais discutidos na capital paulista nas últimas semanas passaram pela mesa da 5º Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo, chefiada por Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Conhecido por não fugir de assuntos controversos, ele tem um lema: “Se não houver transparência, posso suspeitar à vontade”. Foi ele quem moveu a ação civil pública com o objetivo de anular todas as parcerias entre a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) e o MTST. Também foi o responsável por reabrir uma investigação antiga para apurar irregularidades na obra do Templo de Salomão, erguido com alvará de reforma no Brás. Maurício Lopes explica por que considera o MTST uma “indústria de ocupações urbanas” e questiona a relação obscura entre a prefeitura e o grupo de sem-teto. Faz ainda uma análise do Plano Diretor Estratégico da cidade e critica o modo como o projeto foi aprovado na Câmara Municipal, sob forte pressão do MTST – e, claro, mediante concessões de Haddad. "Essas respostas legitimam procedimentos nocivos à cidade", afirma.
Biografia
Formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Maurício Antônio Ribeiro Lopes, de 52 anos, iniciou sua trajetória no Ministério Público Estadual em 1988, atuando no Tribunal do Júri. Há três anos, assumiu a 5ª Promotoria de Habitação e Urbanismo, de onde diz que só sairá "morto ou aposentado". Casado e pai de dois filhos, mora no bairro do Higienópolis, no Centro da capital.
Por que o senhor define o MTST como uma “indústria de ocupações urbanas” e “oportunistas de plantão”? Porque eles fazem ocupações em série. É só entrar no site do Tribunal de Justiça e ver em quantas reintegrações de posse o movimento aparece como réu – há mais de trinta delas. São uma indústria porque usam desse instrumento, as invasões, para fazer pressão em detrimento do direito de outras pessoas que aguardam a contemplação em programas de moradia. E todo mundo sabe que eles são um movimento organizado.
O senhor afirmou que a prefeitura de São Paulo privilegia o MTST, burlando a fila de habitação. Em que fundamentou essa acusação? Faço essa afirmação porque não tenho o cadastro disponível. Em primeiro lugar, reclamei da transparência do cadastro. Enquanto não for transparente, posso suspeitar à vontade. Então, me dê transparência e as suspeitas podem ser confirmadas ou eliminadas. Como a prefeitura não me deu nenhuma data para divulgar os dados, entrei com uma ação judicial. O secretário de Governo ainda me explicou, mas nada disso substitui a transparência. Não sou eu que reclamo por isso. É uma exigência do Ministério das Cidades. Todas as suspeitas se confirmarão ou se esvairão com a divulgação do cadastro.
Como o senhor avalia o sistema do MTST, que distribui pontos na corrida por moradia?[Para conseguir adesões, os líderes do MTST montaram uma planilha na qual distribuem pontos para quem comparece a protestos e participa de invasões. Quanto mais pontos reunir, o sem-teto passa na frente na fila de espera por financiamento habitacional] Não tem transparência nenhuma. E esse é o único critério que se espera do movimento: ser transparente com os seus membros. Ninguém sabe quantos pontos cada um tem, nem quantos precisam para conseguir a indicação. É um sistema secreto. Quer dizer, as pessoas que têm família para cuidar e um emprego formal não dispõem de condições para competir em igualdade com os que vivem para a militância. Agora, essas pessoas precisam menos de habitação? Por que precisariam menos de habitação do que os militantes? O sistema de pontos é injusto. Nessa questão, o movimento peca espantosamente.
O líder do MTST, Guilherme Boulos, se beneficia politicamente ao ser recebido por autoridades, como o prefeito Haddad e o governador Geraldo Alckmin? Claro, cada vez que ele é recebido por uma entidade, acaba se empoderando. Vou dizer uma coisa: se eu fosse prefeito, governador ou presidente, não receberia o Guilherme Boulos, porque ele não tem nada a contribuir, visto que seu movimento é movimento político. Como promotor, se ele viesse me procurar, o receberia. Mas se eu fosse chefe do Poder Executivo, não negociaria com ele. Autoridades municipais até me disseram que não têm nenhum envolvimento com ele, mas não é o que o Boulos alardeia por aí.
Por que o senhor afirmou na ação que a prefeitura privilegia o MTST em troca de votos? Essas entidades têm uma densidade política maior do que indivíduos. Qualquer coisa que se faça com uma entidade cria uma vantagem política muito maior do que fazê-la individualmente. O beneficiário de programas habitacionais reconhece o seu direito. Já quando o movimento obtém um beneficio, recebe um ganho politico difuso, de todos aqueles que se engajam nesse movimento. É uma coisa intuitiva, da lógica política. Do ponto de vista dessa lógica, isso faz todo o sentido. Do ponto de vista do reconhecimento do direito individual das pessoas, isso não faz sentido. É assim que eu vejo.
Como analisa o conteúdo do Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal? Tem pontos bons, mas também tem defeitos. Por exemplo, vejo com muita preocupação a demarcação de algumas ZEIs (zonas especiais de interesse social) em áreas estratégicas da cidade, como a Mooca, por exemplo. O plano não avança o tempo todo na mesma direção. Mesmo assim, destaco como positiva a proteção que é dada à cultura, a ideia de programar a cidade para reduzir distâncias entre trabalho e emprego e o incentivo da construção ao longo dos eixos de transporte público da cidade. Isso foi um grande avanço. Agora, na contramão disso, houve interesses ocultos e alguns nem tão ocultos assim que foram privilegiados na hora da aprovação, principalmente no tocante às Zeis. Eu também tenho dúvidas se o plano trata peculiaridades regionais com o devido cuidado, com a devida individualização. É importante ressaltar que São Paulo é muito grande. Temos 32 subprefeituras. São 32 minicidades dentro de São Paulo. Cada uma delas tem cerca de 300.000 pessoas. É difícil imaginar que cada minicidade seja igual a outra. Observo que houve boa vontade do relator, o vereador Nabil Bonduki, em olhar a cidade, o que não quer dizer que eu concorde com todas as soluções previstas. Também não gostei da forma como ele foi aprovado, às vésperas do recesso e com tamanha pressão do lado de fora [sem-teto acamparam na porta da Câmara Municipal para pressionar os vereadores]. Creio que poderia ter havido um pouco mais de debate no Legislativo.
O que acha das cláusulas do plano que beneficiam invasões do MTST? [O projeto aprovado contemplou quatro áreas invadidas pelo grupo de sem-teto na capital paulista] Acho perigoso. Não estou menosprezando o problema social subjacente, mas acho esses privilégios perigosos. Acho que essas respostas estimulam e legitimam esse procedimento das invasões muito mais do que é desejável para a cidade. É potencialmente muito perigoso. Eu acho que nós temos que ter o máximo de ZEIs na cidade. Tudo que for possível deve ser reservado para habitação popular, tendo em vista a demanda. Mas não devem ser áreas destinadas a parques, com mananciais ou de preservação ambiental.
O senhor tem indícios fortes para afirmar que a situação do Templo de Salomão está irregular? Tenho absoluta convicção de que há irregularidades na aprovação da reforma, que na verdade era uma obra nova. Isso tudo está baseado em documentos da própria prefeitura de São Paulo. Essa aprovação trouxe vantagens econômicas e prejuízos sociais, que agora precisam ser reparados. Isso foi monstruoso e inaceitável. O nome de quem permitiu isso é Hussein Aref Saab, ex-diretor do Aprov na gestão Kassab [e acusado de comandar um esquema de corrupção para liberar obras]. Ele está diretamente ligado a isso. Tenho muitos indícios que comprovam a afirmação. Está tudo sendo apurado.
O que pode acontecer com o templo se as irregularidades forem confirmadas? Tudo, desde a demolição ao pagamento pelo dano urbanístico e social. Estou trabalhando para obter o melhor resultado para a sociedade no menor prazo possível. Não gostaria de entrar com uma ação judicial. Tenho tido um diálogo franco, sincero, sério, honesto e bastante proveitoso com a direção da Igreja Universal.
Por que o MP recomendou o fechamento do templo? Porque a prefeitura deu uma autorização de evento para a inauguração do local, válida por seis meses. Mas eventos não duram 15 horas por dia nesse período. Isso é funcionamento, não evento.
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